EUA: precisamos de um partido dos 99%!

Apesar de Hillary Clinton ter se sagrado vitoriosa contra Bernie Sanders nas primárias de Nova York, essa batalha termina com ela mais desgastada e seu partido mais dividido.

A “Batalha de Nova York”, como essa rodada das primárias presidenciais norte-americanas vem sendo chamada, deixou claro para todo o país aquilo que milhões de eleitores já suspeitavam: as primárias do Partido Democrata são manipuladas para favorecer o establishment.

Democratas antidemocráticos

As primárias dos Democratas envolvem grandes campanhas com dinheiro de empresas, regras antidemocráticas e influência pesada da mídia. Tudo isso joga contra os pré-candidatos que ganham o apoio da base do partido e desafiam a política tradicional, como Bernie Sanders.

Antes mesmo das primárias no estado de Nova York, no dia 21 de abril, essas regras antidemocráticas já davam as caras: mais de 27% dos eleitores (três milhões) estavam impedidos de votar. No bairro do Brooklyn, em Nova York, 10% daqueles que foram votar descobriram que seus nomes tinham sido excluídos.

No interior do estado, nas regiões mais favoráveis a Bernie Sanders, as sessões eleitorais ficaram abertas por menos tempo. O prefeito de Nova York, Bill de Blasio, declarou que “o fato de que muitos eleitores foram impedidos de votar compromete seriamente a legitimidade de todo o processo eleitoral”.

Ainda que Hillary Clinton tenha vencido essas primárias com mais de 15 pontos de vantagem, a impressão que se tem é que, sem essas irregularidades, a vantagem dela teria sido bem menor – ou, ainda, que Sanders poderia até mesmo ter vencido.

O poder da mídia ficou claro durante essas primárias. Até mesmo jornais ditos “progressistas”, como o New York Daily News, declararam guerra à campanha de Bernie Sanders, repetindo ataques e mentiras contra o pré-candidato.

Talvez o mais importante resultado das primárias em Nova York não sejam os votos, mas o impacto político da campanha de Sanders entre dezenas de milhares de ativistas engajados ou acompanhando de perto a disputa.

Não é só em Nova York

A grande mídia se posiciona abertamente contra a campanha Sanders e isso se repete por todo o país. Primeiro, em 2015, os jornais praticamente não citavam Sanders e mostravam Hillary Clinton como a candidata inevitável. Entretanto, à medida em que o nome de Bernie Sanders crescia e sua campanha contagiava importantes setores da base do partido, a mídia iniciou seus ataques. O auge foi a campanha de difamação promovida pelo jornal Washington Post no dia 1° de março, quando publicou um artigo anti-Sanders a cada hora, durante 16 horas.

As irregularidades no processo de votação também estão surgindo em outros estados. No Arizona, por exemplo, eleitores foram transferidos de uma sessão eleitoral para outra sem seu consentimento, além de terem de enfrentar filas de mais de cinco horas para votar.

Foi só em abril que a campanha Sanders ganhou o apoio de seu primeiro senador. Em comparação, a campanha de Hillary Clinton já conta com o apoio de 40 senadores e 166 deputados. O motivo é simples: Bernie Sanders defende uma “revolução política” dos trabalhadores, da juventude, dos mais pobres. Para os políticos tradicionais, que recebem fartas doações de campanha dos bilionários, isso é inaceitável. O Partido Democrata é, assim, um ambiente hostil para candidatos que defendem os interesses dos 99%.

Um simples fato deixa claro o quanto o sistema está desajustado: segundo diversas pesquisas realizadas por todo o país, Bernie Sanders é o único candidato dos Democratas que poderia vencer todos os pré-candidatos do Partido Republicano. Ainda assim, se ele continuar jogando pelas regras do sistema eleitoral, ele será eliminado.

O público confia cada vez menos nos Democratas e Republicanos, confia cada vez menos na grande mídia e nas instituições capitalistas. Após quase oito anos de crise econômica, grande parte dos trabalhadores ainda sofre com desemprego e baixos salários, apesar da recuperação do mercado financeiro.

