Iraque à beira da guerra civil total
Nas 24 horas que se seguiram à destruição da mesquita xiita de Askariya em Samarra, norte de Bagdá, no dia 22 de fevereiro, o Iraque estava balançando à beira de uma carnificina. O mais provável é que setores opostos ao novo governo utilizaram o ataque à bomba para provocar uma polarização sectária muito mais aguda.
Por todo o país era possível observar exemplos do que seria uma futura guerra civil se a classe trabalhadora e o campesinato do Iraque não forem capazes de construir uma unidade de classe diante essa ameaça.
Como retaliação, mais de 150 sunitas, mas também alguns xiitas, foram assassinados em atos de vingança. Cerca de 168 mesquitas sunitas foram atacadas, dez líderes religiosos mortos e quinze seqüestrados.
Manifestações de xiitas ocorreram pelo todo o Oriente Médio, e o governo iraniano de Ahmadinejad também se manifestou com fortes protestos. O presidente populista iraniano fortaleceu sua posição expondo a hipocrisia da atitude do imperialismo estadunidense sobre seu direito de produzir urânio enriquecido. Ele quer usar os ataques bomba para aumentar o sentimento que existe entre muitos iranianos de que estão cercados por inimigos e que por isso é necessária uma unidade nacional em torno de seu regime. O aumento de instabilidade no Iraque pode encorajar o regime do Irã a intervir mais diretamente no Iraque através de partidos como o Dawa e Sciri que estavam baseados em Teerã durante o exílio.
Um resultado do ataque foi que o principal bloco de partidos sunitas no parlamento iraquiano se retirou das negociações sobre o novo governo, em protesto contra as mortes.
Ocupação estadunidene principal responsável
O Iraque chegou muito mais perto de uma guerra civil. A repressão brutal de grupos étnicos e religiosos e o empobrecimento da maioria durante o regime de Saddam Hussein criou algumas das pré-condições para essa conflagração. Porém, a principal responsabilidade por essa situação terrível é da invasão imperialista no Iraque. Mas, isso também tem que ser visto dentro do quadro da incapacidade do capitalismo em satisfazer as aspirações nacionais dos oprimidos e garantir o direito de livre expressão religiosa e cultural em regiões como o Oriente Médio.
Parte da mídia dos países ocidentais tenta passar a idéia de que esses confrontos sectários são inevitáveis e fazem parte da constituição das sociedades mulçumanas. A verdade é que a classe trabalhadora e o campesinato do Iraque têm uma história heróica de luta contra a opressão e as ditaduras. Em grande parte, essa luta se deu de forma conjunta, ultrapassando as divisões religiosas e étnicas.
Em abril de 2004, quando o imperialismo estadunidense tentou esmagar a resistência na cidade de Falujah, composta por uma maioria de sunitas, ocorreram manifestações de massas tanto de sunitas como de xiitas, incluindo 200 mil numa marcha em Bagdá. Em resposta aos massacres de xiitas em 2004, quando 271 foram mortos durante a cerimônia de Ashoura, aconteceram importantes manifestações de unidade ultrapassando as diferenças religiosas.
Dessa vez as tentativas não tiveram o mesmo sucesso. Em Nahrawan, perto de Bagdá, 47 corpos baleados foram encontrados. Os mortos eram jovens xiitas e sunitas que foram detidos e assassinados pelo simples crime de terem participado de uma manifestação conjunta contra o ataque à mesquita de Askariya.
O Iraque está dividido entre três principais grupos étnicos e religiosos: curdos no norte (17%), sunitas no oeste (20%) e a maioria xiita do sul (60%). O regime de Saddam Hussein era principalmente constituído por membros da elite sunita. Ele mantinha seu poder através da repressão brutal dos xiitas e curdos.
Um dos resultados da primeira Guerra do Golfo em 1991 foi a criação de áreas controladas pelos EUA e pela Grã Bretanha na região curda do norte e xiita no sul, o que praticamente dividiu o país. O imperialismo estadunidense desenvolveu uma aliança com os dois principais partidos reacionário curdos. Esses partidos fomentaram entre a população a idéia de que um apoio curdo ao ataque dos EUA contra o Saddam levaria à independência para os curdos no norte onde existem grandes reservas de petróleo. Isso ajudou a aumentar as tensões nacionais.
Mas o imperialismo nunca teve interesse em uma verdadeira libertação para a população do Iraque. Quando surgiu um levante no sul do Iraque, principalmente entre os xiitas, depois da primeira Guerra do Golfo, o imperialismo estadunidense ficou passivo enquanto a Guarda Republicana de Saddam Hussein esmagava os protestos brutalmente.
