Etanol: nefasto impacto social e ambiental

O Brasil retoma com força o plantio de cana-de-açúcar para a produção de etanol como uma segunda versão do Pró-Álcool, agora não mais para abastecer o mercado interno, mas sim para exportação. A produção de álcool e biodiesel vêm acompanhadas de um discurso de que todos estão preocupados em produzir energia limpa, a fim de evitar ou diminuir o aquecimento global.

No Nordeste, área tradicional do primeiro ciclo da cana-de-açúcar, a produção enriqueceu os usineiros, enquanto milhares de trabalhadores perderam a vida ou ficaram doentes. Além disso, a monocultura degradou completamente o solo, matou as nascentes dos rios, e, conseqüentemente, agravou ainda mais o problema da seca do Nordeste.

Nos anos 90, várias usinas faliram e milhares de trabalhadores ficaram desempregados sem receber os direitos trabalhistas. Não é por acaso que Pernambuco é um dos estados com maior número de sem-terra acampados, a maioria ex-cortadores de cana. No auge da produção de açúcar e álcool em Pernambuco, havia cerca de 170 mil trabalhadores, mas com a crise este número caiu para 90 mil.

Falta infra-estrutura

As usinas que agora estão sendo construídas para a produção de álcool e açúcar provocam um enorme impacto social e ambiental na região, causando problemas de infra-estrutura urbana e rural, em razão da migração de centenas de trabalhadores para o corte de cana. As redes de saúde, moradia, abastecimento de água, energia não dão conta de atender às novas demandas. No Nordeste, a maioria dos trabalhadores moravam nos engenhos, em povoados formados próximos aos locais do corte da cana, enquanto nas novas regiões, os trabalhadores vão morar em “masmorras” (alojamentos improvisados, insalubres), construídos no interior das fazendas, ou alugam casas e pensões nas cidades próximas.

Desta forma, as cidades não podem adaptar-se de forma rápida a esta nova demanda, até porque o sistema funciona por safras. Se por um lado, há um giro de capital aumentando as vendas do comércio, por outro lado, há uma queda na qualidade de vida do conjunto da população, aumentando a incidência de problemas como prostituição, alcoolismo e drogas.

O “gato”

No corte da cana, a figura do “gato” (atravessador, intermediador de mão de obra) continua presente para arregimentar os trabalhadores de outras regiões com promessas falsas. Os trabalhadores são obrigados a trabalhar com dívidas desde o início, a começar pela viagem, alimentação e EPI’s (equipamentos de proteção individual). O “gato” ganha por produção per capita, e obrigada os trabalhadores a jornadas exaustivas, de dez, doze horas, muitas vezes são roubados no peso da cana. 

Para não perder a produção, os trabalhadores são obrigados a trabalhar doentes e sem a devida assistência médica. Os médicos são orientados a devolver os traba­lhadores doentes, é a escravidão moderna. As equipes de fiscalização móveis do Ministério do Trabalho são poucas e sofrem pressão e ameaças dos gatos, dos capatazes dos usineiros e dos governos, deputados, prefeitos, para não promoverem a fiscalização. Além disso, os gatos são donos também dos ônibus que transportam os trabalhadores para o corte da cana – há um controle total.

Os canavieiros formam uma categoria muito difícil de organizar porque há uma grande rotatividade, eles não criam identidade cultural, nem relações políticas, porque a cada safra trabalham em usinas diferentes. Os que são da região ficam retraídos porque temem não serem contratados na próxima safra. 

A flexibilização dos direitos trabalhistas já chegou ao campo através dos contratos provisórios. As usinas dispensam trabalhadores sem pagar os direitos trabalhistas e os trabalhadores são obrigados a procurar advogados locais antes de partirem para suas cidades de origens. Muitos não têm como voltar e ficam na cidade aguardando a conclusão do processo e acabam negociando valores rebaixados nas comissões de conciliação nas DRT’s (delegacias regionais do trabalho). Muitos trabalhadores após serem libertados do trabalho escravos pelas equipes móvel das delegacias do trabalho ficam na rua sem ter para onde ir.