É neste contexto que a campanha de Bernie Sanders cresceu, a mais forte campanha eleitoral abertamente de esquerda na história dos EUA desde Eugene Debs na década de 1910. Debs, entretanto, se candidatou pelo Partido Socialista, entendendo o caráter empresarial dos Democratas e não cometeu o erro fundamental de se candidatar por esse partido.

Rápido crescimento do apoio a Sanders

Em poucos meses, Sanders, que se considera um “socialista democrático”, deixou de ser um desconhecido e passou a ser o grande nome de uma campanha que recusa doações de grandes empresas e faz o chamado por uma “revolução política contra os bilionários”.

Ele começou a campanha com 3% das intenções de voto e sem apoio de personalidades. Ele conseguiu mais votos, mais ativistas para sua campanha, ganhou primárias em mais estados, que qualquer outro candidato que desafiou a direção dos Democratas pela esquerda. Eles tem arrecadado mais dinheiro nos últimos três meses que a Hillary Clinton, com milhões de pequenas contribuições. Em março, ele arrecadou US$ 44 milhões (R$ 160 milhões). No ano passado, todos os “especialistas” repetiam o mito que era impossível fazer uma campanha eleitoral recusando dinheiro de grandes empresas, muito menos um que se diz socialista! Esse mito está morto agora.

Ninguém pode mais negar o potencial que existe para construir um partido totalmente independente de dinheiro empresarial e que defenda posições abertamente de esquerda em prol dos trabalhadores.

Momento favorável para novo partido

Este é, possivelmente, o momento mais favorável na história dos EUA para a construção de um novo partido de massas, socialista e em defesa dos trabalhadores. A única dúvida é sobre a liderança – será que Sanders irá aceitar este desafio?

Quanto mais a “revolução política contra a classe de bilionários” tem se fortalecido, mais ela tem ameaçado de romper as amarras impostas pelo Partido Democrata, que é totalmente dominado pelas grandes empresas.

É por isso que nossa organização, Alternativa Socialista (organização irmã da LSR nos EUA) e o “Movement4Bernie” estão lutando para que Sanders, caso seja impedido pelo processo fraudado do Partido Democrata, continue a campanha até as eleições em novembro como um independente ou junte-se ao candidato Jill Stein do Partido Verde. Além disso, ele deve convocar uma conferência para a construção de um novo partido dos 99%.

Se a preocupação do Sanders for que sua candidatura como independente ajudaria a eleger um republicano, não há nada que o impeça de se candidatar nos mais de 40 estados onde já está dado a vitória dos democratas ou republicanos e se ausentando dos 5-10 estados em disputa. Só isso já seria suficiente para fazer uma campanha histórica, se for vinculada à construção de um novo partido dos 99% e um movimento político com centenas de candidaturas em todos os níveis.

Se Bernie Sanders se manter leal e continuar apoiando o Partido Democrata, apesar das manobras contra ele, e apoiar Clinton nas eleições, isso será um balde de água fria para seus apoiadores. Ao contrário do que é sua intenção, isso levaria a uma desmoralização do movimento que apoia Sanders e abriria o caminho para o crescimento de populistas de direita como Donald Trump e Ted Cruz.

Pelo fim do bipartidarismo

É hora de romper as regras do jogo. Uma campanha independente forte de Bernie Sanders, vinculada à construção de um novo partido dos 99%, iria transformar o cenário político, mesmo sem ganhar as eleições. Os milhões de votos por um novo partido que ele iria conquistar seriam um golpe fatal para o sistema bipartidário.

O capitalismo segue condenando a humanidade a uma catástrofe social. A campanha de Bernie Sanders mostra que é possível dar o troco. O que falta, agora, é uma estratégia para sustentar e fazer crescer esse movimento. Agora é hora de criar uma alternativa política de luta – um partido dos milhões de trabalhadores, não dos milionários!

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