‘Império’ Americano em crise

Possui um exército de mais de um milhão e duzentos mil homens e mulheres, com meio milhão de soldados, espiões, técnicos, professores, dependentes e empreiteiros empregados em outras nações. Também possui uma dúzia de forças-tarefa transportadoras em todos os oceanos e mares do mundo, e, através da doutrina de ‘espectro militar total’, pretende dominar também o espaço.

Esta nova Roma – chamada de um ‘império de bases’ pelo perceptivo comentarista estadunidense Chalmers Johnson – tem 725 bases oficialmente reconhecidas pelo mundo; não-oficialmente há pelo menos 1.700 destas instituições militares. Seu gasto de armas, enormemente inchado desde 11/9, é quase igual ao gasto total do resto do mundo junto.

A nova Roma

Após o ataque ao World Trade Centre em 2001, o imperialismo dos EUA procurou empregar unilateralmente esta força para criar um ‘mundo unipolar’, no qual seu poder permaneceria inquestionável.

De fato, um comentarista proclamou que “dificilmente há uma só figura proeminente [nos EUA] que encontraria uma defeito na noção de que os Estados Unidos permanecem a única superpotência militar até o fim dos tempos”. Mesmo antes do 11/9, outro afirmou: “América não é um mero cidadão internacional. É o poder dominante do mundo, mais dominante do que qualquer um desde Roma. Portanto, a América está na posição de ditar normas, alterar expectativas e criar novas realidades. Como? Por demonstrações indesculpáveis e implacáveis do que virá.”

O ataque da Al-Qa’ida aos EUA deu à Bush precisamente a desculpa para realizar este sonho da cabala ‘neo-conservadora’ que o cerca desde seu primeiro dia no cargo. O 1º alvo foi o Afeganistão, então o Iraque, a ser seguido pelo ofensiva contra o Irã e a subjugação de todo o Oriente Médio. Isso foi parte de um ‘grande plano’ de transformar o ‘império informal’ dos Estados Unidos a uma aberta ‘Nova Roma’.

Levou séculos para o Império Romano colapsar, mas em menos de uma década a presidência imperial de Bush está se desintegrando nas areias do Iraque, nas montanha do Afeganistão e o caos da Somália. As razões para a retirada precipitada do imperialismo dos EUA foram antecipadas pelo Partido Socialista e o Comitê por uma Internacional Operária. Argumentamos que o uso de um esmagador poder militar sozinho não teria sucesso. Poderia conjurar uma massiva revolta nacional e social que ricochetearia até dentro das fronteiras dos EUA, resultando no que os próprios comentaristas capitalistas chamam ‘blowback’.

Oposição

Os efeitos disso são vistos na queda sem precedentes na aprovação de Bush – 31% em maio. Ele é o presidente mais impopular desde 1945, fora o odiado Nixon, que foi tirado do cargo como resultado da Guerra do Vietnã e suas repercussões em Watergate.

Não há um fim previsível para os horrores do Iraque. O horrível massacre em Haditha inevitavelmente lembra atrocidades similares da Guerra do Vietnã, simbolizadas pelo massacre de mais de 500 homens, mulheres e crianças em My Lai. A diferença desta vez é que as revelações de Haditha apareceram muito mais rapidamente que as de My Lai.

Também a oposição americana à guerra do Iraque é agora maior que era na época das atrocidades do Vietnã, com 6 em cada 10 americanos acreditando que a invasão do Iraque em 2003 foi um ‘erro’. Isso tem obrigado senadores tradicionalmente falcões como John Murtha a exigir a rápida retirada dos EUA do Iraque. Contudo, uma coisa é entrar num pântano, mas muito mais difícil e tirar a si mesmo dele.

O Independent comentou sobre o fuzilamento de mulheres e crianças em Haditha: “Claramente, a cada dia que passa, a guerra no Iraque se assemelha ao Vietnã.”

Guerra Civil

Sim e não. Uma generalizada resistência nacionalista existe no Iraque, como no Vietnã, refletido na insurgência.

Contudo, a atual insurgência envolve predominantemente 5 milhões de sunitas árabes iraquianos. O assassinato de al-Zarqawi – que de todo modo jogou um papel menor na resistência – não irá dissipar este movimento, como até mesmo Bush e Blair admitiram. Na época da captura de Saddam Hussein e a morte de seus filhos eles cantaram uma música diferente, afirmando que este era um ponto de inflexão.

