Construir uma saída dos trabalhadores na Venezuela
Dois anos após a morte de Hugo Chávez, a situação da classe trabalhadora e dos pobres da Venezuela piora a cada dia, em meio a incertezas cada vez maiores sobre o destino da “revolução Bolivariana”.
A Venezuela, como o Brasil, sente os efeitos da crise econômica mundial, agravada pela dependência do país em um único produto de exportação: o petróleo. Com a queda nos preços desse produto, os primeiros afetados são os programas sociais, que ajudaram a tirar milhões de pessoas de uma miséria desesperadora. Cenas de longas filas, às vezes com pessoas passando cinco horas de seu dia para comprar alimentos de primeira necessidade, já se tornaram comuns. Os índices de violência urbana estão subindo e Caracas é hoje uma das capitais mais violentas da América do Sul. Tudo isso é alardeado pela oposição de direita, que tenta criar um clima de medo e insegurança para tentar recuperar terreno e enterrar de vez o chavismo.
Segundo a previsão do FMI, a Venezuela é o país com a crise mais profunda do mundo no momento. O PIB deve cair 10% neste ano e 6% no ano que vem. A inflação deve chegar a 159% em 2015 e 204% em 2016.
O mercado não se deixa controlar
A resposta do atual presidente Nicolás Maduro a essa situação tem sido, por um lado, o de tentar impôr controles sobre o processo de distribuição de alimentos e outros produtos básicos, para impedir a especulação e garantir o abastecimento.
No entanto, tais medidas têm surtido o efeito oposto e mostram a inutilidade de tentar regular qualquer setor sob o capitalismo. Primeiro, o governo impôs restrições apenas a determinados produtos e, como resultado, muitos empresários, vendo seus lucros reduzidos, simplesmente passaram a fabricar outros que não eram regulados. Por outro lado, por conta do controle de câmbio, muitos comerciantes e empresários passaram a vender no mercado negro, com grande lucro. Assim é a situação principalmente nos estados que fazem fronteira com a Colômbia. Essa é a razão fundamental da escassez e das longas filas nos supermercados, instrumentalizada pela direita e pelos grandes empresários.
Por outro lado, Maduro, acuado, aposta numa retórica de confronto, denunciando, corretamente, as manobras da oposição de direita e do governo dos EUA em suas tentativas de desestabilizá-lo. Com isso, ele espera reunir a população em torno de sua figura, abafando as divisões internas do chavismo e se projetando como um líder anti-imperialista, como o próprio Chávez fez em várias ocasiões no passado.
Chavismo sem reformas
Mas a situação não é a mesma que na época de Chávez. Naquele período, os programas sociais do governo, auxiliados pela alta no preço do petróleo e pelo crescimento da economia, realmente mudaram a situação de milhares de pessoas, em contraste com a situação miserável dos governos neoliberais anteriores, o que garantiu o apoio ao processo da “revolução Bolivariana”.
Hoje, a situação da maioria da população piora cada dia mais, sem uma perspectiva de saída. Apelar para a velha retórica nacionalista não adianta mais, ainda mais porque os trabalhadores podem comparar isso com o giro à direita de Maduro na situação interna.
O governo usa o pretexto de luta contra a sabotagem e a oposição direitista e está perseguindo ativistas sindicais e operários que fazem greve com críticas à escassez de produtos, à ineficiência da burocracia do Estado ou ao desrespeito aos direitos trabalhistas, acusando-os de servirem à direita, como foi o caso das empresas MRW, Procter & Gamble e Piovesan. Em outras ocasiões, trabalhadores que tomaram a iniciativa de retomar fábricas que foram fechadas pelos patrões encontraram a repressão da polícia e nas instituições governamentais.
Maduro sem dúvida está lutando por sua sobrevivência, pois embora haja um setor da oposição que aceite que termine seu mandato, um outro setor, o comandado por Leopoldo Lopez, quer derrubar o governo e não mediu esforços para isso, fomentando atos de rua que terminaram em violência. O problema é que ele está alienando a população e o movimento social organizado, ao tratar trabalhadores que buscam defender seus empregos da mesma forma que trata conspiradores pagos pela oposição direitista.
Uma de suas táticas também tem sido de criar um falso clima de união nacional em torno de disputas internacionais, como foi o caso do fechamento da fronteira com a Colômbia (Maduro acusou autoridades daquele país de ajudarem oposicionistas e serem coniventes com o contrabando de gasolina) e, mais recentemente, o conflito de fronteiras com a Guiana em torno do rio Essequibo, uma área rica em petróleo e outros recursos naturais e explorada pela empresa americana Exxon Mobil.
Eleições parlamentares: um teste
O próximo teste de Maduro serão as eleições parlamentares de 6 de dezembro. Se o resultado for ruim, por exemplo, se perder a maioria parlamentar, será obrigado a negociar com a direita, que terá a partir daí uma posição de força para impor ainda mais retrocessos à classe trabalhadora. Se ganhar, Maduro poderá aprofundar o giro repressivo de seu governo, tentando conter a situação econômica em deterioração com controles econômicos que vão se mostrar ineficazes, por não romperem com a lógica do capitalismo.
Atualmente, a esquerda venezuelana está fragmentada e sem possibilidade de se constituir como uma alternativa viável. Iniciativas no campo sindical, como a Frente Nacional da Classe Trabalhadora (reunião de diversos coletivos, por fora da estrutura sindical oficial, controlada pelo chavismo, a qual o Socialismo Revolucionário, organização-irmã da LSR, faz parte), são um passo necessário, mas ainda insuficiente no processo de reorganização da esquerda.
Frente à crise do chavismo e ao avanço da direita, os trabalhadores venezuelanos precisam se organizar de forma independente, apostando nas suas próprias forças.
Organizar os trabalhadores de forma independente
A classe operária venezuelana, nos últimos anos, deu mostras de que possui capacidade e disposição de ir além dos limites que o chavismo lhe quer impor. Frente ao locaute dos patrões, operários de várias empresas as reabriram e puseram para produzir novamente.
Esses exemplos devem ser generalizados para todo o país, criando-se comitês de lutas nas empresas e nos bairros, para combater a especulação e o mercado negro. A liberdade de discussão e reunião para todos os trabalhadores deve ser garantida, assim como o direito de apresentar candidatos independentes, responsáveis perante suas bases, nas eleições em todos os níveis.
Se não existir uma alternativa independente, democrática e socialista dos trabalhadores, o chavismo em crise terminal só poderá ser substituído por uma direita reacionária e sedenta por vingança, o que anunciaria um futuro sombrio para a classe trabalhadora e todo o povo da Venezuela.