A ascensão do Militant: Trinta anos do Militant 1964 – 1994
A guerra das Falklands/Malvinas
Em 1982 a guerra das Falklands estourou, como um raio num céu claro, que teve um efeito decisivo nos eventos da Grã-Bretanha. De inicio o Militant colocou a questão: “A que interesse de classe serve a invasão Argentina e que interesse de classe serve a expedição militar britânica?” (1)
O ataque às ilhas Falkland/Malvinas nasceu da tentativa desesperada da ditadura de Galtieri de repelir a ameaça de uma revolução na Argentina. Não era a primeira vez que uma ditadura militar se engajou numa aventura estrangeira como meio de reforçar seu poder. Antes da invasão, a Argentina presenciou uma insurgência da oposição da classe trabalhadora ao regime brutal que estava engajado em seqüestros, assassinatos e tortura. 20 mil pessoas ‘desapareceram’. Apenas em 1995 foi revelado por um informante militar como isso foi feito. Oficiais disseram que arremessavam prisioneiros nus de aviões que sobrevoavam o Atlântico. Isso era uma política militar da ditadura contra seus oponentes mas que agora enfrentava o dia do julgamento depois de seis anos de sangrento reino de terror. Essa era uma das razões porque Galtieri reativou a velha exigência de 150 anos sobre as Malvinas.
Apenas poucos dias antes da invasão em 30 de março dezenas de milhares de jovens e trabalhadores desafiaram os militares nas ruas de Buenos Aires, protestando contra a pobreza, desemprego, e a supressão dos direitos sindicais e democráticos. 1.500 opositores políticos e sindicais do regime foram presos antes da invasão. Uma série de greves gerais estourou. O que a classe trabalhadora na Argentina ganharia com a tomada das Falklands/ Malvinas? Se a junta tivesse sucesso, isso poderia prolongar a vida da ditadura militar e piorar as condições dos trabalhadores argentinos. De outro lado, argumentou o Militant, “o motivo real para a atitude beligerante dos capitalistas britânicos é simplesmente sua enorme perda de prestígio.” (2)
Os capitalistas britânicos, como qualquer classe dominante, em último caso baseia sua posição em sua renda, mas também em seu poder e prestígio. Thatcher, em nome do capitalismo inglês, invocou os direitos dos ilhéus das Falkland. Ela alegava estar defendendo a democracia contra a Argentina ‘fascista’. Mas, disse o Militant, porque os Conservadores estavam bastante contentes em sancionar massivas vendas de armas para essa junta ‘fascista’ e ficaram absolutamente silenciosos sobre a repressão da classe trabalhadora argentina?
Além disso, eles tinham bem pouca consideração pelos ilhéus das Falkland em si, se recusando a desenvolver os serviços das ilhas. O Financial Times comentou quando o conflito estourou:
“É precisamente porque nenhum interesse britânico substancial estava envolvido que à crise foi permitido crescer de modo tão pouco cuidadoso.”
Longe de serem um paradigma de democracia, como Thatcher pretendia, as ilhas Falkland eram de fato um pouco mais que uma ditadura benevolente, com seu destino sendo decidido por uma só firma, a Falkland Islands Company. Acima de tudo, para o capitalismo britânico simplesmente permitir que a junta argentina tomar as ilhas sem qualquer resposta, poderia ser um enorme golpe para seu já diminuído poder e prestígio.