Os curdos e os xiitas, que constituem a maioria da população do Iraque, tem por diferentes razões ou apoiado a invasão liderada pelos EUA (os curdos) ou a tolerado (os xiitas). A elite xiita, em particular, se alinhou à Grã-Bretanha e os EUA como um meio de finalmente atingir o poder. Mas agora a “animosidade xiita em relação às forças americanas e britânicas está… começando a se parecer com a dos sunitas no inicio da guerra de guerrilhas”. [Patrick Cockburn, The Independent, 24 de maio.]

Ao mesmo tempo, o conflito comunal entre os xiitas (60% da população), os sunitas e os curdos é intratável em bases capitalistas, e é refletido na ‘guerra civil’ olho por olho que está atravessando o país.

Esta é a diferença crucial com o Vietnã. A oposição ao imperialismo estadunidense estava em sua maioria unificada atrás das forças nacionalistas predominantemente stalinistas de Ho Chi Minh e a Frente Nacional de Libertação, que também refletia um programa de libertação social para as massas camponesas em particular.

Não existe tal força no Iraque que o imperialismo dos EUA pudessem ‘esmagar’ para, ‘declarar vitória’ e ir para casa. Há um claro reconhecimento que os 132.000 soldados americanos apoiados por uma pequena tropa britânica são incapazes de controlar a situação.

Os soldados britânicos estão sendo atacados numa média de 60 vezes por mês, desde o inicio do ano. Um milhar destes soldados estão ausentes sem deserção (AWOL) por mais de 30 dias desde o inicio da guerra em 2003.

Os EUA estão portanto tentando costurar juntos um ‘exército nacional’, que possui um pessoal de 230.000 no presente mas está projetado para aumentar para 320.000 no fim do próximo ano. Mas, como comentaristas em jornais capitalistas como o The Independent tem reconhecido, “a lealdade destas forças é para as comunidades sunitas, xiitas e curdas, não para o governo central. O problema tem sido sempre mais lealdade do que treinamento.”

Impasse

Este impasse sectário não pode ser resolvido em bases capitalistas. Isso, incrivelmente, não é reconhecido pelos alegados líderes do movimento ‘Stop the War’ na Grã-Bretanha.

O Partido Socialista exige a imediata retirada de todas as forças estrangeiras do Iraque, e que o povo iraquiano decida seu próprio destino. Mas, uma retirada unilateral completa é improvável de ser empreendida pelos EUA.Eles invadiram o Iraque para assegurar o petróleo e, enquanto a maioria de suas tropas (junto com as da Grã-Bretanha e outros parceiros da ‘coalizão’) possam ser formalmente retiradas, é altamente improvável que eles desistam imediatamente de todas as 110 bases que ocupam no Iraque.

Apenas um efetivo movimento não-sectário dos trabalhadores – Curdos, xiitas e sunitas, assim como os turcomenos e outros – pode quebrar totalmente e permanentemente o total domínio militar e econômico sobre o Iraque exercido pelo imperialismo dos EUA. Este movimento deve ser ligado à idéia de um Iraque socialista organizado nas bases de uma confederação democrática, garantindo os direitos de todos os povos do Iraque, incluindo as minorias.

Nada é mais utópico que os argumentos de alguns ‘socialistas’ que dizem que apenas retirando as tropas o povo iraquiano pode então viver em amizade, paz e compreensão, Deixe-os com seus próprios esquemas, eles sem dúvida irão.

Mas nas bases do capitalismo, com um histórico legado de divisão fomentado pelo imperialismo e capitalismo e exploradas pelas elites em todas as diferentes comunidades, estas divisões sectárias podem crescer, como as experiências da Irlanda do Norte e, talvez, mais tragicamente, os Bálcãs demonstraram.

Algumas das vozes de sereia que se contentam com o slogan ‘retirada das tropas’ adotam a mesma posição em relação à Irlanda do Norte no passado. Retire as tropas britânicas e protestantes e Católicos viveriam pacificamente. Seu experimento utópico nunca foi testado já que o imperialismo britânico, embora gostasse de ter retirado suas forças da Irlanda do Norte, entendeu que isso poderia desencadear uma guerra civil sectária – criada por suas próprias políticas passadas. Portanto, apesar das explosões e feridos, ele adaptaram-se à longa quebra-de-braço contra o IRA.

Argumentos similares são agora levantados dentro das fileiras do imperialismo dos EUA para justificar a contínua subjugação militar, e particularmente econômica do Iraque, mesmo se os soldados estão ‘formalmente retirados às bases’. A tarefa para os trabalhadores e camponeses iraquianos, portanto, é forjar uma aliança de classe que possa mostrar um caminho para fora dos horrores infligidos sobre eles pelo imperialismo e as diferentes elites comunais que estão lutando pelo poder.