Mecanização

A tendência é de diminuição o número de trabalhadores nesta atividade devido à aplicação do corte mecanizado com o objetivo de aumentar a produtividade e diminuir a queima da cana. As novas usinas que estão sendo montadas devem cumprir a exigência de garantir 70% do corte mecanizado, mesmo com uma perda em torno de 30% no aproveitamento comparado com o corte manual. 

A produção média de um trabalhador no corte de cana na região de Ribeirão Preto interior de São Paulo é de 12 toneladas/dia, comparado com 6 toneladas/dia em 1980. A super-exploração dos trabalhadores, com metas altíssimas de produção, tem levado cada vez mais a acidentes, doenças causadas pelo esgotamento físico e mortes.  

Segundo dados do documentário estadunidense, “Os carros brasileiros rodam com o sangue dos trabalhadores cortadores de cana”, 312 trabalhadores morreram e 82.995 sofreram acidentes entre os anos de 2002 e 2005. O documentário parece encomendado com objetivo de descredenciar o etanol brasileiro e proteger a produção de etanol a partir do mi­lho dos EUA, portanto desmonta o discurso de combustível limpo que preserva o meio ambiente.

Verifica-se ainda a degradação ambiental por outros meios: o trânsito de caminhões pesados carregados de cana danifica as estradas, a pulverização de agrotóxico através de avião tem trazido bastantes problemas de saúde, principalmente com intoxicação das crianças e contaminação dos córregos. A queima da cana mata animais silvestres e polui a atmosfera, lança fuligem da palha da cana no ar da região.

Na região de Mato Grosso do Sul, a indústria suco alcooleira avança sobre as aldeias indígenas pressionando os índios a trabalharem como bóias-frias nos cortes de cana e a arrendarem suas terras. Um membro da tribo, chamado de cabeçante, é utilizado para fazer a intermediação na contratação dos índios. Me­nores de idade são contratados com documentos falsificados para burlar a fiscalização do Ministério do Trabalho. Com isto, a avaliação das lideranças indígenas é a de que, em médio prazo, as aldeias serão desagregadas modificando os hábitos culturais de lidar com a terra.

Ameaça à reforma agrária

A reforma agrária fica amea­çada com a chegada das usinas. A monocultura da cana transforma fazendas improdutivas em produtivas da noite para o dia. Os fazendeiros arrendam as terras que antes era alvos dos sem-ter­ra e transformam os trabalhadores rurais em bóias-frias. Há uma pressão para os assentados arrendarem as suas parcelas e trabalharem no corte da cana. Com isto diminui a produção de leite, grãos e outros alimentos para sua auto-sustentação e para comercialização, impactando diretamente a agricultura familiar e aumentando os custos para os consumidores urbanos. Muitos assentamentos ficam ilhados pelos canaviais. Já há assentamentos com mais de 50% das parcelas arrendadas como é o caso do Santo Inácio Ranchi­nho, em Campo Florido, no Triangulo Mineiro.

Os pecuaristas tradicionais arrendaram suas terras no Sudes­te, Centro-Oeste, e transferem-se para a região Norte, onde ar­rendam ou compram novas ter­ras, principalmente na região Amazônica. Isto agrava ainda mais o desmatamento. Merece atenção a quantidade de usina que está prevista para ser construída no Estado de Goiás nos próximos 10 anos: 82 novas usinas, que se somarão às 16 usinas já em funcionamento.

Biodiesel

O biodiesel é um combustível derivado de diversos vegetais oleaginosos. O biodiesel, sem dúvida, pode tornar-se o combustível do futuro, já que é renovável e as sobras também podem ser aproveitadas. O problema é se esta tecnologia vai ser usada para gerar renda, preservar o meio ambiente e desenvolver a agricultura familiar ou se, ao contrário, vai ser usada para aumentar a exploração da mão de obra dos camponeses e enriquecer ainda mais o agronegócio.

