Balanço eleitoral e tarefas para o PSOL

Os 6,6 milhões de votos para Heloísa Helena no primeiro turno das eleições à presidência mostrou o potencial que existe para uma alternativa socialista no Brasil. Mesmo assim, foi uma eleição difícil para a esquerda, com a grande maioria dos candidatos com perfil mais à esquerda tendo resultados piores que na última eleição. Mas, seria errado tirar a conclusão que isso reflete um giro à direita em geral na sociedade, e que não há espaço significativo para o PSOL nesse período.

A esquerda ainda está sofrendo pela derrota que significou a perda do PT como instrumento político para a classe trabalhadora. A fundação do PSOL foi um passo importante para começar a sair dessa situação. Essas eleições, nas quais a candidata do PSOL e da Frente de Esquerda (PSOL, PSTU e PCB) do nada chegou em terceiro lugar, marcou um novo passo importante na recomposição da esquerda. Ao contrário do que aconteceu nas eleições municipais de 2004, havia uma alternativa substancial à esquerda na disputa.

Lula forçado a fazer discurso pela esquerda

O peso adquirido pelo debate sobre as privatizações no segundo turno foi mais um sinal de que não houve um giro à direita na consciência em geral. Lula utilizou mais frases de esquerda para garantir o apoio dos que votaram em Heloísa Helena no primeiro turno e Alckmin foi forçado a fazer tudo para dar a impressão que não ia privatizar nada.

O PSOL conseguiu eleger seus primeiros parlamentares por conta própria nessas eleições, com a reeleição dos deputados federais Luciana Genro no Rio Grande do Sul com 185.071 votos (comparado com 99.629 em 2002), Chico Alencar no Rio de Janeiro com 119.069 votos (169.131 votos em 2002) e Ivan Valente em São Paulo com 83.719 votos (110.034 votos em 2002). Além disso foram eleitos três deputados estaduais: Carlos Giannazi e Raul Marcelo em São Paulo com 50.269 e 35.670 votos respectivamente e Marcelo Freixo no Rio de Janeiro com 13.547 votos. Com a eleição da senadora Ana Júlia Carepa (PT) como governadora do Pará, seu primeiro suplente, José Nery Azevedo do PSOL, assume o mandato de senador.

O PSOL conseguiu boa votação para os candidatos a governador Toninho no Distrito Federal e Edmilson no Pará, que ultrapassaram 4% dos votos válidos. Em São Paulo, Plínio de Arruda Sampaio recebeu 2,5%, que representa mais de meio milhão de votos. No total o PSOL obteve 1,149 milhão de votos para deputado federal, o que equivale a 1,4% do total. Dos candidatos dos demais partidos da Frente de Esquerda, o PCB conseguiu eleger Jorge Souza como deputado estadual no Amapá.

Não utilizamos todo o potencial

Porém, o espaço aberto pela candidatura de Heloísa Helena foi muito pouco utilizado. Na verdade a campanha teve um perfil político extremamente rebaixado, adaptado para conseguir o máximo de votos e não a construção da Frente de Esquerda ou a construção de uma alternativa socialista. As pressões da campanha eleitoral acabaram provocando um retrocesso político e aprofundando o retrocesso organizativo. Temos que fazer um balanço crítico dos erros cometidos durante a campanha eleitoral para evitar que o partido não deslize no sentido a uma nova versão do PT.

Durante a campanha eleitoral o partido praticamente acabou reduzido a uma mera legenda eleitoral. As instâncias do partido não funcionaram e os núcleos reuniram-se muito pouco ou quase nada durante a campanha. A linha política da maior campanha conduzida pelo PSOL até agora ficou nas mãos das maiores candidaturas.

Isso confirmou o que alertamos quando o 1° congresso do partido foi cancelado e substituído por uma conferência eleitoral: o partido corria o risco de limitar-se a uma mera frente de tendências, o que durante as eleições se reduziria a uma legenda eleitoral. A campanha eleitoral não foi uma campanha do partido, em geral isso significou que muitos militantes não fizeram parte efetiva da campanha, não se reconhecendo no perfil rebaixado muitas vezes apresentado. A campanha não utilizou o potencial que existia para a construção orgânica do partido.

Precisamos fazer um balanço duro e crítico da campanha majoritária á presidência e tirar as lições políticas dos erros cometidos. Mas cabe aqui mencionar que mesmo havendo um consenso em grande parte das maiores correntes do partido que a linha da campanha da Heloísa Helena foi errada, essas mesmas correntes também são responsáveis por ajudar preparar o caminho para esses erros, por exemplo apoiando o cancelamento do congresso.

A campanha da Heloísa Helena, foi conduzida por uma pequena equipe. A executiva provisória nacional se reuniu precariamente uma vez e o Diretório Nacional não se reuniu nenhuma vez durante a campanha eleitoral. Quais foram os erros da campanha?

