Denunciar a farsa desse referendo!
O referendo sobre o comércio de armas desvia a atenção dos problemas centrais que geram a violência e das verdadeiras soluções do ponto de vista dos trabalhadores. Queremos sim é o direito de votar pelo não pagamento da dívida externa e pelo fim das políticas neoliberais do governo Lula!
A violência na sociedade brasileira é endêmica. A quantidade de mortes violentas é uma das maiores do mundo, superando o número de mortos de várias guerras do último período. Isso é um reflexo das enormes e crescentes injustiças sociais. Um informe publicado pela ONU recentemente confirma o Brasil como o país com as maiores desigualdades do mundo.
No entanto, a política neoliberal do governo Lula agrava esses problemas. Cortes nos gastos sociais, ataque aos direitos dos trabalhadores, privatizações, falta de reforma urbana e agrária, falta de verdadeiras medidas contra o desemprego, aumentam as injustiças, enfraquecem os serviços sociais e a possibilidade dos trabalhadores agirem contra as injustiças. Além do mais, as políticas propostas são terríveis: de um lado o assistencialismo débil – do “grandioso” Fome Zero, com verbas miseráveis, não se ouve falar mais. De outro lado a repressão policial, como uma medida para mostrar serviço, mas que não resolve em nada os problemas da violência, assim como o uso inédito do exército em favelas do Rio.
Portanto, qualquer discussão que paute a violência na sociedade brasileira deve incluir as desigualdades sociais e a violência policial, mas isso não entrou no debate do referendo. Segundo a Anistia Internacional, nos seis primeiros meses de 2003, 621 pessoas foram mortas em ações da Operação Rio Seguro, a maioria delas sem antecedentes policiais. Em São Paulo a polícia matou 7 942 pessoas entre 1990 e 2001. Em 2004 foram 500 assassinatos e em 2003 foram 868. No Rio a polícia também colocou em uso o “caveirão”, um carro blindado que entra nas favelas dando tiros e apavorando a população, um verdadeiro terrorismo do Estado! Essa violência tem um claro perfil de classe e racial, pois quem sofre são os trabalhadores pobres e negros.
É contra esse quadro que temos que avaliar o referendo sobre o comércio de armas a ser realizado no dia 23 de outubro. Pois este é mais uma tentativa do governo de mostrar iniciativa meramente oferecendo uma medida paliativa, que na verdade não atinge as raízes do problema da violência no Brasil. O referendo também está sendo utilizado para desviar a atenção da crise política, facilitando um acordão.
A nossa avaliação é, portanto a de defender o voto nulo no referendo de 23 de outubro, denunciando seu caráter diversionista. Ao mesmo tempo, a tarefa da esquerda é utilizar o plebiscito para discutir com amplos setores da população as verdadeiras medidas necessárias e um programa contra a violência.
Um referendo que faria uma verdadeira diferença para a possibilidade de implementar medidas que podem começar a transformar a situação social catastrófica do país seria um referendo sobre o cancelamento do pagamento da dívida pública, que devora 150 bilhões de reais por ano. Um referendo organizado pelos movimentos de base, engajando milhares de entidades, colocou em 2002 a questão do pagamento da dívida externa. 97 por cento dos 10 milhões de participantes votaram pelo cancelamento. Mas o governo não tem nenhum interesse de ir contra os banqueiros, seus amigos e financiadores.
A proposta a ser votada em 23/10 não significa um desarmamento. A proposta será de proibir a venda de armas e munição. Quem já tem arma continua com ela. A proposta não desarma o crime organizado, no máximo torna a aquisição de armas um pouco mais difícil para pequenos criminosos. O crime organizado tem outros canais para obter armas e já tem armas de grande poder que são ilegais.
Infelizmente a maioria dos militantes da esquerda que chamam pelo “sim” não consegue fazer o debate sobre os problemas sociais. A resolução pelo “sim” do MST, da Via Campesina e outros não coloca nenhuma medida social contra a violência, ao invés disso enfatizam a necessidade do “sim” para lutar contra a “cultura da violência” de uma forma abstrata. Mas a experiência da luta pela reforma agrária mostra que a violência no campo não é meramente uma questão cultural, mas sim do poder e interesses econômicos dos latifundiários. Os latifundiários vão poder ainda ter armas, já que o Estatuto de Desarmamento diz que pessoas que moram isoladamente no campo poderão adquirir armas e munições.
