Direito à cidade e a luta socialista: o Plano Diretor de Natal em questão
Previsto para ser votada pela Câmara Municipal de Natal (CMN) na véspera do Natal deste ano, a revisão do Plano Diretor de Natal (PDN) vem seguindo um percurso envolto por polêmicas e denúncias de arbitrariedades. Essas colocam em xeque a transparência do processo, seu caráter democrático e denunciam o fato de que os interesses de classe que efetivamente serão atendidos são os das classes dominantes, caso a minuta (PL 09/21) entregue pela Prefeitura do Natal à CMN no dia 29 de setembro de 2021, e com solicitação de regime de urgência, seja aprovada. O Plano Diretor é um importante instrumento de democratização das cidades e é fruto das lutas da classe trabalhadora que garantiram uma série de conquistas incorporadas à Constituição Federal de 1988 e ao Estatuto das Cidades (implementado em 2001). Ele faz parte da luta pelo Direito à Cidade, contudo, também é alvo de disputas e ataques ao seu caráter democratizante por parte das classes dominantes e grupos políticos que expressam seus interesses em lucrar com uma cidade desigual em termos de classe, raça, gênero e sexualidade.
Direito à Cidade
O Direito à Cidade costuma ser uma pauta pouco visibilizada entre as lutas da classe trabalhadora, frente a outros direitos fundamentais, como direitos trabalhistas, direito à saúde, à educação e à assistência. Contudo, por tratar da distribuição e acesso aos recursos urbanos, é uma temática que atravessa uma série de outras reivindicações da classe, como o problema da moradia, saneamento básico, transporte público, combate à violência policial, dentre outros.
Se levarmos em conta que, atualmente, quase 60% da população mundial vive em cidades (com previsão de que esteja próximo dos 70% em 2050), e que essa porcentagem no Brasil supera os 80% da população vivendo em espaços urbanos, é fundamental pensarmos que cidades são essas e a quem realmente servem seus espaços e estruturas. As cidades e as estruturas urbanas, no capitalismo, são transformadas em mercadorias, servindo como forma de acumulação de capital para as classes dominantes. Assim, em vez de serem lugares voltados para o bem-estar da maioria da população, a prioridade é sua capacidade de gerar lucros, seja para setores de construção civil, empresários do transporte, seja para proprietários de imóveis e especuladores do mercado imobiliário.
Isso se expressa nas nossas cidades em seu caráter profundamente desigual. De acordo com a Fundação João Pinheiro, o déficit habitacional brasileiro, em 2019, era de 5,8 milhões de moradias, com tendência de aumento para os anos seguintes. A presença de moradias irregulares e subnormais, como favelas, invasões, baixadas, loteamentos irregulares, palafitas, também é uma característica marcante das cidades brasileiras. Lugares esses marcados pela escassez de serviços públicos essenciais e de estrutura urbana básica. Esse tipo de moradia expressa a brutal desigualdade do país e o caráter da superexploração da força de trabalho do capitalismo local, que precisa conviver com desemprego constante e salários baixíssimos, muitas vezes construindo sua própria moradia sob péssimas condições e sem estruturas urbanas próximas. A precariedade no transporte público urbano é outra característica das cidades brasileiras que afeta profundamente a classe trabalhadora, ao mesmo tempo em que mais da metade da população das capitais depende desse meio para se deslocarem. Acrescente-se a essa realidade, que a população em situação de rua é uma marca das cidades brasileiras. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estimou a população vivendo nas ruas do Brasil em aproximadamente 222 mil em março de 2020, antes dos efeitos da pandemia de Covid-19.
Além disso, uma vez que o capitalismo estrutura a exploração de classe se valendo de opressões de raça, etnia e gênero, a desigualdade urbana também manifesta essas estruturas de nossa sociedade. Exemplo disso é que 68,32% das habitações subnormais são ocupadas pela população negra. O problema habitacional também denuncia a profunda desigualdade regional do país. Nesse sentido, o maior percentual das moradias irregulares está concentrado na região Norte do Brasil, seguida pela região Nordeste. É importante destacar ainda que, tanto na composição do déficit habitacional, como no excessivo ônus do aluguel urbano, há uma predominância de mulheres como as mais afetadas, por serem as pessoas de referência na maioria desses casos. Essas constatações mostram que, se a exploração da classe trabalhadora recai de forma mais feroz sobre a população negra e feminina, também a negação do direito à cidade pesará de forma mais dramática sobre essas pessoas.