Ódio

O Iraque nunca será democrático ou livre numa base capitalista. Isso foi sublinhado pela visita de Bush ao Iraque em 13 de junho. Ele disse ao novo primeiro ministro iraquiano, Nouri al-Maliki: “Tenho expressado o desejo de nosso país de trabalhar com você mas eu gostaria que você reconhecesse o fato de que o futuro do país está em suas mãos.” Mas, o ‘independente’ primeiro ministro iraquiano recebeu a notícia precisamente a 5 minutos da visita aérea de Bush, uma clara demonstração do relacionamento entre ‘César’ e seu pró-cônsul no Iraque.

Contudo,nem o povo iraquiano nem as massas neo-coloniais que estão para serem postos sob seu tacão pela ‘guerra ao terror’ estão se encolhendo de medo por isso. O slogan dos líderes romanos para seus escravos coloniais era “deixem-nos nos odiar contanto que nos temam” (oderint dum metuant). Esta foi a verdadeira filosofia de Bush e sua gangue após o 11/9. Como conseqüência das ações dos EUA desde então, as massas no mundo neo-colonial continuam a odiar os EUA ainda mais intensamente mas não mais os temem!

Somália

Os eventos no Iraque, Somália, Afeganistão, Irã e em qualquer lugar sublinham isso. A vitória dos ‘Islamistas’ na Somália, apoiados pelos capitalistas locais e as massas desesperadas por qualquer alternativa ao caos sem-fim,representa uma “assombrosa derrota para a estratégia dos EUA de contra-terrorismo por procuração” no Chifre da África [the Guardian].

Desde a queda do ditador Mohammed Siad Barre em 1991, o país tem estado sob o tacão de senhores de guerra corruptos que acumularam uma vasta riqueza pelo controle de portos, estradas e campos de pouso que não reconhecem a autoridade nacional. Os EUA apoiaram completamente estes déspotas pelo medo do perigo da ‘Talibanização’ da Somália. Seu equívoco agora ameaça conseguir precisamente o resultado que eles queriam evitar.

Bush tem feito um barulho ameaçador sobre impedir uma “nova base para a al-Qa’ida”, mas depois da retirada humilhante das forças dos EUA da Somália sob Clinton em 1994 ele não será capaz de uma intervenção militar direta. Os Islamistas, de outro lado, não serão mais capazes de abrir um novo caminho de paz e prosperidade para o sofrido povo somali do que o Taliban foi capaz de fazer no Afeganistão.

A intervenção militar americana britânica no Afeganistão era supostamente para extirpar todos os remanescentes do bárbaro Taliban, esmagar o poder dos senhores de guerra e varrer o entulho feudal, incluindo a perseguição e discriminação contra as mulheres. Mas, 4 anos e meio depois da invasão, o ‘Iraque’ se espalhou para o Afeganistão, com ataques suicidas em Cabul, a produção de papoula alimentando o comércio de drogas em seu maior auge e o retorno do Taliban no sul.

Afeganistão

O mandato do presidente Karzai, desdenhosamente descrito como o ‘Prefeito de Cabul’, não pode governar além da capital. No sul e na fronteira entre Afeganistão e Paquistão, “o Taliban governa a noite”. O barbarismo medieval retorna à medida que as escolas tem sido queimadas e aterrorizadas mulheres são forçadas a voltar a seus lares. A tênue linha das tropas britânicas e dos EUA são incapazes de manter a situação na batalha contra o Taliban. Portanto o governo Karzai, em desespero, está tentando forjar uma aliança com os ‘narco-senhores de guerra’ e suas milícias para combater o Taliban.

O contingente de 23.000 soldados americanos, junto com os 9.000 da OTAN, são incapazes de segurar o país. De fato, se estima que uma ‘legião estrangeira’ de 150.000 soldados seriam necessários apenas para manter o sul do Afeganistão! O completo colapso da farsa do governo ‘democrático’ sob a administração Karzai, escorado como é pelas baionetas britânicas e americanas, está posto. Em desespero, Karzai está tentando chegar a um acordo com o Taliban, ou um setor dele no sul, como o Paquistão tem feito.

