A ascensão do Militant: Trinta anos do Militant 1964 – 1994
Espanha, Portugal e Etiópia
Enquanto ressaltava a turbulência dentro do movimento trabalhista britânico, Militant nunca hesitou em chamar a atenção dos trabalhadores para grandes convulsões que tinham lugar em escala mundial. Por exemplo, na conferência nacional dos Labour Party Young Socialists uma demonstração de 600 Jovens Socialistas, o Militant reportou, marcharam “pelas ruas de Blackpool na direção do Hotel Norbreck Castle onde uma exibição chamada ‘Espanha ’75’ foi exibida.” (1)
Isso fazia parte da Campanha de Defesa dos Jovens Socialistas Espanhóis, que era um grande tema do trabalho do LPYS’ na época. Importantes trabalhadores industriais foram ganhos para as fileiras do Militant através de sua abordagem internacionalista em questões como a Espanha.
Para servir de base a esta campanha estava a percepção de que a Espanha às vésperas de uma revolução. Em 1975, Franco ainda estava vivo. Nenhuma outra organização percebeu mais as mudanças colossais que se aproximavam da Espanha. A análise do Militant punha a necessidade de preparar uma revolucionária greve geral para derrubar a enfraquecida ditadura. Além disso, se baseando nas experiências da Grécia e Portugal, o jornal previa que a seguir da derrubada de Franco ou qualquer sucessor, novas organizações de massas dos trabalhadores emergiriam. Um novo Partido Socialista de massas, pelas mesmas razões que levaram à formação do Pasok na Grécia, iria tomar forma. O Partido Comunista também cresceu.
Interessantemente, em oposição ao Militant, Tribune e a maioria dos parlamentares de esquerda, sem falar da direita, apoiavam a velha liderança exilada, a chamada ala “histórica” do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE). Eles opunham-se a uma ala do PSOE liderada por um jovem advogado, Felipe Gonzalez. O Militant sozinho previu que os ‘Históricos’ representavam um beco sem saída e que a liderança interna da ala de Gonzalez do PSOE poderia se tornar uma formação de massas, atraindo apoio significativo dos trabalhadores espanhóis.
A previsão do Militant foi confirmada. Mas as mesmas forças que anteriormente ridicularizaram a posição do jornal, e por implicação Gonzalez, mudaram. Os Históricos foram abandonados (eventualmente fundindo-se com o PSOE) e Gonzalez foi abraçado. Gonzalez então se dizia ser um ‘marxista’ como seu homólogo Soares em Portugal. Contudo, uma vez líder de uma significativa força de massas, ele procurou extirpar e expulsar os marxistas espanhóis que eram ligados ao Militant. Portanto quem zombava da idéia de que Gonzalez seria uma força significativa na Espanha tornaram-se seus novos ‘amigos’ e quem previa que o PSOE poderia se tornar a maior força da classe trabalhadora espanhola foram recompensados com expulsões. Realmente não há gratidão nos políticos!
Apesar de tudo, em 1975 a explosiva situação revolucionária que se desdobrava na Espanha permitiu a rápida cristalização de um grupo marxista enraizado dentro do que era o esboço de uma futura organização de massas. Espanha era considerada pelo Militant um país chave da onda revolucionária que se desdobrava por toda Europa. Portanto várias tentativas foram feitas para estabelecer um grupo de co-pensadores no país. Todas foram infrutíferas até um delegado da Juventude Socialista Espanhola visitou a Conferência Nacional dos LPYS. Esse indíviduo era Luis Rodriguez, que por causa do regime repressivo na Espanha, viajou sob o pseudônimo de Rati. Ele teve discussões primeiro comigo, então na conferência da LPYS com Ted Grant e Alan Woods. O último jogou um importante papel em assentar as bases para a criação do que se tornou uma importante força marxista dentro da Juventude Socialista e no PSOE. Alan Woods foi viver na Espanha por vários anos, o que efetivamente impediu-o de jogar qualquer papel nos eventos decisivos dos anos 70 e 80 que colocaram o Militant em evidência, especialmente no Partido Trabalhista. Contudo, a força que ajudou a criar na Espanha foi capaz de jogar um papel em 1975, 1976 e na greve dos estudantes em 1986. Tragicamente, como seus correligionários britânicos que se separaram do Militant em 1992 (ver capítulo 36), eles foram incapazes de enfrentar a situação diferente resultante do colapso do stalinismo e do boom dos anos 80. Eles converteram as idéias que justificaram seu trabalho dentro do PSOE, corretamente em 1975 e depois, num dogma ossificado. Foram incapazes de adotar táticas flexíveis demandadas pela nova situação. Felizmente, novas forças jovens, aderindo à abordagem internacionalista do Militant, começaram a se desenvolver na Espanha para continuar a tradição que começou a se desenvolver no período de 1975-76.