Outro fator alarmante em relação às desigualdades urbanas está na violência. A política de segurança pública adotada no Brasil, submetida à ideia de “guerras às drogas” (na verdade, guerra aos pobres), militariza a intervenção sobre os problemas sociais oriundos da desigualdade no país, produz uma lógica de guerra permanente contra os territórios periféricos e suas populações, e a população negra se torna o principal alvo dessa política, constituindo mais de dois terços das vítimas da letalidade policial, de acordo com o Anuário de Segurança Pública. A violência urbana também tem as marcas de gênero e sexualidade. Uma pesquisa do Datafolha, de 2017, apontou que 67% da população das grandes cidades brasileiras possui medo de ser vítima de violência sexual, sendo que 90% das respostas foram de mulheres. A cidade também é lugar de medo e violência para a população LGBTQIA+. O Brasil é o país que mais comete crimes contra as minorias sexuais. Em levantamentos feitos pelo Grupo Gay da Bahia, foram registradas, em 2020, 237 mortes violentas de pessoas LGBTQIA+, sendo 70% de travestis e mulheres transsexuais, com o Nordeste ficando em primeiro lugar entre as regiões do país, e os espaços públicos ocupando um lugar central para essa forma de violência.
Por esses motivos, a cidade é também palco para as lutas de classes e antiopressão. As classes dominantes buscam sempre encontrar novas formas de lucrar com os espaços urbanos (como na recente aprovação do PL 3261, de 2019, que na prática privatiza o sistema de saneamento, transformando um direito público em um instrumento de lucro), e com a manutenção das estruturas desiguais e de opressão que ajudam a incrementar esses lucros. Por sua vez, a classe trabalhadora expressa seus interesses na cidade por meio de diferentes pautas, como a luta pelo direito à moradia, ao transporte público gratuito e de qualidade (bem como outros aspectos de mobilidade), a luta por serviços públicos e equipamentos de saúde, assistência e educação de qualidade nos diferentes territórios, disputa pela memória histórica (confrontando os símbolos urbanos de elogio a personagens escravocratas, ligados à ditadura empresarial-militar etc.), lutas por espaços públicos de lazer e cultura, dentre outras.
É inegável, então, que o direito à cidade é uma luta central para a classe trabalhadora no mundo e no Brasil. Entretanto, sabemos que as cidades são essenciais ao próprio capital, que não abrirá mão de buscar moldar os espaços urbanos à sua imagem e semelhança, ou seja, espaços desiguais, misóginos, racistas, LGBTQIAfóbicos, capacitistas. As concessões feitas pelo capital quando pressionado pelos movimentos populares sempre serão limitadas, pois contestam o caráter de mercadoria das cidades. Por esse motivo, o efetivo direito à cidade é o direito a produzir uma outra cidade, uma cidade que expresse os projetos das maiorias populares, e isso só será possível com a superação da própria ordem capitalista. Assim, a luta socialista e a luta pelo direito à cidade se alimentam mutuamente, uma vez que uma cidade realmente inclusiva não é possível sob os marcos capitalistas, mas um projeto socialista tampouco pode ignorar as necessidades de lutar por moradia, transporte, serviços de saúde e educação universais, espaços de lazer e socialização, de expressão artística, contra a violência policial, contra a desigualdade racial, sexual e de gênero nas cidades. Ou seja, no projeto socialista, a cidade deve ser uma produção coletiva e que pode ser coletivamente (e não privadamente) apropriada.
Reforma Urbana, Estatuto da Cidade e Plano Diretor
O Plano Diretor é um dos principais instrumentos do Estatuto da Cidade. Apesar de só ter sido aprovado em 2001, o Estatuto surgiu como projeto de lei em 1988, como forma de regulamentar a política urbana prevista na constituição daquele ano, em que a função social da propriedade cumpre papel central. Ou seja, os interesses coletivos da sociedade devem comparecer na organização do espaço urbano. Por sua vez, a Política Urbana é resultado das lutas sociais que vêm desde os anos 1960 no país, mas que ganha fôlego no processo de redemocratização, com destaque para o Movimento Nacional pela Reforma Urbana, que agregou movimentos de luta por moradia, sindicatos, federações, intelectuais, e que colocou como pauta do processo de abertura democrática uma política urbana participativa, que combatesse as desigualdades socioespaciais, o crescimento desordenado das cidades e a especulação sobre o solo urbano, além de buscar a melhoria da infraestrutura para áreas periféricas e nas condições de mobilidade.
