O circo de Moro em Curitiba
O circo montado ao redor do depoimento de Lula diante do juiz Sergio Moro traz um retrato de um país onde o sistema político está em profunda crise. É uma crise da classe dominante, incapaz de achar uma saída rápida para a crise, vendo seu sistema político se afundar na lama, e em vários momentos brigando entre si. Mas quando se unem, podemos ter certeza que vem chumbo grosso para nosso lado, mesmo quando o alvo imediato parece ser outro.
No impeachment, a direita se uniu para tirar o PT do governo, porque o governo Dilma não servia mais para implementar as contrarreformas que queriam impor. Queriam usar o pretexto da crise econômica para promover uma gigante redistribuição de renda de pobres e trabalhadores para ricos, empresas e sistema financeiro. Esse é o sentido do governo Temer.
Somos parte da esquerda que se opôs ao impeachment, sabendo que essa manobra golpista de direita ia trazer um aprofundamento dos ataques aos trabalhadores, mas sem cair numa defesa do governo Dilma, esquecendo o papel nefasto da política de conciliação de classes do PT, que deu continuidade aos fundamentos neoliberais da economia, e que se baseou em uma aliança com os bancos, empreiteiras e partidos de direita, corruptos e fisiológicos, com o PMDB como aliado principal.
Do mesmo modo, vemos a Lava Jato como uma tentativa de uma parte do judiciário em “limpar” o sistema dos piores excessos de corrupção, com um cunho especialmente voltado contra o PT. Para fazer isso, Sergio Moro montou um estado de exceção judicial, cometendo arbitrariedades, se utilizando de prisões midiáticas, vazões e ações espetaculares para dar o máximo de repercussão na mídia para construir apoio na opinião pública ao super-herói de toga que irá salvar a pátria da corrupção. Todo o circo montado ao redor do depoimento de Lula só confirma isso. Com base a indícios de crimes graves, mas menores, tenta-se montar a imagem de Lula com o Poderoso Chefão da política brasileira.
Entendemos que, independente do projeto e intenção original, a Lava Jato vai além de uma simples conspiração judicial voltada para destruir o PT. A amplitude das investigações atinge grandes interesses econômicos e cada vez mais os depoimentos envolvem o alto escalão do PMDB, PSDB e outros partidos. A Lava Jato derrubou vários ministros de Temer, prendeu grandes capitalistas como Marcelo Odebrecht e acabou na prática com as chances dos principais candidatos do PSDB – Aécio, Alckmin e Serra – de se candidatarem em 2018. As tentativas de “estancar a sangria” e abafar a Lava Jato até agora fracassaram.
Porém, não podemos cair na avaliação de que por isso a Lava Jato é progressiva. Pelo contrário. Os métodos utilizados normalizam excessos que já são usados contra a luta dos trabalhadores, e vão ser utilizados mais ainda. Na lógica do “fim justificam os meios” são cometidas arbitrariedades gritantes.
No dia anterior ao depoimento de Lula, um juiz substituto da 10ª Vara Federal de Brasília, determinou a suspensão por tempo indeterminado das atividades do Instituto Lula, com uma argumentação extremamente vaga e perigosa, se baseando simplesmente em “depoimentos” e “indícios” que no prédio havia sido discutidas ações de “desvios de comportamentos que violam a lei penal”. Com essa argumentação, qualquer sede de sindicato ou movimento social pode ser fechada por “indícios” de que discutiram, digamos, travamentos de estradas.
Já temos uma tendência forte de judicialização das lutas, com a justiça proibindo ou colocando limites a greves, manifestações, etc. Os protestos em defesa de Lula do dia de hoje em Curitiba já dão mais um exemplo disso, com a justiça determinando que o MST não possa montar acampamento em Curitiba para comportar as caravanas de manifestantes. Compare isso com o tratamento favorável aos protestos da direita, incluindo o acampamento na frente de prédio da FIESP no ano passado.
Não podemos ter nenhuma ilusão na justiça brasileira. O tratamento dado para ricos e pobres são totalmente diferentes. Veja só o tratamento ao Eike Batista, que é comprovadamente corrupto, roubando e desviando centenas de milhões de reais, mas é solto para cumprir pena em sua mansão, e a escandalosa sentença de 11 anos contra Rafael Braga, negro da periferia e participante dos protestos de junho 2013, sem nenhuma prova que o justifique.
Independente se a intenção original do Sergio Moro era de repetir a experiência da “Mãos Limpas”, que acabou com a maioria dos partidos políticos e prendeu boa parte dos políticos na Itália nos anos 1990, mesmo uma Lava Jato “bem sucedida”, não oferece uma saída. O próprio exemplo da Itália é ilustrativo. A saída política depois de todo o processo foi a chegada ao poder do super corrupto Berlusconi, que além de ser um governo de direita que atacava duramente os trabalhadores, usou seu poder implementando leis para se manter fora da prisão. Não há solução jurídica para o problema da corrupção, já que o judiciário é parte do mesmo sistema vigente.
Qual deve ser a posição da esquerda, dos socialistas, então? Nós queremos sim atacar o problema da corrupção, incluindo punir os corruptos que roubam recursos que deveriam ir para saúde, educação, moradia, etc. Para que isso realmente seja levado a cabo, e para garantir que o processo não seja seletivo e com excessos, como hoje, ou abafado, é necessário que ele seja colocado sob controle público efetivo, com representantes dos movimentos sociais que tenham acesso a todo o processo.
Mas precisamos também atacar as raízes da corrupção: a relação promíscua entre o poder público e o privado. Acabar com o financiamento privado de campanhas eleitorais é um passo limitado. Enquanto há contratos bilionários em jogo, não faz diferença fundamental se o suborno é pago antes das eleições, em forma de contribuição de campanha (legal ou ilegal) para os candidatos, ou diretamente para quem ganhar as eleições. O sistema de privatizações e licitações, onde dinheiro público é colocado à disposição do enriquecimento individual, sempre vai gerar corrupção. O próprio sistema político também corrompe, já que os mandatos trazem muito poder e recursos para indivíduos.
Por isso, ao mesmo tempo que não apoiamos ou criamos ilusões do Moro e na Lava Jato, também não participamos nos ato em defesa de Lula. O PT não inventou a corrupção, mas se inseriu no sistema ao assumir o governo. O projeto “Lula 2018” também não é um projeto que visa romper com o sistema corrupto, já que não ataca as bases da corrupção. O “Lula 2018” seria uma tentativa de reestabelecer a “normalidade”, reeditando o projeto de conciliação de classes.
O caminho para realmente começar a desmontar esse sistema corrupto, passa pelas lutas para derrotar as contrarreformas e derrubar o governo ilegítimo de Temer e com base nessa luta reconstruir um projeto de esquerda no país, que una os partidos, sindicatos e movimentos sociais ao redor de uma programa anticapitalista e socialista.