• Rebaixamento do programa. A conferência nacional aprovou eixos programáticos para um manifesto eleitoral, que foi incluído quase integralmente no manifesto da Frente de Esquerda. Mas esses eixos, como suspensão do pagamento da dívida externa e não pagamento da dívida interna para os grandes especuladores e empresas, reestatização da Companhia Vale do Rio Doce, retirada das tropas do Haiti etc., não foram usados na campanha.

Sobre a política econômica não se enfatizou outra coisa que não a redução dos juros, que é extremamente limitado. Não se apontou para uma ruptura com o sistema financeiro e sim para diminuir os lucros dos bancos. Essa palavra de ordem, quando vista por cima, não ajudava a diferenciar-nos nem mesmo do próprio Alckmin, José Alencar, Garotinho, etc.

É claro que o rebaixamento dos juros representaria um verdadeiro confisco de grande parte dos lucros dos bancos e isso levaria a um conflito com o sistema financeiro. Mas, um confronto com os bancos só é possível se amparado por uma mobilização de massas. Uma palavra de ordem que tenta amenizar a situação e dar impressão de que a tarefa é simplesmente técnica e possível sem confronto, não ajuda nessa mobilização.

O programa econômico seguia as linhas do nacional-desenvolvimentismo defendido por César Benjamin, que não aponta para uma ruptura com o capitalismo. As posições de César Benjamin ficam claras quando vemos que chegou ao ponto de formular um programa de governo para ser utilizado por Requião do PMDB no Paraná.

Quando o nome do César Benjamin foi proposto para vice, nós alertamos que só faria sentido se servisse – e acabou ficando claro que não serviu – para ampliar a campanha na direção da base de movimentos como o MST e a Consulta Popular. Mas, o principal argumento utilizado pela maioria da direção do PSOL foi que César poderia ampliar “programaticamente” nossa candidatura. Isso, na prática, significava o rebaixamento do programa.

Linha das correntes majoritárias

Mesmo com a proposta de programa escrito por César Benjamin não sendo aprovada por divergências internas no PSOL, as linhas gerais dessa proposta foram aplicadas na campanha de Heloísa Helena.

É importante ressaltar que a linha programática adotada não é responsabilidade pessoal de César Benjamin. Essa linha foi referendada pela maior parte da correntes majoritárias do PSOL durante toda a campanha eleitoral.

O rebaixamento do programa chegou ao ponto em qual a Heloísa Helena a dizer que seria ”loucura” tentar implementar o socialismo no Brasil, que se tratava de implementar a ”democracia” e que o socialismo seria algo para o futuro. Essa argumentação é perigosa, já que dá a impressão que existe um capitalismo mais democrático que pode ser conquistado hoje, sem ruptura com o sistema.

• Perfil personalista e moralista. As propagandas de TV e as entrevistas focaram extremamente na personalidade de Heloísa Helena. Não que seja errado utilizar o enorme alcance que ela tem, e suas evidentes qualidades como pessoa e militante. Mas, isso tem que ser usado para elevar o nível do debate político. Dava-se a impressão que os problemas na sociedade tinham a ver com a postura pessoal dos políticos, e não com um sistema econômico injusto e inviável, o capitalismo. Dava-se a impressão de que os problemas tinham a ver sempre com corrupção ou má gestão. Mas, não há capitalismo sem corrupção e exploração dos trabalhadores.

Pouca ênfase foi dada na necessidade da luta coletiva para transformar o país e exagerou-se na idéia de que uma presidente com vontade política poderia mudar as coisas. Por exemplo, quando durante um debate com Alckmin, foi discutida a questão da reforma agrária, a intervenção da Heloísa Helena foi na linha de que ”não haverá invasão de terra na minha gestão, por que eu vou fazer a reforma agrária”. Como se não fosse necessário um movimento de massas para romper com séculos de latifúndio, bastando uma atitude valente de um governante.

Nada sobre a Frente de Esquerda

Essa linha se refletia também no fato que o PSOL e a Frente de Esquerda quase nunca eram mencionados na campanha presidencial.

Fazemos questão de ressaltar aqui que essa linha dotada na campanha não foi resultado da vontade da candidata apenas, mas foi construída na direção nacional do partido pela correntes majoritárias.

• ”Estamos indo para o segundo turno”. Essa linha rebaixada na campanha da Heloísa Helena aprofundou-se quando a campanha passou a centrar-se na possibilidade de irmos ao segundo turno.

No começo de agosto, a candidatura de Heloísa Helena chegou aos 12% das intenção de votos nas pesquisas com a maior visibilidade na mídia. Quando começa o horário eleitoral reforçasse a linha de que ”vamos para o segundo turno”. Infelizmente, esse caminho passava pelo rebaixamento político-programático. Para dar um salto e ir para o segundo turno, raciocinaram, seria necessário chegar em pessoas que não eram de esquerda e apenas simpatizavam com Heloísa. Ao invés de explicar a alternativa socialista para um setor mais amplo, foi rebaixado o programa e enfatizado o lado pessoal.