Caos e destruição
A invasão e ocupação dos EUA no Iraque, depois de doze anos de sanções econômicas que levaram à morte 800 mil crianças iraquianas, produziu-se um caos e um grau de destruição numa escala ainda maior. Como resultado da invasão e do colapso do regime do Saddam Hussein, as autoridades entraram em total bancarrota. Saques e destruição tornaram-se endêmicos. O exército dos EUA só protegeu os prédios do ministério de petróleo. A provisão de eletricidade e água entrou em colapso e nunca foi recuperada ao mesmo nível de antes da invasão.
Se de um lado o imperialismo estadunidense preparou a invasão meticulosamente, de outro estava totalmente despreparado para o cenário pós-Saddam. Tinham a expectativa de que seriam recebidos com os braços abertos nas ruas das cidades iraquianas. Ao invés disso encontraram rapidamente uma grande hostilidade contra sua presença por causa do caos, desemprego massivo e pobreza que se espalhou por quase todos os cantos do país.
Uma oposição massiva contra a ocupação e um anseio por uma vida melhor se desenvolveu rapidamente depois da queda do regime de Saddam Hussein. Porém, não existiam partidos da classe trabalhadora e dos pobres camponeses com uma presença nacional e com base nos diferentes grupos étnicos e religiosos. Na ausência de partidos desse tipo muitos pobres iraquianos procuraram outras forças políticas. Elementos do antigo regime baatista e das forças armadas formaram o núcleo de uma enorme variedade de grupos de resistência que conquistaram apoio entre os sunitas contra a ocupação.
Alguns desses grupos usavam sua propaganda para impor a idéia de que os sunitas eram um alvo particular para a ocupação dos EUA e que os partidos xiitas com vínculos com o Irã iriam tomar o controle sobre o Iraque nas eleições, o que levaria a uma divisão do país em três partes diferentes e uma perspectiva futura pior ainda para os sunitas.
Na reconstrução das forças de segurança e do exército em Iraque, o imperialismo estadunidense aprofundou a divisão sectária. A maioria esmagadora dos novos recrutas tem sido formada por xiitas e curdos. Forças xiitas reacionárias, incluindo milícias hostis à ocupação, têm sido incorporadas pelos EUA e pela Grã Bretanha nas forças de segurança iraquiana. Elas usaram essa posição para conduzir uma campanha brutal de torturas e assassinatos contra sunitas.
Eleições desastre para os EUA
O resultado das eleições iraquianas foi um desastre para o imperialismo estadunidense. O regime de Bush esperava que o grupo mais secular liderado pelo ex-primeiro ministro Iyad Allawi vencesse. Ao invés disso, foi a Aliança Iraquiana Unida, composta pelo Sciri e Al Dawa, que ganharam mais mandatos. O novo primeiro ministro vai ser Al Jaafari, eleito pela Aliança, principalmente com votos de deputados que apóiam o mesmo Moqtadr Al Sadr que o imperialismo estadunidense tentou esmagar em 2004 e 2005!
Embora um conflito sectário aberto não seja inevitável, ele ficou mais provável agora. O ataque contra a mesquita apavorou também os xiitas que não tinham apoiado algum dos partidos sectários xiitas. Existe um sentimento agora que se as forças reacionárias sunitas estão dispostas a atacar os santuários xiitas mais sagrados do mundo, eles estarão dispostos a fazer qualquer coisa contra a população xiita. Isso leva muitos xiitas pobres e da classe trabalhadora, na ausência de uma alternativa, a se aproximar dos partidos sectários. O mesmo processo vai tender a acontecer entre os sunitas.
Somente as idéias socialistas podem dar uma base para construir uma unidade por cima da divisa sectária. Essas idéias mostram como a opressão e exploração atingem os trabalhadores e pobres camponeses de todos os grupos religiosos e étnicos. Elas também fornecem táticas e estratégias para a classe trabalhadora, o único setor da sociedade que tem o potencial de derrotar o imperialismo, o capitalismo e o sectarismo religioso e abrir um caminho para frente.
Unidade de classe
Um movimento desse tem que se basear num programa para luta de massas para expulsar o imperialismo do Iraque e reconstruir sua economia seguindo uma linha socialista. Isso permitiria que se utilizasse toda a riqueza potencial que existe no país para transformar o padrão de vida de toda a população, independente da origem étnica ou religiosa. Trabalho, moradia, educação e saúde decente para todos, junto com respeito aos direitos das minorias e à sua cultura, língua e religião, tudo isso, com certeza, amenizaria as tensões sectárias.
Para garantir a segurança de todos os setores da população contra os esquadrões da morte que andam pelas ruas impunemente, é necessário construir grupos de auto-defesa baseado nas comunidades, democraticamente organizados e com representação de todos os setores religiosos e étnicos.
O tempo está se esgotando para o povo do Iraque. O imperialismo estadunidense, a elite iraquiana e seus maiores partidos levaram o país à beira de uma guerra civil total. Somente a classe trabalhadora, com o apoio dos camponeses pobres, tem o potencial para afastar o país desse abismo.