O governo federal introduziu o biodiesel na matriz energética regulada pala ANP (Agência Nacional do Petróleo). As distribuidoras gora tem que misturar 2% de biodiesel no óleo diesel, aumentando para 5% até 2013. No Brasil, a demanda por diesel de petróleo é de 40 bilhões de litros por ano. A proposta do PNPB (Programa Nacional de Produção de Biodiesel) é substituir gradativamente o diesel de petróleo, portanto, há uma demanda garantida.

“Selo social” – uma farsa

Junto com o decreto do biodiesel, foi criado o “selo social”, prevendo que as empresas que adquirirem as matérias primas dos assentamentos, terão incentivos fiscais de 30% até 100%, principalmente na região Nor­deste. Até agora, as experiências de produção das matérias-prima nos assentamentos não têm sido boas. As empresas que estão credenciadas pela ANP para produção do biodiesel pagam preços que não são compensadores para os pequenos agricultores e têm transformado os assentados em dependentes das empresas, já que feito o contrato não podem vender para outro.

As empresas fornecem a assistência técnica só no começo do contrato, e os corredores das porteiras não estão projetados para as colheitadeiras, grandes caminhões. Assim, o trabalhador tem que colher manualmente, perde parte da produção, e o tal “selo social” se mostra uma farsa. 

Quem ganha é a agroindústria

Quem está alimentando as usinas de biodiesel na verdade são as agroindústrias da soja. Das 23 usinas em funcionamento, 20 (87%) estão funcionando à base de soja. Comparada com outras oleaginosas, a soja é a menos produtiva. O teor de óleo extraído dela é de 18%, enquanto o amendoim chega a 50%, a mamona a 47%, a palma 45%, o girassol a 45%, o pinhão manso a 37%, o nabo for­rageiro a 36%.

Apesar disso, a utilização da soja na produção de biodiesel começou a ser vista pelos empresários e o próprio governo como estratégica, aumentando o preço do óleo de soja. A idéia dos produtores de soja é que quando os preços da soja no mercado internacional caírem, eles produzem biodiesel, quando os preços votarem a subir, eles vendem soja.

Portanto é importante que as organizações dos trabalhadores que lutam por transformação social, elaborem um política para o campo. A aliança campo e cidade não pode ser só uma retórica. Sabemos da contradição que existe na questão agrária, porque os camponeses detém os meios de produção, uma pequena propriedade privada, e que a reforma agrária historicamente era parte da transformação burguesa. Mas está evidente que, no continente inteiro, a burguesia não joga mais nenhum papel progressivo, ao contrário faz de tudo para manter as relações injustas no campo. Por isso os pequenos camponeses têm seus verdadeiros aliados nos trabalhadores do campo e da cidade.

O Estado deveria assumir a responsabilidade de monitorar o plantio, o beneficiamento, a comercialização e a contratação de mão de obra, respeitando os direitos dos trabalhadores e garantindo uma melhor remuneração, além de fornecer tecnologia. 

A lógica neoliberal

A Petrobrás desenvolve e detém tecnologia própria, mas a lógica do governo federal é continuar adaptando a Petrobrás ao modelo neoliberal e reforçar o poder do agronegócio nacional e internacional. A Petrobrás também joga um papel de exploração nos países vizinhos, vemos isso no exemplo da Bolívia. Temos que defender uma integração e plano de energia para todo o continente, baseado na solidariedade e colaboração, e não no mercado e exploração. 

No Brasil, 81% vivem nas cidades e só 19% no campo. Mas a produção agrícola é responsável por 30% do PIB e o papel do Brasil na produção de combustível extraído das matérias primas produzidas no campo pode aumentar. Mas isso só será feito de uma maneira sustentável para o meio ambiente e para os trabalhadores do campo, se conseguirmos romper com o poder dos latifundiários e do agronegócio. Por isso é só em aliança com o movimento dos trabalhadores na cidade que vamos ter uma verdadeira luta pela reforma agrária, como parte de uma luta por uma alternativa socialista ao caos, exploração e opressão do capitalismo. 

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