Quais são os desafios do 1° congresso do PSOL?
Para sintetizar a visão do Socialismo Revolucionário para o 1° Congresso do Partido Socialismo e Liberdade entrevistamos André Ferrari da direção do SR e membro da Executiva Nacional provisória do partido.
Qual sua expectativa nas vésperas do Congresso do PSOL?
Em primeiro lugar saudamos a realização do Congresso, mas achamos que ele vem tarde. Alguns no partido até se irritam muito com isso, mas nós não cansamos de repetir que o acordo feito entre todas as correntes da Executiva Nacional, com a única exceção do SR, cancelando o Congresso em 2006 foi um erro. Pagamos caro por isso na campanha eleitoral.
A Conferência eleitoral que substituiu o Congresso não teve força sequer para centralizar a campanha majoritária em nível nacional. A constituição da Frente de Esquerda foi um avanço, mas a linha da campanha não refletiu sequer as resoluções da Conferência.
Então vocês fazem um balanço totalmente crítico da campanha de 2006?
Não, nós insistimos que a existência do PSOL e da Frente de Esquerda com o PSTU e PCB, por si só já representam um forte elemento positivo do balanço. Havia uma alternativa de esquerda que denunciou o governo Lula e a direita tradicional. Isso ajudou a deixar claro para setores amplos de massas que a esquerda não morreu com a falência do PT. Não podemos subestimar a importância disso.
Mas, é claro, poderíamos ter avançado muito mais. Não o fizemos em razão dos limites do PSOL. Não me refiro apenas a limites naturais e inevitáveis de um partido recém construído, limitado em recursos, lutando contra tudo e contra todos. Além desses, existiram limites políticos relacionados à linha adotada pelo setor da direção do partido que dirigiu ou influenciou mais diretamente a campanha.
A linha política adotada na campanha e a forma como o partido funcionou nesse período podem representar uma antecipação de posições que, se consolidadas neste Congresso, podem levar a um retrocesso em relação às bases fundacionais do PSOL. Estou me referindo ao rebaixamento do caráter anti-capitalista e socialista de nosso programa e os atentados à concepção democrática e militante de nosso partido.
Por isso, o tema do balanço das eleições de 2006 e da atuação do partido neste processo é, para nós, muito importante neste Congresso. Debater isso entre os simpatizantes e militantes do PSOL não prejudica o partido.
Pelo contrário, é uma obrigação nossa levantar essas questões neste momento de recomposição da esquerda. O que atrapalha mesmo a esquerda hoje é calar-se e adotar uma postura triunfalista vazia.
O que vocês discordaram então da linha de campanha?
Bom, em primeiro lugar, achamos que a denúncia dos escândalos de corrupção, do mensalão, Valérioduto, etc, etc, colocada como centro absoluto da campanha, não foi feita de forma a denunciar as razões mais estruturais da corrupção.
É claro que tínhamos uma candidata marcada por sua força moral e tudo mais. Mas, o que acabou ficando na campanha foi uma ênfase na moral individual e não na explicação de que são as políticas neoliberais, a putrefação do regime burguês e a própria lógica do capitalismo que tornam inevitável e crônica a corrupção. E que o envolvimento do PT nessa sujeira toda é essencialmente um resultado da adaptação do partido à lógica do capitalismo.
Do ponto de vista programático, o ‘mantra’ da redução das taxas de juros, tão repetido na campanha, não diferencia o discurso do PSOL de tantos outros políticos e até empresários.
Mas, o mais importante é que a campanha não foi direcionada para apoiar e estimular a organização e mobilização dos trabalhadores. Nós não temos dúvida de que a simples existência da candidatura da Frente de Esquerda já ajudou os movimentos sociais, inclusive na retomada das lutas nos dias de hoje.
Mas, na campanha havia um receio em dizer que apoiávamos ocupações de terra, greves, mobilizações populares, etc, quando esse deveria ter sido um perfil forte de uma candidatura para ajudar a reconstruir a esquerda e os movimentos sociais. Isso foi feito em alguns estados, mas não foi a marca da campanha nacional.
Pesou muito na campanha, pelo menos num certo momento, a idéia de que se poderia vencer ou, pelo menos, ir para o segundo turno e tudo mais. Daí reforçar a ênfase moral no tema da corrupção e apresentar uma alternativa programática que não assustasse.
A postura da campanha em relação ao tema da legalização do aborto, por exemplo, foi absolutamente inaceitável.
O resultado foi que enfraquecemos o perfil político da candidatura e do partido. O número de votos foi excelente, quase sete milhões para Heloísa, mas nada perto do que se cogitou sobre ida ao segundo turno, etc.
Mas, o que faltou dizer do ponto de vista do programa na campanha?
Tem que haver um eixo programático claro para o PSOL, e isso vale para as eleições de 2006, mas também para nossa intervenção política geral hoje, que é o enfrentamento com o grande capital financeiro nacional e internacional e que carrega atrás de si as demais frações de classe da burguesia.
Heloísa bateu forte nesse setor e sua denúncia da ‘bolsa família dos ricos’, o pagamento de cerca de 150 bilhões de reais todos os anos para um punhado de 20 mil mega-especuladores, foi perfeita. O problema é o que propomos no lugar.
