Entrevista com Cristina Beltran do CIO/CWI-Bolívia: Construindo uma alternativa revolucionária para

Cristina Beltran, e outros dois companheiros do jovem grupo Alternativa Socialista Revolucio­nária, viajaram sete dias, enfrentando problemas na fronteira, para chegar a São Paulo e participar da Escola Latino-Ameri­cana do CIO.

O Socialismo Revolucionário entrevistou a jovem estudante de Cochabamba, que comentou sobre a situação da luta de classes na Bolívia e as tarefas para ASR no ano de 2008. 

A Bolívia, sem dúvida, é hoje palco de uma das mais importantes lutas da classe trabalhadora internacionalmente. Com uma história impressionante de coragem e combatividade, os traba­lhadores bolivianos têm conseguido algumas conquistas, como a reversão da privatização da água em Cochabamba no ano 2000. 

Por suas demandas, os traba­lhadores derrubaram vários presidentes burgueses e elegeram Evo Morales, líder do movimento indígena e membro do MAS (Movimento ao Socialis­mo). No entanto, como veremos a seguir, o governo do MAS é vacilante e há grandes desafios para o movimento dos trabalhadores para o ano 2008.  

SR: Recentemente vimos a aprovação pela Assembléia Nacional de uma reforma constitucional em meio a grandes enfrentamentos e conflitos. Qual o caráter dessa reforma?

– O caráter é ambíguo. Há artigos a favor dos trabalhadores e do povo indígena. Como a promessa de garantir o abastecimento de serviços básicos, como moradia, acesso à saúde e água. Há também artigos que foram concessões à direita, por exemplo, a abertura a multinacionais, garantindo o direito de participação nas empresas bolivianas. Os latifúndios estão garantidos, sendo que apenas os latifúndios ociosos ou ilegais serviriam para a reforma agrária, ainda garantindo indenização aos latifundiários. A propriedade privada e os direitos dos capitalistas estão garantidos. 

Uma vitória no referendo, é bom ressaltar, não garante conquistas. Tudo dependerá da interpretação que se fará da lei. 

SR: Como tem sido, em geral, a reação dos trabalhadores a essa reforma?

– Há apoio de várias correntes da esquerda, como no caso da COB. Eles a enxergam como um passo à frente, mas não é um apoio profundo, nem à reforma, nem ao MAS. Já o movimento indígena dá um apoio mais incondicional e não apresenta críticas, tal como faz a COB.

SR: Outro tema importante hoje é o da autonomia, não?

– Esse tema não está na proposta da constituinte. Será outro referendo ainda esse ano. É provável que os defensores da autonomia saiam vitoriosos e sem dúvida usarão o referendo para pressionar o governo. Em 2005 um referendo sobre autonomia foi derrotado nacionalmente, mas ganhou na região da “meia-lua”.

O problema é que o MAS tem errado ao tratar do tema. A autonomia originária é um tema importante para o movimento indígena. Na região do Chaco, por exemplo, há uma antiga reivindicação por autonomia originária. Nessa região mora uma população, na maioria indígena, muito pobre, apesar de haver ricos recursos em gás. Essa autonomia daria ao movimento indígena um maior controle sobre esses recursos, porém o MAS e o governo não fomentam essa reivindicação, deixando que os capitalistas de Santa Cruz utilizem isso em proveito próprio, retirando ainda mais as riquezas dos trabalhadores.

Além desse tema, a direita vem propondo a mudança da capital para Sucre, onde ficaria menos pressionada pelos trabalhadores pobres de La Paz e El Alto. 

O drama é que os trabalhadores e o movimento indígena vêm lutando contra as propostas e organizações da direita, porém não recebem apoio do governo e do MAS. O MAS prega uma ideologia de mudanças sem sangue, pacificamente. No entanto, quando o conflito está instalado, essa posição só serve para ajudar um massacre contra os trabalhadores.

SR: Quais as perspectivas para uma alternativa revolucionária na Bolívia?

– Há grupos, além do nosso (Alternativa Socialista Revolu­cionária), que colocam a necessidade do processo não ir passo a passo, mas a maioria apóia a atitude do MAS. Há muito medo de se perder o que foi conseguido até agora.

No entanto, há um bom espaço para uma posição como a que defendemos. Há frustrações, problemas com abastecimento no campo. Nesse momento, podemos falar sobre a necessidade de uma revolução socialista, com controle democrático dos traba­lhadores como a única forma de ganhar a luta contra a direita belicosa e agressiva.

O apoio obtido pelo MAS era fechado, total. Agora já nascem críticas, visões de que é necessário um protagonismo dos trabalhadores e camponeses.

É nesse novo momento que surgem críticas ao MAS por este dialogar e fazer concessões à direita. A direita reage contra o MAS e muito mais contra o movimento. Este sente a necessidade de reagir, mas sem ter o apoio do MAS desperta a necessidade de organização independente dos trabalhadores.

Um exemplo dos dilemas que os trabalhadores estão enfrentando pode ser visto quando o sindicato dos trabalhadores da refinaria da Petrobrás iniciou uma luta contra as 300 demissões da refinaria. O governo comprou a refinaria por 212 milhões de dólares e fez um acordo com a Petrobrás de não mudar a estrutura da empresa por 3 anos. Isso significou que as 300 demissões não seriam revertidas, algo que gerou muita desilusão no MAS.

Portanto, não há muitas alternativas. Ou os trabalhadores retomarão o MAS pela base, ou partirão para uma nova alternativa organizativa.

SR: Quais os desafios para a ASR em 2008?

– Somos um grupo muito jovem, no entanto o discurso coerente de nossos militantes começa a atrair um setor cada vez maior. Estamos intervindo em todas as manifestações e surgindo como uma alternativa. 

A intervenção nos referendos desse ano será central. Apoia­remos as propostas do MAS, porém não de forma acrítica, e sim a partir do programa de transição, demonstrando que só o aprofundamento das conquistas e o protagonismo dos trabalhadores e camponeses podem garantir mais direitos.

Nesse sentido, podemos mostrar que nossa abordagem não é mecânica, como vemos em outros grupos revolucionários na Bolívia que igualam o MAS ao conjunto dos partidos burgueses, sem conseguir abrir um diálogo com setores fundamentais dos trabalhadores. Assim, esperamos dialogar também com esses militantes que tomam, a partir de um espírito revolucionário, uma postura sectária.

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