Militant se opunha a posição de colaboracionismo de classe da bancada Trabalhista, que não apenas apoiou Thatcher, mas exigiu guerra contra a Argentina. O apoio Trabalhista, de fato, foi um ingrediente vital no envio de uma Força Tarefa. Militant declarou:
Os trabalhadores não podem dar qualquer apoio à lunática aventura que agora está sendo preparada pelo governo Thatcher… o Partido Trabalhista e o movimento sindical devem parar Thatcher em seus preparativos. O movimento trabalhista precisa declarar que não tem qualquer confiança nas políticas e métodos do governo britânico… O Trabalhismo precisa exigir uma eleição geral na tentativa de que um governo trabalhista possa apoiar e encorajar a oposição dos trabalhadores na Argentina. (3)
Não obstante isso, uma lenda cresceu em torno da alegada posição do Militant na época da guerra das Falklands/Malvinas. Críticas ultra-esquerdistas dão a impressão de que nós não nos opomos à guerra. A declaração acima e outras no jornal teórico Militant International Review em junho de 1982 deixam nossa posição absolutamente clara: “Nós somos contra esta guerra capitalista.” (4)
Mas a posição do Militant era estranha a outros na esquerda, como Tony Benn. Havia um campo comum de oposição à guerra. Diferenças cresceram de como isso deveria ser feito e quais slogans levantar dentro do movimento trabalhista e sindical britânico. Como apelar para a maioria dos trabalhadores para efetivar uma oposição massiva? Não era suficiente meramente denunciar a guerra ou apenas chamar pela retirada da Força Tarefa. Os capitalistas seriam insensíveis a tal apelo e o Militant estimou que a classe trabalhadora, por causa das questões envolvidas, poderia também permanecer surda a tais apelos. A consciência dos trabalhadores britânicos sobre as Falklands/Malvinas e, por exemplo, na época da Guerra do Golfo era inteiramente diferente. A última foi muito claramente vista como uma ‘guerra por petróleo’. Para forçar a retirada da Força Tarefa deveria ser envolvida a organização de uma greve geral, que por si mesmo colocaria a questão da tomada do poder e um governo socialista. Ainda no inicio da guerra, tal demanda poderia não receber nenhum apoio dos trabalhadores britânicos. Nós pontuamos que:
Os ilhéus das Falkland muito compreensivelmente se opõem à soberania argentina se isso significa para eles os mesmos ‘direitos’ que os trabalhadores comuns da Argentina. (5)
Os direitos democráticos dos 1.800 ilhéus, incluindo o direito de auto-determinação, se eles quisessem, era uma questão chave na consciência dos trabalhadores britânicos.
Uma solução socialista para o problema das Falklands/Malvinas punha a necessidade de uma Argentina socialista, e talvez uma federação socialista e democrática entre a Argentina e as Falklands/Malvinas com total direito de autonomia para os ilhéus. Contudo, uma anexação forçada das ilhas pela ditadura argentina era uma coisa inteiramente diferente. Embora a população das Falklands fosse em torno de 1.800, dificilmente uma nação do sentido clássico do termo, eles sem dúvida tinham o direito de escolher sua própria língua, cultura e se eles assim o desejassem, sua própria forma de governo. Os marxistas não podiam ser indiferentes ao destino dos ilhéus, especialmente dada a consciência da classe trabalhadora desenvolvida sobre esta questão. Militant não podia condescender com a subjugação das ilhas representada pelo estabelecimento do novo governo militar do general Mendes. Essa criatura era um veterano da ‘guerra suja’, s campanha de extermínio contra trabalhadores e socialistas assim como de grupos de guerrilha, que pegaram em armas contra o regime militar argentino.
Ao mesmo tempo, os socialistas e marxistas não podiam dar confiança alguma ao governo Conservador e sua tentativa de resolver a crise pelas armas. A Força Tarefa foi enviada às ilhas Falkland, não para defender os direitos e condições dos ilhéus, nem era uma questão da ‘democracia’ britânica contra a Argentina ‘fascista’. Enquanto os capitalistas mantivessem seu poder eles o usariam para defender seu interesse de classe em casa e no exterior. Mas a demanda por uma greve geral, especialmente no inicio da guerra, estava claro, não receberia nenhum apoio, mesmo do setor mais avançado da classe trabalhadora. Mesmo aqueles que se declaravam a favor de “parar a guerra” não chamariam uma greve geral. Nem chamar para o fim da guerra ou da retirada da frota providenciaria uma campanha de massas para demonstrações, reuniões e agitação. Isso porque a esquerda não lembrava, aos olhos dos trabalhadores, a questão vital dos direitos dos ilhéus e a questão de se opor à ditadura militar na Argentina.
O único modo de parar a guerra era derrubar o governo Trabalhista. Mas Thatcher recebeu o apoio do Partido Trabalhista e sindicatos. Sem isso Thatcher não poderia ter ido à guerra. Michael Foot apoiou o envio da Força Tarefa mas, no primeiro encontro, também argumentou que não deveria ser usado. Isso era uma postura completamente inconsistente e ineficaz. Como se os Conservadores fossem enviar uma esquadra 8 mil milhas pelo Atlântico simplesmente para uma ‘exibição’ de forças.