Se nossa lógica é não assustar para vencer a eleição, agora ou em 2010, então falamos que vamos reduzir os juros, assim o país cresce, a dívida pública fica sob controle e parece que tudo ficará bem.
Porém, todos nós sabemos que conter a sangria da dívida pública só se faz passando por cima de interesses poderosíssimos, os verdadeiros donos do poder mundial. Então, como vamos enfrentar isso?
A campanha devia servir para explicar, conscientizar e organizar os trabalhadores e o povo para o chumbo grosso que viria pela frente. Isso significa dizer as coisas como são. Significa dizer que vamos parar de pagar a dívida a esses tubarões capitalistas e nós, o povo pobre, os trabalhadores, a “massona” mesmo, vamos ter que estar muito bem organizados e mobilizados para segurar o rojão.
É para isso que os socialistas vão para as eleições. Para elevar o nível de consciência e organização. Para tentar ganhar um apoio de massas não a nossos candidatos simplesmente, mas para nossas propostas, nosso programa.
Colocar o não pagamento da dívida como centro do programa não seria radical demais, não tiraria votos?
Bem, aí a discussão é para que estamos na campanha eleitoral. Numa reunião de Núcleo do partido em São Paulo, um companheiro do PSOL disse que discordava de nós. Disse que defender redução da taxa de juros já era muito radical e que isso afetaria fortemente o grande capital especulativo, etc. Disse ainda que havia a vantagem de, ao defender isso, não corrermos o risco de ser mal entendidos pela população temerosa de calotes, confiscos, etc.
Bom, nós concordamos que até para reduzir drasticamente as taxas de juros é preciso uma baita luta de massas porque o capital financeiro não está aí para brincadeiras. Mas, não seria suficiente. Teríamos que fazer auditoria para identificar e preservar os pequenos investidores e cair em cima dos tubarões parando de pagar a dívida dos tais 20 mil mega-investidores.
Aliás, mesmo isso teria que conduzir a um processo de controle estrito da movimentação de capitais e avançar na direção da estatização dos bancos e do sistema financeiro. Sem isso, a política ficaria manca. Isso significa avançar numa direção anti-capitalista, atingir a propriedade privada desses grandes capitalistas, colocar controle dos trabalhadores sobre a economia, elementos de planificação, etc.
Ora, se queremos ir nessa direção, então teremos que ter consciência e força organizada de milhões respaldando e garantindo essas políticas. Por acaso conseguiremos isso fingindo que não vamos fazer nada de muito radical? Ou temos que explicar isso didaticamente na campanha eleitoral, nos movimentos onde atuamos, nas lutas que dirigimos e participamos?
Para nós não há dúvidas. Não se trata de esconder que teremos que parar de pagar a dívida e estatizar os bancos, muito menos que serão necessárias mais ocupações de terra, greves, manifestações e mobilização popular para sustentar essas políticas.
Mesmo num momento de confusão na consciência de milhões e dificuldades no terreno das lutas sociais, defender essas posições ajuda no processo de reconstrução de uma esquerda socialista conseqüente sobre os escombros do fracassado reformismo petista. Isso ajuda a formar uma camada de trabalhadores, jovens, etc que vai se preparando para disputar a consciência de outros milhões ainda confusos e vacilantes. Caso contrário o que se consegue é alguns votos a mais e muita clareza política de menos. No fim, saímos perdendo.
Então vocês acham que o Congresso do PSOL vai avançar nessa direção?
Bem, não é nessa direção que a maioria das correntes nacionais está apontando. Um companheiro de outra tendência do PSOL no debate interno para o Congresso disse em uma reunião que na opinião dele o máximo que se pode querer do Congresso é que ele não feche o partido, não o leve para o gueto.
Bom, nós também não gostamos e não queremos o gueto, mas não achamos que é esse o maior risco que se coloca com o Congresso do PSOL. O maior risco hoje é abri-lo e afrouxá-lo a tal ponto que o descaracterize e estrague todo o trabalho que tivemos para mostrar que o PSOL é o novo, o radicalmente diferente.
Para o SR um dos desafios centrais no Congresso do PSOL é impedir que as resoluções votadas consolidem o partido centralmente como um instrumento para a luta institucional, a disputa eleitoral por mandatos e posições dentro do regime democrático burguês.
Toda a discussão sobre o programa, concepção de partido, alianças, táticas e estratégia de alguma forma se relaciona com isso. Basta ver como, muitas vezes, uma discussão feita de forma meio abstrata sobre o caráter do programa, onde muitos militantes ficam até meio que boiando, não entendendo as diferenças entre programa democrático e popular e programa anti-capitalista e socialista, etc, de repente essa discussão fica bem concreta quando passamos a discutir a política para as eleições municipais de 2008.
Como assim, por quê?
Porque a defesa de um programa democrático e popular acaba tendo como conseqüência uma visão de alianças mais aberta a setores considerados não neoliberais dos partidos governistas ou de centro-esquerda, uma linha que enfatiza a disputa eleitoral em relação à luta direta dos trabalhadores e visa a constituição de governos democráticos e populares dentro do capitalismo, etc.