Mas, isso não ajudou a que se conquistasse mais votos. Foi o pior dos mundos. O rebaixamento do programa não entusiasmou novas camadas e não adiantou para resistir a pressão da polarização entre os dois principais candidatos. A candidatura Heloísa Helena acabou com quase 7% dos votos, mas foi perdida uma grande chance de dialogar com milhões de pessoas sobre a alternativa socialista, de uma maneira mais profunda.

No segundo turno

O debate sobre o segundo turno continuou mostrando os problemas internos do PSOL. A Executiva Nacional Provisória tirou rapidamente uma posição na linha “nem Lula, nem Alckmin”. Pecou por duas razões: politicamente, ao não dizer o que fazer no segundo turno, já que não defendeu o voto nulo; organizativamente, ao tentar centralizar os militantes sem promover qualquer debate político nas bases do partido, um centralismo, aliás, que não existia antes para muitos dos candidatos e figuras públicas que não aplicaram a política votada na Conferência eleitoral de junho.

A maioria parte dos militantes do PSOL concordava com a idéia de que não se deveria chamar voto em qualquer dos candidatos no segundo turno. Havia também a preocupação de impedir que figuras públicas do PSOL saíssem a público defendendo Lula e dessa forma passando a impressão que o PSOL assumia essa posição. Mesmo assim, houve grande rejeição a esse centralismo repentino da Executiva Nacional, principalmente pelo histórico de pouca ou nenhuma consulta e envolvimento das bases do partido nas decisões, esvaziamento das instâncias, cancelamento do Congresso, etc.

Nós, do Socialismo Revolucionário, achamos que a linha da Executiva Nacional Provisória não era suficientemente clara. Ela deveria ter chamado o voto nulo, mostrando que nenhum dos candidatos representava um mal menor e que, mesmo um voto ”crítico” no Lula, ia ajudá-lo recuperar uma credencial de esquerda, que serviria para implementar novos ataques. A linha da Executiva proibia apoio aberto a qualquer dos candidatos, mas liberava para votar em qualquer um dos dois.

Faltava também uma clara orientação para a resistência contra os ataques do futuro governo, fosse ele qual fosse. O centro da resolução deveria ter sido a preparação do que chamamos o ”terceiro turno das lutas”.

O fato é que o PSOL perdeu a oportunidade de ser um fator relevante mesmo no segundo turno. Em parte isso se deu pelo limites políticos da campanha no primeiro turno, mas também pela falta de uma posição clara no segundo.

Esses problemas na campanha eleitoral não significam que não continua a existir espaço para o PSOL. Há ainda uma necessidade de uma alternativa de esquerda e socialista. Na verdade é agora que essa alternativa poder fazer a maior diferença. O campo eleitoral não é o melhor campo de luta para socialistas. O sistema eleitoral é adaptado para preservar o sistema econômico, premiando os que controlam a mídia e tem grandes recursos econômicos, padronizando o debate para dificultar seu aprofundamento. Isso faz com que muitas vezes é mais fácil canalizar o descontentamento para figuras como Clodovil ou Enéas.

No debate antes e depois das eleições havia aqueles que achavam que a Frente de Esquerda só atrapalhava. Isso por que enxergavam a questão apenas do ponto de vista do que dava mais votos. Mas a lógica da Frente de Esquerda não era principalmente eleitoral. Era para mostrar a necessidade de construir uma frente de luta e resistência contra a política neoliberal.

É justamente agora, após as eleições, que a Frente de Esquerda vai poder jogar um papel real. Decisivo para o PSOL vai ser se o partido consegue jogar um papel protagonista na resistência contra os novos ataques do governo Lula e os ataques de governos estaduais e municipais. Mas a resistência tem que ir além do PSOL.

O partido precisa agora discutir como ir para a luta, quais iniciativas tomar, como incidir no sentido de unificar na luta os setores combativos do movimento sindical e da juventude.

Mas há também importantes tarefas internas. As instâncias do partido precisam ser reconstruídas. Deve-se abrir o processo de debates visando o Congresso do partido em junho onde o debate sobre concepção de partido e programa tem que ser aprofundado. O Diretório Nacional tem que estabelecer um calendário de debates que garante que o congresso não seja adiado mais uma vez.

Pressão de adaptação

O que essas eleições deixaram evidente é que a pressão de adaptação ao sistema é enorme. Somente uma alternativa socialista clara, que aponta para uma ruptura com o sistema, pode impedir que caiamos nessa linha já conhecida na trajetória do PT. Isso tem também que ser pensado em relação aos novos parlamentares do partido. Regras claras têm que ser estabelecidas para regular a atuação dos parlamentares. A linha política colocada pelos parlamentares tem que ser discutida no partido e o partido tem que ter controle sobre os recursos financeiros dos mandatos.

Se as lições dos erros cometidos são tiradas é possível reverter o processo de retrocesso que infelizmente marcou o partido esse ano.

O PSOL é ainda o principal pólo aglutinador da recomposição da esquerda socialista e pode jogar um papel decisivo para ajudar superar a perda do PT. Mas para isso é necessário ter perspectiva, estratégia e programa que possam armar a classe trabalhadora na luta para derrubar o sistema capitalista, contribuindo na luta internacional pelo socialismo.