Como já foi mencionado, o problema da corrupção e da violência dentro do corpo policial não será atingido. Para os trabalhadores, esse é um dos problemas cotidianos mais terríveis relacionados à violência urbana. Portanto, o argumento, no lado do “sim”, de que a proibição diminuiria as pessoas mortas por acidentes causados pela abundância de armas, não é suficiente para apoiar essa farsa de referendo. Pois grande parte das armas em caso de morte acidental, assassinatos de mulheres ou pessoas GLBTT também são armas ilegais.
Os argumentos do “não” também são fracos ou falsos. É falso dar a impressão que a arma é uma proteção pessoal. Na verdade você corre um risco maior de ser morto por arma se você é armado. De falar de um “direito” que agora está ameaçado (comparando em propaganda na TV com o direito de voto conquistado pelas mulheres!) é muito cínico, já que as principais forças atrás do “não” vêm da direita reacionária, que atacam cada um dos direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores.
Um argumento usado pela parte da esquerda que apóiam o voto “não” é que temos que garantir o direito da classe trabalhadora a se defender na luta contra os ataques armados da direita, como dos bandidos armados dos latifundiários ou mesmo de um golpe militar. Mas essa não é a situação atual no Brasil. A esmagadora maioria da classe trabalhadora não está armada e não vê isso como um caminho na luta contra a direita. No enfrentamento atual o importante é enfatizar a necessidade de luta de massas e organizada. Mesmo numa situação em que defenderíamos o direito dos trabalhadores se armarem, isso não se trata de um armamento individual. Seria um ato e decisão coletiva e organizada, com controle democrático. A grande maioria das vezes em que os trabalhadores foram forçados a se armar foi durante movimentos revolucionários, nos quais estes estavam preparados para romper com todas as leis.
Queremos também ressaltar que ambos os lados no referendo tem grupos econômicos que apóiam. No lado do “não” há a indústria de armas e no lado do “sim” o setor de “segurança” privada. A campanha na TV é também produto de marqueteiros, do tipo de Duda Mendonça, e não baseado num verdadeiro debate pela base. Com certeza a luta de classes não se expressa entre o “sim” e o “não”, mas entre a farsa da política de realizar um referendo fantoche, enquanto se aprofunda a desigualdade social e a repressão policial aos pobres e negros, e a clareza de que a violência numa sociedade capitalista só terá alívio com a real democracia dos trabalhadores.
Um verdadeiro programa contra a violência tem que ser um programa contra a pobreza, contra a opressão do estado e pela transformação socialista da sociedade, para um futuro sem desigualdade e injustiças.
No dia 23 de outubro votaremos nulo e estaremos coletando assinaturas contra o ‘caveirão’ no Rio de Janeiro e defendendo um programa que contenha os seguintes pontos:
• Por investimentos maciços em moradia, educação, emprego, saúde – contra as reformas neoliberais e a política econômica do governo Lula. Não pagamento das dívidas interna e externa aos grandes capitalistas.
• Por uma verdadeira reforma urbana e agrária.
• Empregos para todos. Redução da jornada de trabalho sem redução salarial. Investimentos públicos em infra-estrutura e serviços públicos.
• Salário mínimo seguindo o piso da DIESSE. Defesa dos direitos sindicais, contra a reforma sindical e trabalhista. Pela organização sindical dos (as) trabalhadores (as) do setor informal.
• Acesso para todos dependentes de drogas de tratamento gratuito e de qualidade. Educação, emprego e lazer – vida digna para todos.
• Contra o terrorismo policial! Fora o ‘caveirão’ das comunidades do Rio de Janeiro.
• Controle democrático pela comunidade local e movimentos sociais organizados das forças de segurança. Eleição dos postos de comando e plenos direitos sindicais a todos.
• Pela estatização com controle dos trabalhadores da indústria de armas, com sua produção subordinada a um planejamento global da economia que atenda às prioridades da grande maioria da população.
• Contra a violência sobre as mulheres e homossexuais.
• Garantir a independência econômica para que as mulheres possam sair de relações violentas, emprego com o mesmo salário dos homens, acesso a creches, moradia, etc.
• Pelo fim dessa sociedade baseada em injustiças, exploração e opressão de gênero, raça, etnia e diversidade sexual. Por um governo dos trabalhadores e a estatização das grandes empresas brasileiras e estrangeiras sob controle democrático dos trabalhadores e trabalhadoras – por uma sociedade socialista.