Existe o risco do Congresso do PSOL promover uma ruptura com suas bases de fundação. Nós alertamos isso em nossa Tese para o Congresso. Falamos do risco de uma refundação do PSOL sobre bases policlassistas e reformistas. Vamos combater isso até o fim.
O que você defendem para 2008?
Antes disso, muitos poderiam estar se perguntando porque nós, que questionamos a prioridade absoluta dada aos processos eleitorais, estamos querendo forçar a barra e discutir as eleições de 2008 neste Congresso quando a maioria das outras correntes quer jogar a coisa para frente.
Bem, nós achamos que é fundamental discutir agora as bases políticas fundamentais para nossa intervenção eleitoral em 2008 exatamente porque, como expliquei, isso ajuda a concretizar os demais temas.
Além disso, jogar a discussão para uma Conferência só no ano que vem e deixar tudo aberto significa perder o controle sobre o partido, sobre as filiações, política de alianças em cada município, etc. E entendemos que haverá boas oportunidades para o PSOL em 2008, mas também enormes pressões e riscos nessas eleições tão fragmentadas e com tantas realidades locais distintas.
Achamos que é preciso definir o arco possível e necessário de alianças com base no que foi a Frente de Esquerda (PSOL, PSTU, PCB). Ampliar sim, mas para os movimentos sociais, os lutadores, aqueles que estejam dispostos a junto conosco usar as eleições municipais para apoiar as ocupações do MTST, o movimento pelo passe-livre, as reivindicações do funcionalismo municipal, etc. Nada de alianças com políticos de partidos governistas ou partidos da ordem, da burguesia ou do fétido jogo político tradicional.
A intervenção do PSOL nas eleições de 2008 deve se dar com base num perfil e linha nacional. Devemos nos colocar como a grande referência de oposição de esquerda ao governo Lula e a todos os governos estaduais e municipais. Devemos continuar a colocar os temas nacionais, como as reformas neoliberais, a política econômica que só beneficia banqueiros e tubarões capitalistas. Até porque não há saída para a quase totalidade dos grandes problemas locais sem uma mudança radical na política econômica do país.
E o debate sobre o caráter do programa?
Nós lutaremos para que o Congresso reafirme o caráter socialista do programa do PSOL e barre toda e qualquer tentativa de rebaixá-lo ou mudar seu caráter, como acontece nessa defesa do programa democrático e popular.
Mas, não queremos fazer discussões abstratas. Muitos que defendem o programa democrático e popular já afirmaram em varias discussões que seu conteúdo é o mesmo de um programa anti-capitalista, que não há grande polêmicas ,etc. Bom, então vamos debater no concreto e no concreto mesmo vemos que há uma tendência de rebaixamento, basta ver o que aconteceu em 2006. Essa é uma questão vital, muitos até defendem que o programa do partido fique mais ou menos como está, mas na hora de definir as palavras de ordem para a conjuntura ou para o processo eleitoral dizem o fazem sem nenhuma referência no programa partidário. Rebaixam mesmo. Jogam o programa do partido para os dias de festa.
O que esperam então do Congresso?
Nós iremos intervir com força para evitar um retrocesso político e organizativo do PSOL. Não queremos que aconteça com o PSOL o que aconteceu com a Refundação Comunista italiana ou com o Partido Socialista Escocês que começaram muito bem e depois se perderam completamente. Não há espaço para um novo reformismo no atual estágio do capitalismo. Ou se avança na direção da ruptura com o capitalismo ou se retrocede para uma adaptação ao neoliberalismo, como aconteceu com o PT. O PSOL tem que entender isso e tirar as conclusões.
Da mesma forma, se não houver democracia interna, participação efetiva da base militante e priorização da luta direta dos trabalhadores, o retrocesso é quase certo.
Está certo que o PSOL não chegou a esse ponto e temos convicção de que existe uma ampla base militante crítica e disposta a lutar por um partido socialista, de luta e democrático de verdade. Talvez isso não se reflita totalmente no Congresso devido ao inchaço artificial que sem dúvida ocorreu. Mas, há base para resistir.
Nós sabemos que um campo moderado com grandes chances de se tornar maioria está se constituindo. Nesse quadro, estaremos nos relacionando com outros setores que, ainda que tenhamos diferença no balanço do partido e de sua atuação até agora, estejam dispostos a votar contra propostas que modifiquem o projeto original do partido.
Mas, nossa política central é a formação de um Bloco político de esquerda com quem temos acordos mais profundos. No Congresso, nós do SR vamos lançar um Bloco político de esquerda junto com independentes e companheiros da ARS e CLS, com representação em cerca de 9 estados. Esse é um passo importante, mas que pode se ampliar muito e trabalharemos para isso. E, a partir desse Bloco, no futuro, podemos consolidar uma nova corrente nacional de esquerda, democrática e de luta no PSOL, envolvendo não apenas coletivos, mas também militantes e dirigentes independentes para atuar no partido e nos movimentos sociais.