O Estatuto de 2001 prevê instrumentos de regulamentação do uso do solo urbano como o IPTU progressivo, desapropriação para fins de reforma urbana, Usucapião Urbano coletivo, as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), além de mecanismos participativos, como os conselhos, audiências e consultas públicas. Entre os instrumentos regulatórios, o Plano Diretor é o responsável por articular questões físicas do desenvolvimento das cidades, com questões sociais, econômicas e ambientais. É por meio do Plano Diretor que se criam as regras do jogo para a ocupação do espaço urbano, direcionando inclusive os tipos de investimentos a serem feitos pelo poder público no espaço da cidade em termos de estrutura, o que pode gerar inúmeros impactos sobre a vida da população das cidades a depender de que interesses são atendidos no desenvolvimento do Plano. É por meio dos planos diretores que a função social da propriedade urbana deve ser garantida.
Ainda que seja atribuído ao poder executivo e votado pelo legislativo municipal, o processo de construção e revisão de planos diretores prevê participação da população, por meio de conselhos, entidades, associações, no processo de elaboração de diagnóstico, discussão e formulação. Essa forma de organização da política urbana expressa parcialmente o espírito democratizante e com base nas lutas sociais, que deram origem à Constituição Federal de 1988. Contudo, a política urbana, como as demais políticas expressas na Constituição, não são imunes aos momentos das lutas de classe, seja ao avanço da luta e conquistas da classe trabalhadora, seja ao avanço do capital em seus interesses por incrementar lucro, reduzindo direitos e conquistas históricas dos/as trabalhadores/as.
A contrarreforma urbana no governo liberal-fascista
Antes de discutir o novo PDN, é importante sinalizar que sua concretização se dá em um contexto de contrarreforma urbana. Mesmo com todos os avanços que o Estatuto da Cidade significa, a política nacional conquistada a partir das lutas sociais pela reforma urbana teve que buscar encontrar seu espaço em um Brasil já absorvido pelo neoliberalismo. Mesmo com as inflexões que ocorreram nos governos Lula (2003-2010), principalmente, e Dilma (2011-2016), no sentido de algumas políticas favoráveis à classe trabalhadora, a pressão por políticas em prol do mercado deu a direção da política urbana, também, desde a aprovação do Estatuto. Grandes exemplos disso são o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC I e II) e o Programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), que foram políticas que, se por um lado avançaram na geração de emprego e acesso à habitação (especialmente para os setores médios), favoreceram mais os grandes agentes imobiliários e da construção civil, do que efetivamente confrontaram o colossal déficit habitacional brasileiro ou as profundas desigualdades socioespaciais do país, bem ao espírito da conciliação de classes dos governos do Partido dos Trabalhadores.
Ainda assim, o que se tem a partir do golpe de 2016, capitaneado pelas burguesias locais e com ativa participação do imperialismo estadunidense, é um avanço agressivo do capital sobre a classe trabalhadora, em especial com a eleição de Jair Bolsonaro, impondo destruição de direitos em todos os âmbitos da vida da maioria da população, como as contrarreformas trabalhista e da previdência. O mesmo vem acontecendo na política urbana.
Em 2020, o Observatório das Metrópoles lançou o “Dossiê do Desmonte da Política Urbana Federal nos Governos Temer e Bolsonaro e seus Impactos sobre as Cidades: Violações de Direitos Humanos e os Riscos de Construção de Cidades Intolerantes, Excludentes, Injustas e Antidemocráticas”. Esse dossiê destaca vários aspectos de ataques e violações do direito à cidade desde 2016, como o fechamento dos espaços de participação social na discussão das políticas públicas,o agravamento da perseguição e riscos de criminalização aos movimentos sociais (entre os quais aqueles de luta por moradia), a descontinuidade do Programa Minha Casa Minha Vida no atendimento às famílias de mais baixa renda, fortalecendo os interesses de grandes setores econômicos, a saída da agenda nacional de políticas de urbanização de favelas, o desmonte da legislação fundiária (Lei Nº 11.977) e a instauração de uma nova legislação (13.465/17), de 2017 (também chamada de lei da grilagem). Vale destacar também que, em 2019, foi extinto o Ministério das Cidades, responsável pela política de desenvolvimento urbano, que concentrava políticas urbanas fundamentais no que diz respeito ao Direito à Cidade, como Habitação, Saneamento, Infraestrutura, Planejamento Urbano e Ordenamento Territorial, e a política nacional de trânsito.