Militant argumentou que o conflito das Falklands/Malvinas não era razão para parar a luta contra os Conservadores. Ao contrário, o conflito próximo poderia drenar recursos do capitalismo britânico. Os grandes negócios poderiam tentar fazer os trabalhadores pagar. Isso sublinharia a necessidade de continuar a luta para derrubar o governo Conservador.
Ao contrário do Militant, muitos supostos marxistas na Grã-Bretanha e internacionalmente, deram um apoio tácito ou aberto à ditadura argentina. Isso apenas faria o jogo dos Conservadores e do imperialismo britânico.
Estes grupos raciocinavam que o único meio consistente de se opor à classe dominante britânica era apoiar o inimigo do capitalismo britânico. Eles terminaram por dar apoio à política militar da ditadura argentina. Então, de um correto ponto de vista de oposição à guerra capitalista esses grupos terminaram num beco sem saída político.
Suas análises alegadamente partiam da atitude de Lenin e Trotsky durante a 1ª Guerra Mundial. A idéia de Lenin de 1914 – ‘Derrotismo Revolucionário’ – foi invocado. Isso foi feito sem examinar as circunstâncias e sem entender o método de Lenin. Havia enormes diferenças entre as circunstâncias da 1ª Guerra Mundial e a disputa, quase 70 anos depois, entre o imperialismo britânico e a Argentina sobre as Falklands/Malvinas.
De um ponto histórico: Lenin mesmo explicou em 1921 que o slogan de “uma guerra civil do derrotismo revolucionário” era o slogan para o núcleo dos ativistas do partido tirarem uma clara linha de distinção entre os traidores que apoiavam a guerra em 1914 e o marxismo genuíno. Não era um ‘slogan’ para ganhar a massa dos trabalhadores da Rússia ou de qualquer lugar.
Trotsky também pontuou às vésperas da 2ª Guerra Mundial que o slogan de “derrotismo revolucionário” não poderia “ganhar as massas”, que não queriam um “conquistador estrangeiro”. Ele partiu do ponto de que o decisivo papel na conquista do poder pela classe trabalhadora na Rússia em outubro de 1917 foi jogado não pela recusa de defender a “pátria burguesa” mas pelo slogan de “Todo o Poder aos Sovietes” e apenas por este slogan revolucionário. A crítica dos bolcheviques ao imperialismo e militarismo jamais poderia ganhar a esmagadora maioria do povo para o lado dos bolcheviques. O argumento que a guerra das Falklands/Malvinas era um simples caso da Grã-Bretanha ‘imperialista’ contra um país colonial, Argentina, não se sustentava.
Isso foi usado por alguns como justificação de apoio à Junta. A invasão do regime argentino não era uma guerra de ‘libertação nacional’ contra o imperialismo. Pelo contrário, ao invadir as Falklands/Malvinas a Junta Argentina estava perseguindo os objetivos ‘imperialistas’ do capitalismo argentino.
Galtieri invadiu as ilhas por razões políticas – acabar com uma revolução e salvar seu regime. Atrás de Galtieri estavam os financistas e capitalistas argentino, ansiosos em colocar suas mãos no potencial econômico do petróleo antártico e outros recursos naturais da região.
Militant pontuou que era ridículo descrever o capitalismo argentino como completamente dependente, ‘comprador’, dominado pelos agentes do capital estrangeiro. As estatísticas mostravam que a Argentina, apesar de sua subserviência neocolonial ao imperialismo americano assim como os grandes negócios europeus e japoneses, tinha todas as características de uma economia capitalista semi-industrializada.