Irã

Sobre o Irã, os EUA tem sido obrigados a reverter sua política de 27 anos ao oferecer negociações com um regime descrito por Bush como um do “eixo do mal”. Embora a Secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, declare que não há uma ‘grande barganha’ em oferta ao Irã, está claro que os EUA se equivocaram. Seu rosnar de dentes não teve sucesso em eliminar o programa nuclear do Irã. Um observador comentou que a abordagem dos EUA com o Irã sobre seu programa nuclear e a possibilidade de armas nucleares no futuro equivale a um ultimato: “Por favor entregue sua arma e então irei matar você.”

Embora haja uma massiva oposição interna ao regime dos mullahs de Teerã, dado a história de intervenção imperialista e a resistência nacionalista a este pelo povo iraniano, a maioria dos iranianos são implacavelmente contra as ameaças de Bush e do imperialismo.

Ao contrário das expectativas de Bush, a intervenção no Iraque, longe de enfraquecer o Irã, fortaleceu enormemente sua posição como poder regional no Oriente Médio. Através dos seus contatos com o Hezbollah e por causa da retirada da Síria do Líbano, tem agora um papel maior lá. Também interviu para financiar o Hamas em seu conflito com a Autoridade Palestina.

Recorde nos preços do petróleo e um aumento do comércio com a Rússia, China e Índia tem permitido ao Irã não dar importância à pressão dos EUA para encerrar seu programa nuclear. Há setores do governo americano – liderados, parece, pelo vice-Presidente Cheney – que ainda desejam recorrer para a solução militar.Mas uma invasão militar em larga escala do Irã, 3 vezes mais populoso que o Iraque, está descartada. O bombardeio das instalações nucleares do Irã, contudo, ainda é uma opção que ‘permanece na mesa’, tal é o louco ponto de vista da administração Bush.

Contudo, devido à oposição de outras potências capitalistas, os EUA parecem estar sendo forçados a botar até mesmo este plano na geladeira, preferindo deixar para a Europa em particular, China e Rússia, a pressionar o Irã para chegar a algum tipo de compromisso.

Nos opomos ao uso da energia nuclear pelo Irã, sem falar na aquisição de armas nucleares.Não obstante, é pura hipocrisia para os EUA denunciar o regime iraniano enquanto o Irã está cercado por todos os lados de potências nucleares – alguns, como Israel, armados até os dentes pelo imperialismo estadunidense.

Enfraquecimento

A mudança de abordagem dos EUA sobre o Irã significa o enfraquecimento de sua posição, um retrocesso para a filosofia da administração Bush de unilateralismo e ‘ataques preventivos’ contra os inimigos perceptíveis dos EUA.

Sua proeza militar não está subscrita, como foi o caso no passado, por sua posição econômica dominante. Ele está sendo enormemente enfraquecido pela escavação de sua economia pela desindustrialização e sua dependência do capitalismo asiático, especialmente a China, para tapar o déficit de 7% na sua balança de comércio ao comprar seus bens em dólares. Por quanto tempo isso vai continuar é outra questão, como temos explicado em números anteriores do The Socialist [Jornal do Partido Socialista].

Uma coisa está clara: o mandato do imperialismo estadunidense não será inquestionável, seja no mundo neo-colonial ou outro lugar. De fato o projeto mundial da dominação imperialista dos Eua está sendo severamente posto em cheque. As greves de massas sobre a questão da imigração nos EUA, junto com o crescente descontentamento dos trabalhadores americanos, também são uma indicação da colossal oposição social que está sendo produzido domesticamente nos EUA. Internacionalmente, a França e agora o Chile mostram a massiva oposição mundial ao capitalismo e imperialismo.

Isso é abastecido pela enorme divisão de riquezas, que está sendo agora desafiada pelos trabalhadores e a oposição de massas demonstrada pela guerra do Iraque e as belicosas ações internacionais do imperialismo dos EUA. Isso ainda não encontrou uma expressão política organizada na formação de um distinto partido operário de massas dos trabalhadores dos EUA, mas as ações do regime Bush estão preparando o terreno precisamente para tal desenvolvimento.

O brutal Império Romano provocou a revolta dos escravos – este ‘império’ moderno fará algo parecido. Contudo, os escravos de Roma não podiam oferecer uma forma melhor de produção e desenvolvimento da sociedade. Os modernos escravos assalariados do capitalismo, tanto no mundo ‘avançado’ quanto no neo-colonial, representam o progresso humano, o futuro do socialismo e uma economia planificada mundial em resposta ao militarismo e barbarismo do imperialismo estadunidense e o sistema mundial que ele defende hoje.

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