Em Portugal, também 1975 foi um ano decisivo. A tentativa de golpe de Spinola em março de 1975 resultou em um contra-movimento de baixo que puxou a revolução mais à esquerda. Esse desenvolvimento dava pesadelos aos capitalistas. The Times concluiu que em Portugal “o capitalismo está morto”.
Isto de fato parecia ser o caso. O golpe de Spinola, com similaridades com a tentativa de contra-revolução de Kornilov para derrotar a Revolução Russa em agosto de 1917, provocou enorme oposição entre os trabalhadores. Mesmo os conservadores pára-quedistas recusaram-se a seguir ordens. Durante os eventos, Militant reportou:
Muitos soldados entregaram armas aos trabalhadores. O puxão magnético da classe operária determinada a defender seus direitos foi suficiente para ganhar sobre os setores mais brutais das forças armadas. Embrionariamente, uma milícia armada de trabalhadores realmente existia.(2)
Mais de 50% da indústria foi tomada sob controle estatal pelo decreto do ‘Supremo Comando Revolucionário’. Ele ordenou o estado encampar as casas financeiras e os bancos. E ainda o capitalismo, como os eventos subseqüentes demonstraram, não estava morto. A menos que a classe trabalhadora organize seu próprio estado alternativo, criando comitês de trabalhadores e fazendeiros com controle e gerenciamento democrático – em outras palavras, um estados operário democrático – o capitalismo, como todas as revoluções o demonstram, conseguirá uma sobrevida.
É precisamente o que ocorreu em Portugal. Mas, dada a esmagadora relação de forças a favor da classe trabalhadora, ela não poderia, como esperava o Militant num certo estágio, tomar a forma de reação aberta. Como na Revolução alemã de 1918, a contra revolução foi obrigada a usar a máscara da Social-Democracia. Através da mediação do Partido Socialista de Soares, o capitalismo gradualmente reconstruiu sua máquina estatal quebrada. E então começou a retomar os ganhos da revolução, que resultou, nos anos 80, na volta da indústria, dos bancos e da terra a seus antigos donos.
O 20° aniversário em 1994 despertou o interesse na revolução portuguesa, mostrando que um selo indelével foi deixado na consciência do povo daquele país. Um reavivar dos objetivos da revolução portuguesa é inevitável no próximo período.
Etiópia
Na Etiópia, por outro lado, 1975 viu uma enorme virada à esquerda pelo Derg, o governo militar instalado no poder depois da derrubada de Haile Selassie. Foram compelidos pela pressão da situação a nacionalizar a terra e estabelecimentos comerciais antes pertencentes ao Imperador e trazer ao controle estatal os bancos e companhias de seguros. Acima de tudo, foi anunciada a tomada de 72 companhias estrangeiras e locais e a maioria das ações em outras 29. A Etiópia representava um importante desenvolvimento para o mundo colonial e semicolonial. Foi o último exemplo no pós-1945 que levou ao estabelecimento do que o Militant caracterizou como ‘regimes proletários bonapartistas’, i.e. economias planejadas por regimes totalitários de um só partido.