É possível ver, então, que o contexto desde o golpe de 2016 e, sobretudo, do Governo Bolsonaro, é de garantias irrestritas para o capital e de avanço contra os direitos da classe trabalhadora. O uso da cidade como garantia de lucros para o empresariado urbano e para os grandes proprietários e especuladores, dificultando a vida nas cidades para maioria da população é o caminho que vem sendo trilhado no país e é nesse contexto que vem se dando a proposta do novo PDN.
O Plano Diretor de Natal
O atual processo de revisão do Plano Diretor estabelecerá as regras de uso e ocupação do solo da cidade do Natal para os próximos 10 anos. O Prefeito Álvaro Dias (PSDB) encaminhou a retomada da revisão em plena pandemia de Covid-19, o que limitou a participação popular e a transparência do processo. A pré-conferência, momento em que são eleitos os delegados, e outras etapas de participação popular, foram feitos em formato online, restringindo bastante o processo participativo. O próprio Ministério Público Estadual (MP-RN) chegou a pedir a suspensão da pré-conferência em 2020 e criticou a falta de transparência e as modificações que estão sendo propostas pela Prefeitura do Natal.
A proposta atual encaminhada à CMN tem apoio do empresariado da construção civil e das elites ligadas ao setor imobiliário. Isso pode ser visto no perfil das mudanças, que vão no sentido de favorecer grandes empreendimentos na cidade e verticalizá-la ainda mais, o que gerará impactos sociais e ambientais desastrosos. Em contrapartida, pouco se vê no sentido de melhorar as condições da vida na cidade para a classe trabalhadora, diminuindo inclusive o potencial de participação popular nos processos decisórios sobre a cidade.
Entre as propostas mais contestadas por movimentos sociais e profissionais está o aumento da altura máxima permitida para construção de prédios para 140 metros (46 andares) em boa parte da cidade, contra os atuais 65 metros (22 pavimentos) em alguns bairros, e 90 metros (30 pavimentos) em outros. A proposta de revisão do PDN também permite a construção de “espigões” em terrenos que margeiam grandes avenidas, como é o caso da Avenida Engenheiro Roberto Freire, o que pode acabar com a vista da praia e do Morro do Careca (um cartão postal da cidade) em vários locais, privatizando a vista para a paisagem composta pela orla, mar, o Morro do Careca e dunas próximas.
Outro retrocesso está em relação às Zonas de Proteção Ambiental (ZPAs), que incluem áreas de dunas, manguezais, lagoas e vegetação, por exemplo. Natal tem, ao todo, dez ZPAs. A proposta atual ameaça o ambiente e a própria qualidade do abastecimento de água da cidade, com alterações de limites em algumas ZPAs e flexibilizações no controle da ocupação sem estudos suficientes. Segundo as avaliações que vêm sendo feitas pelo Fórum Direito à Cidade, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, as mudanças propostas eliminam as especificidades ambientais da cidade do Natal, deixando as deliberações sobre o tema nas mãos da legislação nacional que, como é possível acompanhar atualmente, vem seguindo um caráter radicalmente antiambiental. A atual proposta também visa à flexibilização no controle sobre ocupação nas ZPAs não regulamentadas. Contudo, apenas 4 entre as 10 estão regulamentadas. O que o novo PDN propõe é a possibilidade de ocupação sem controle enquanto não haja regulamentação.
Há também proposta de flexibilização da ocupação do solo da orla da Redinha, permitindo construções de até 30 metros (10 andares), sem garantias de proteção, o que na prática acaba com seu funcionamento como Área Especial de Interesse Turístico e Paisagístico (AEITP). Outro ponto polêmico é a Área Especial Militar (AEM). Na realidade natalense, há um convívio histórico de instalações militares com as restrições e regulamentações das ZPAs. A criação da AEM fragiliza o lado das ZPAs no entorno dessas instalações, pois torna ineficazes as regras de proteção ambiental.
A minuta também impõe uma série de barreiras à participação popular, por exemplo, colocando prazos para manifestação do Conselho da Cidade sobre as matérias. Junto a isso, há um conjunto de mudanças que fragilizam a delimitação das Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS), o que afeta justamente os territórios e parcelas da classe trabalhadora mais vulnerabilizados na cidade.
