A ‘República da Odebrecht’ está nua!
Derrotar as reformas, derrubar Temer e lutar por uma alternativa dos trabalhadores ao sistema político e econômico!
A delação dos executivos da Odebrecht e os inquéritos abertos pelo STF no âmbito da Operação Lava Jato só vem confirmar o que já se sabia. Por trás da fachada democrática, o sistema político brasileiro nos últimos 30 anos funcionou em grande parte como um grande arranjo cínico para satisfazer um punhado de grandes capitalistas.
Na essência desse sistema político está a aliança espúria entre uma classe capitalista corruptora e uma elite política corrupta nos parlamentos e governos. Aqui não se está falando de aberrações ou exceções, como poderiam ser Sarney ou Collor. Durante os 20 anos em que PSDB e PT estiveram no governo, essa lógica não apenas se manteve como se consolidou.
O ‘capitalismo de compadres’ brasileiro tem a corrupção como um elemento estrutural. Não existe capitalismo sem corrupção, mas no caso de um capitalismo dependente e periférico como o Brasil esse elemento é ainda mais marcante. Capitalismo e democracia real mostram-se cada vez mais incompatíveis.
Durante a ditadura, o poder discricionário dos generais servia ao grande capital dispensando as mediações “democráticas”. A corrupção não precisava ser organizada em torno do financiamento de campanhas eleitorais. Eleição, aliás, não era o forte do regime burguês-militar instaurado em 1964.
Os riscos que a democratização do país poderia ter criado para o poder da plutocracia foram rapidamente contidos através do abuso do poder econômico nas eleições e do monopólio da mídia. Essas e outras características do sistema político-eleitoral distorceram ou anularam a autêntica expressão da vontade popular.
A eleição de Lula em 2002 poderia ter representado uma exceção. Mas, não foi. Não houve nenhuma ruptura com a ordem política corrupta. O PT não inventou o sistema político corrupto, mas adaptou-se completamente a ele, conferiu-lhe legitimidade e buscou moldá-lo aos seus interesses.
Os recentes depoimentos dos altos executivos da Odebrecht mostram que a empresa atuou para garantir seus interesses tanto no atacado como no varejo. É certo que subornaram políticos para garantir negócios e contratos mega-lucrativos para as empresas do grupo, no Brasil e no estrangeiro. Só com isenções de impostos encaminhados através da encomenda de Medidas Provisórias, a Odebrecht ganhou 8 bilhões de reais.
Mas, também atuaram com uma visão de classe mais global. Compraram políticos e jornalistas também para favorecer um modelo econômico que serve ao conjunto da classe capitalista. Foram muito eficientes na defesa do neoliberalismo, privatizações, quebra do monopólio do petróleo, desregulamentação das relações de trabalho, ataque aos trabalhadores e suas organizações, etc.
Nesse sentido, não é secundária a declaração do patriarca Emilio Odebrecht em seu depoimento sobre como ajudou na elaboração da Carta ao Povo Brasileiro, na verdade uma carta aos banqueiros, de Lula em 2002.
Como reconheceu o próprio Emilio Odebrecht, todo mundo sabia o que se fazia, incluindo os órgãos de imprensa que hoje cinicamente se travestem de paladinos da moral. A grande imprensa empresarial foi cúmplice desse processo porque se beneficiou dele (muitos receberam dinheiro direto da Odebrecht) e porque ele beneficiou o sistema econômico que eles defendem.
Crise, reformas, impeachment e Lava Jato
Todo esse mecanismo começou a engripar quando o país ingressou em uma das mais graves crises econômicas de sua história. A burguesia brasileira precisava apertar o torniquete e aprofundar qualitativamente os ataques contra a classe trabalhadora.
O governo do PT, arauto da conciliação entre as classes e que havia sido muito funcional durante os anos da bonança das commodities, já não tinha condições políticas de cumprir a nova tarefa para a burguesia. Por mais que Dilma tivesse se esforçado em tentar provar o contrário para o grande capital, acabou derrubada através de uma manobra parlamentar golpista.
Parte importante da direita política no país e de sua classe dominante viu na Operação Lava Jato a possibilidade de tirar o PT definitivamente do jogo e assim retomar o controle do governo sem mais intermediários. Foi isso que tentaram fazer com os escândalos do mensalão. Não conseguiram naquele momento porque o país vivia uma situação econômica muito diferente e o governo manteve apoio popular. Com o agravamento da crise, a explosão do desemprego e a piora das condições de vida, a situação mudou drasticamente.
O plano da direita foi anunciado explicitamente nas gravações vazadas da conversa entre o senador Romero Jucá, ex-homem forte de Temer e o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Segundo eles, era preciso tirar Dilma e promover um pacto para “estancar a sangria”, ou seja, impedir novas investigações e prisões para além do PT. Aprovar as contrarreformas era parte fundamental dessa negociata.
Mas, a realidade mostrou-se muito mais complicada e as investigações saíram do controle. A metástase se deu e hoje atinge praticamente todo o sistema político e todos os grandes partidos da ordem. Conter essa crise é muito mais difícil. Outras bombas ainda podem explodir com delações de executivos de outras empresas ou de figuras sinistras como Antonio Palocci, por exemplo.
Os próprios parlamentares que achavam poder trocar seu voto nas reformas pela garantia de impunidade, já não se veem tão seguros de que isso possa acontecer. Existe hoje a possibilidade concreta de que caiam ambos, tanto as reformas como o próprio governo e grande parte dos parlamentares.