Tendências similares ficaram evidentes logo em outras partes do mundo colonial semi-colonial. O mais notável exemplo a este respeito foi a vitória da revolução chinesa em 1944-49. Rompendo com o capitalismo, nacionalizando a terra e começando a estabelecer uma economia planificada, o regime de Mao Tsé-Tung, contudo, não tinha nada em comum com a democracia operária de Lênin e Trotsky em 1917. Mao começou onde Stalin parou, um regime totalitário de um só partido. Embora se assentando numa economia planificada, desde o inicio a revolução chinesa estabeleceu um estado operário ‘deformado’. Mesmo durante o boom econômico do pós-guerra o mundo colonial e semicolonial enfrentava a catástrofe social e econômica. Uma combinação de fatores (cujo espaço não nos permite examiná-lo totalmente aqui) foi o que empurrou Castro, originalmente um liberal democrata, a romper com o imperialismo americano. A revolução armada contra Batista, os erros de Eisenhower assim como os de Kennedy, em tomar represálias contra Castro, por causa de sua limitada ação contra o capital estrangeiro e a pressão das massas armadas, tudo empurrou Castro em tomar a maioria da indústria. Face ao embargo dos EUA, a burocracia russa passou a providenciar enorme apoio financeiro. Eles forneceram óleo ao regime cubano, no valor de $2 milhões por dia. Portanto sob o nariz do imperialismo americano um ‘regime proletário bonapartista’ foi criado.
O Militant pontuou que algo similar estava ocorrendo na Etiópia. Terríveis fomes, um evento constante na Etiópia, a indiferença e a incompetência do antigo governo corrupto lançaram as bases para grandes mudanças. Demonstrações de massas e greves dos trabalhadores da Etiópia abalaram o país em suas fundações. A casta de baixos oficiais, vindos de meios sociais e econômicos de classe média, foi afetada por estes eventos. Vendo os progressos dos estados totalitários da Rússia e China, que também garantiam privilégios a uma elite, eles os usaram como modelo para a Etiópia. Tragicamente, esta previsão do Militant foi confirmada.
Táticas para a luta
Em 1975 o aparente sucesso do regime etíope, o alegado triunfo de métodos guerrilheiros em qualquer lugar, a deflagração de assassinatos, seqüestros e terrorismo internacional obrigaram o Militant a devotar atenção à oposição das idéias do terrorismo.
Marxistas se opõem à hipocrisia da classe dominante que denuncia o ‘terror’ enquanto pratica o terror em escala mundial na defesa do seu sistema. O terrorismo, especialmente o individual, provava ser atrativo para uma camada internacional de jovens da classe média, principalmente. Militant argumentou: “Em comum com os liberais os terroristas individuais acreditam que o sistema capitalista se assenta sobre indivíduos.”
O assassinato dos representantes mais brutais do regime não leva automaticamente à sua derrubada. Há mais do que candidatos suficientes nas fileiras o capitalismo para substituir os que caem sob as balas dos assassinos. ‘Terroristas individuais’ – ou guerrilha urbana – substituem por eles mesmos as massas. Acreditam que são suas ações e não a organização consciente das massas que irão efetuar mudanças necessárias. Como Trotsky escreveu, eles na verdade “diminuem as massas em sua própria consciência, conciliam elas com sua própria impotência e fazem-na esperar pelo grande vingador e emancipador que algum dia virá para cumprir sua missão.”(3) Não foi o terrorismo mas a mobilização de massas de uma classe operária armada que realizou a grande virada da história, a revolução russa de outubro de 1917.
Não apenas na Irlanda, mas mais importante de um ponto de vista internacional, também na Argentina, uma grande camada da juventude caminhou para a guerrilha urbana. Eles foram aplaudidos por alguns chamados ‘marxistas’, normalmente dos bastidores. Um trágico exemplo está na Argentina. Um setor da juventude peronista, nas fileiras dos Montoneros (representando 10% dos peronistas, i.e. 300,000), originalmente empregou métodos terroristas contra a ditadura militar. Após a sua derrubada e substituição por Perón, os Montoneros poderiam se tornar uma arma para ajudar a transformar a perspectiva dos trabalhadores peronistas até uma direção socialista, especialmente nos sindicatos.
Essa era a perspectiva esboçada pelo Militant. Mas alguns alegados ‘marxistas’ ou mesmo ‘trotsquistas’ reforçaram as ilusões guerrilheiras e terroristas dos Montoneros, mais ainda aqueles do ERP (Exército Revolucionário do Povo). O capítulo das ilusões guerrilheiras e terroristas, tão evidente ao final dos anos 60 e 70s, era um sintoma da crise do mundo capitalista. Ao mesmo tempo, estas falsas políticas levaram à eliminação e perda da energia revolucionária de uma geração que poderia ter se tornado um importante fator na transformação do movimento trabalhista.
1 Militant 251 11.4.75
2 Militant 248 21.3.75
3 Citado no Militant 278 7.11.75