A situação poderia ser diferente se o imperialismo britânico decidisse invadir a própria Argentina. Esse era um cenário que Trotsky claramente tinha em mente quando comentou uma hipotética situação envolvendo o Brasil nos anos 30:
No Brasil reina agora um regime semifascista que cada revolucionário apenas pode ver com ódio. Vamos supor, contudo, que amanhã a Inglaterra entre em um conflito militar com o Brasil. Eu te pergunto de que lado do conflito a classe trabalhadora deve estar? Eu respondo pessoalmente por mim – nesse caso eu estaria do lado do Brasil ‘fascista’ contra a Grã-Bretanha ‘democrática’. Porque? Porque o conflito entre eles não será uma questão de democracia ou fascismo. Se a Inglaterra fosse vitoriosa, ela colocaria outro fascista no Rio de Janeiro e um duplo jugo sobre o Brasil. Se o Brasil ao contrário vencesse, isso iria dar um poderoso impulso à consciência nacional e democrática do país e levar à derrubada da ditadura de Vargas. A derrota da Inglaterra iria ao mesmo tempo dar um golpe ao imperialismo britânico e dar um impulso ao movimento revolucionário ao proletariado britânico. (6)
Ao repetir meramente as palavras de Trotsky, sem apreender seu método, as seitas se aproveitaram assim para justificar seu “apoio crítico”.
Se houvesse uma população argentina nas ilhas, sujeita ao governo britânico contra sua vontade, a situação poderia ser também diferente. Então poderia haver o caso de uma guerra de libertação nacional para libertar as ilhas. Mesmo então os marxistas deveriam advogar a independência de classe da ditadura argentina. Mas esse não era o caso em 1982. Fora um ou dois argentinos casados com ilhéus, não havia nenhum argentino nas ilhas há 150 anos. “A guerra de Galtieri” era um caso clássico de uma ditadura militar em ruínas procurando a salvação em uma aventura estrangeira.
Enquanto o Militant defendia as análises e principais slogans que apresentamos na Grã-Bretanha, ao mesmo tempo reconhecíamos que uma ênfase diferente deveria ser adotada pelos marxistas argentinos. Enquanto tinham o dever de se opor à guerra, mostrando os objetivos reais da Junta, ao mesmo tempo, uma vez começada à guerra, eles deveriam se posicionar pela total mobilização da classe trabalhadora num claro programa anti-capitalista e anti-imperialista. Para isso seria necessário chamar pela expropriação de todos os ‘bens imperialistas’ na Argentina, começando com os do imperialismo britânico. Ao mesmo tempo eles deveriam chamar pelo armamento da classe trabalhadora, e por implicação na derrubada da ditadura militar, como meio de ganhar a guerra. Em contraste com a junta argentina o marxismo ofereceria total autonomia aos ilhéus no contexto de uma federação socialista com a Argentina como um passo para os Estados Unidos Socialistas da América Latina.
O imperialismo britânico triunfou sobre a Argentina e ao fazer isso deu um enorme estímulo ao governo Thatcher. Contudo, tal resultado não estava predeterminado, como relatos subsequentes demonstraram. Militant argumentou na época que se um dos porta-aviões britânicos tivesse sido afundado na invasão às ilhas a guerra poderia ter se desdobrado por um período de tempo muito maior. Então, à medida que os corpos começassem a chegar, o apoio inicial iria se evaporar. Thatcher teve sorte que neste conflito ele se enfrentou com um regime mais corrupto e incompetente que o dela. Mas como Militant também prenunciou, as consequências da derrota da Junta foi sua derrubada e o risco de uma revolução; uma das razões porque Reagan foi um pouco relutante em apoiar Thatcher, sua aliada número um.
Na Grã-Bretanha o ‘fator Falklands’ teve um efeito decisivo em 1982-83. O ‘triunfo’ britânico conjurou as sombras de um ‘glorioso passado imperialista’. O efeito disso foi mais evidente no Sudeste e nas Midland, que foi historicamente o lar do ‘imperialismo’ de Joseph Chamberlain. Estimulada pelo massivo apoio da imprensa, Thatcher foi capaz de equiparar, pelo menos por um tempo, o triunfo militar britânico com as esperanças de um retorno ao passado de ‘glória econômica’. Em maio de 1982 nas eleições locais, apesar de 4 milhões de desempregados, queda nas condições de vida, e desastrosas políticas econômicas, os Conservadores registraram um ganho total líquido várias cadeiras. O fator Falklands pode ser parte da explicação para a vitória de Thatcher na eleição geral de 1983.
1 Militant 596 9.4.82
2 ibid
3 ibid
4 Militant International Review 22 June 1982
5 Militant 596 9.4.82
6 Trotsky, Writings Of Leon Trotsky, 1938-39, P34