Mas, isso só acontecerá pra valer se houver mobilização popular efetiva capaz de chacoalhar os pilares dessa República decrepita. Não será o poder judiciário que irá promover a justiça até as últimas consequências. O Judiciário é parte do sistema e também precisa ser investigado a fundo. Pode hoje refletir uma divisão dentro do Estado burguês, mas ainda se mantém como uma instituição de classe, da classe dominante. Foi, é e continuará sendo um instrumento contra os trabalhadores.
Derrubar as reformas e o governo
Estamos diante de um governo ilegítimo, constituído através de uma manobra golpista, odiado pelo povo e apoiado em um Congresso repleto de corruptos que pretende arrancar direitos sociais, trabalhistas e previdenciários da maioria da população brasileira.
Pelo menos oito ministros de Temer estão sendo formalmente denunciados e sendo alvo de inquérito no STF sob a acusação de receberem propinas milionárias da Odebrecht e crimes relacionados. O próprio Temer foi pessoalmente acusado de ter negociado propina da Odebrecht no valor de 10 milhões de reais em um caso e 40 milhões de dólares em outro!
No Congresso, tanto o presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM), como o do Senado, Eunicio Oliveira (PMDB), foram diretamente acusados de vender a aprovação de Medidas Provisórias que favoreciam os interesses da Odebrecht. Até agora, 42 deputados federais e 29 senadores estão na lista do inquérito aberto pelo STF. Sabemos que há mais por vir.
Esse Congresso não tem nenhuma legitimidade para votar medidas tão drásticas quanto as que estão em tramitação hoje. É preciso defender de forma clara que todas as medidas já votadas por esse Congresso (como a PEC 55, a reforma do ensino médio, a ampliação das terceirizações) sejam anuladas e mais nada seja encaminhado por esse antro de corruptos.
A crise política agravada com as delações da Odebrecht pode ajudar a criar condições para que as reformas de Temer sejam derrotadas. Mas, isso só acontecerá de fato se houver uma pressão avassaladora de baixo para cima.
Isso significa, nos dias que correm, jogar todo o peso na construção de uma poderosa greve geral de 24 horas que seja capaz de paralisar grande parte da produção e circulação de mercadorias no país. A greve geral deve deixar bem clara a força da classe trabalhadora e abrir caminho para novas iniciativas de massas ainda mais radicais.
Se Temer for incapaz de aprovar a reforma da previdência e trabalhista, acaba por perder seu sentido de existência do ponto de vista da classe dominante. Nesse caso, as chances de queda do governo aumentam muito.
Mas, mesmo aí será necessário barrar a manobra que levaria à indicação de um presidente substituto por eleição indireta nesse Congresso corrupto. A bandeira de eleições gerais, para presidente e Congresso, com regras realmente democráticas, precisa ser levantada como alternativa.
Reforma política radical, democrática e anticapitalista
Mas, o conjunto do sistema político está podre e é fundamental a defesa de uma reforma política radical de caráter democrático, popular e anticapitalista.
É preciso defender medidas como o direito à revogabilidade de mandatos, parlamentar com salário de trabalhador, fim do financiamento empresarial de campanhas, abertura das contas dos políticos, entre outras.
Mas, elas só serão realmente efetivas se vierem em conjunto com medidas que apontem na direção do controle democrático dos trabalhadores sobre os setores chaves da economia. É preciso defender a estatização sob controle dos trabalhadores das empresas envolvidas em corrupção e daquelas que foram privatizadas em processos repletos de irregularidades.
Ao contrário do que dizem os neoliberais de plantão, a solução para a corrupção não está na privatização das empresas estatais. Pelo contrário, é preciso desprivatizar o Estado que hoje já está nas mãos dos bancos e grandes corporações privadas.
A luta contra os ataques e contrarreformas do governo e pelo Fora Temer tem que se dar em conjunto com a luta contra o atual sistema político e econômico e por uma alternativa anticapitalista e socialista. Só assim poderemos sair vitoriosos e construir as bases para uma alternativa política de esquerda e dos trabalhadores capaz de superar inclusive o papel jogado pelo Lulismo.
Ponto de inflexão
A gravíssima crise política atual, reforçada pela mais grave crise econômica em muitas décadas, representa um ponto de inflexão de proporções históricas para o país.
Não podemos subestimar o fato de que essa relação espúria entre o grande capital e a elite política tenha vindo à tona de forma tão escandalosa aos olhos de milhões de brasileiros.
É claro que isso abre espaço para retrocessos e surpresas desagradáveis se alternativas progressivas não se apresentem no cenário. Ainda estamos diante de uma situação muito difícil para os trabalhadores no Brasil e as chances de derrota continuam existindo.
Mas, esse novo cenário também cria possibilidades, antes raras, para mudanças radicais e necessárias que façam avançar a luta dos trabalhadores e do povo contra as classes dominantes. Devemos nos preparar para aproveitar essa situação.
Olhando para a situação brasileira e internacional e com indisfarçável desgosto, FHC comentou recentemente (Valor, 18/04) que o clima global hoje é comparável ao que viu em Paris em 1968 nas vésperas da explosão de lutas de massas. De fato, há elementos disso, ainda que num contexto histórico muito diverso.
A antiga normalidade política ruiu, embora ainda se esforce desesperadamente para sobreviver. Mas, o novo (seja ele qual for) ainda não se constituiu e não o fará sem muito conflito, contradições, avanços e retrocessos, altos e baixos, derrotas e vitórias.
A chave da situação encontra-se na capacidade de resposta dos de baixo, dos trabalhadores e setores mais oprimidos da população. É aí que o desfecho dessa situação e o futuro serão definidos.
Para isso, não é secundário o papel da esquerda socialista que, com políticas claras e consequentes, poderá fortalecer e dar um sentido coerente às lutas e à indignação popular.