O que se pode ver nesses pontos (e muitos outros poderiam ser mencionados) é uma proposta de revisão do PDN que tem como prioridade os interesses privados das elites urbanas e não a população trabalhadora. As mudanças propostas tendem a aumentar as disparidades na cidade, a desigualdade socioespacial, colocam sob risco a proteção do meio ambiente e as comunidades que já vivem em áreas de menor investimento público, intensificando a mercantilização de Natal e as disparidades entre aqueles/as que podem usufruir de suas possibilidades e os/as para os/as quais a cidade é sinônimo de precariedade, sofrimento, violência. Em outras palavras, é uma proposta que não se volta para resolver ou minorar quaisquer dos problemas mais relevantes e urgentes da maioria da população urbana.
Resistência e luta pelo Direito à Cidade
É importante sinalizar que esse avanço da revisão do PDN nessas circunstâncias não se dá sem manifestações contrárias de movimentos sociais (em especial movimentos por moradia), partidos de esquerda, coletivos, entidades. Houve, por exemplo, manifestações e uma recepção coletiva do PDN na CMN no momento de sua entrega pela Prefeitura do Natal. Além disso, houve ao longo dos últimos meses a organização de outras mobilizações desses setores e o lançamento de um manifesto em defesa de um Plano Diretor Popular para Natal, além da construção de um Comitê Popular do Plano Diretor em novembro.
Tais esforços são fundamentais, contudo, vivemos um momento de avanço da agenda do capital em todos os setores da sociedade brasileira e a classe trabalhadora tem tido dificuldade de frear tais processos e contrarreformas. Nas mobilizações populares que aconteceram em 2021 por todo o Brasil, especialmente os atos de rua contra o governo genocida de Jair Bolsonaro, uma série de pautas relacionadas ao Direito à Cidade estiveram presentes entre as reivindicações fundamentais, sobretudo dos movimentos sociais, como é o caso das lutas contra despejos durante a pandemia, contra o aumento do custo dos aluguéis, dos transportes, contra o corte por não pagamento das contas de água e luz, entre outras. Todavia, a conjuntura marcada pelo corte de direitos, desemprego, fome, precarização das relações de trabalho, inflação sobre itens fundamentais para a classe trabalhadora, conduta genocida do Governo Federal na pandemia, tentativa de destruição dos serviços públicos com a PEC 32, coloca um conjunto de demandas muito amplo.
Ainda assim, é fundamental ressaltar que o debate sobre o direito à cidade e sobre o Plano Diretor, abordam os aspectos mais sensíveis da vida da classe trabalhadora, como as condições de moradia, de estrutura urbana, transporte, e que estão colocados em pauta na revisão do PDN contra trabalhadores e trabalhadoras. Não é à toa que movimentos por moradia e da própria população em situação de rua se fizeram presentes nos atos e são ativos nas lutas por direitos na atualidade.
Diante do momento de gravidade que vivemos em função da dinâmica capitalista em nível local, mas também global, vale dizer que o Direito à Cidade é uma pauta que dialoga com outras temáticas ambientais urgentes, como a luta em defesa do clima e contra o aquecimento global. A própria lógica capitalista de produção das cidades tem enorme impacto nas mudanças climáticas que temos vivenciado e que colocam em risco a vida humana em nível planetário. Essa questão já vem tendo efeitos trágicos sobre a classe trabalhadora de todo o mundo, como é o caso dos refugiados climáticos (estimados em 25 milhões atualmente pela Cruz Vermelha). Trata-se de um tema diretamente relacionado com a própria política antiambiental do governo Bolsonaro e das burguesias locais, como é o caso do agronegócio, grande responsável pelo desmatamento destrutivo dos biomas nacionais. Todos esses aspectos apontam para a necessidade de unidade e de radicalidade nas lutas atuais.
Como organização socialista, reivindicamos o direito à cidade como parte das agendas de luta junto à classe trabalhadora e aos grupos oprimidos pela lógica urbana de favorecimento das classes dominantes. Infelizmente, o tempo que resta é curto para pressionar contra a proposta de revisão do PDN que está prevista para ser votada entre os dias 21 e 23 de dezembro (ao menos esse é o desejo da Prefeitura do Natal). Ainda assim, todo esforço possível deve ser feito em conjunto com os setores que já estão organizados nessa luta, para que a população natalense não sofra com mais esse retrocesso.