A “supremacia médica” e a violência nas universidades paulistas

A violência e a opressão estão presentes em todas as relações desiguais de poder, sobretudo em uma sociedade capitalista, que se sustenta na desigualdade social, de gênero e raça, na exploração da classe trabalhadora e na manutenção a todo custo da dominação por aqueles que detém o poder econômico e os meios de produção.

Têm sido inúmeras as situações onde podem ser constatadas, sob diferentes formas, as condições violentas dentro de uma hierarquia de poder e os mecanismos de controle e opressão que se fundam no estabelecimento do terror, do silêncio imposto aos mais fracos e das formas de exploração e dominação disseminadas em todas as dimensões da vida social.

Dentre todas essas formas de violência já conhecidas, uma tem chamado a atenção pois escancara uma contradição enraizada no sistema como um todo – a violência nas universidades propagada pelos tradicionais trotes, sobretudo dentro dos cursos de Medicina.

Trotes violentos

Caracterizada como uma profissão de acesso difícil, com uma permanência longa e critérios exigentes de formação, além de reduto da classe dominante, os cursos de Medicina das universidades paulistas têm sido sacudidos por episódios inconcebíveis de violência aplicados por veteranos aos ingressantes a cada ano, tendo como consequência: violência física, psicológica, extorsão, abusos, estupros, tortura, a morte. Humilhações que não se restringem ao início de cada ano pelo ingresso no vestibular, mas que permanecem nos anos seguintes de graduação, pós-graduação e até mesmo no exercício profissional posterior.

Esse esquema de uma dominação absoluta de um grupo sobre outros do mesmo curso e da mesma profissão, mantido há décadas em nome da “tradição”, acaba por se revelar como uma supremacia desprovida de valores éticos, morais e humanos dentro de uma área de conhecimento e profissão que deveria primar pela solidariedade e respeito irrestrito à dignidade e aos direitos humanos.

Com a coragem de quem assume para si a luta por um outro tipo de sociedade, estudantes de Medicina de várias instituições universitárias do Estado de São Paulo se organizaram para denunciar o que acontece nos bastidores da “mais respeitada profissão” – a Medicina. Os relatos já publicizados na mídia contam verdadeiras histórias de terror. Um processo de tortura acontecendo às barbas de todos, sem que ninguém, nem mesmo aqueles que são responsáveis pela formação, assumam posições de repúdio e desenvolvam políticas de repressão contra a naturalização desses atos violentos. É inconcebível que estudantes sejam forçados a estudar e se formar em meio a um ambiente de opressão mantido no interior das universidades, justificados por rituais hostis “de tradição”! É exatamente contra essa tradição violenta, exploradora e opressora que queremos lutar.

Não deixaremos a violência impune

É necessário apontar a coragem daquelas estudantes que, com todos os riscos, denunciaram casos de estupro e violência sexual que aconteciam nos trotes e no interior da universidade. Se é verdade que o peso do tradicionalismo elitista e hierárquico atinge um setor grande, são as mulheres que, além de submeter a este poder, acabam tendo os seus corpos violados por aqueles que acreditam ter o poder de controle sobre os outros. Esta violência bárbara não passará impune e devemos lutar até o fim para que os responsáveis sejam condenados.

Sabemos que as “tradições” não se apagam facilmente e, também, que elas se mantêm, em muitas das vezes, pela instauração do medo, que silencia e impede as vítimas de denunciarem, se organizarem e lutarem. Vale lembrar que as universidades, sobretudo as de Medicina, são espaços de exclusão da classe trabalhadora e de seus filhos. E, justamente por envolverem sujeitos de alto padrão socioeconômico, são necessários mais esforços para garantir a correta apuração e punição dos envolvidos, pois a possibilidade dos alunos serem blindados existe, visto os contatos pessoais e políticos.

Por isso, é preciso apoio e proteção aos estudantes que desejam combater a violência e essa realidade, bem como organizar a comunidade universitária para que fatos semelhantes não se repitam e que os envolvidos passem pelas devidas punições.

• Apuração dos casos e punição efetiva a todos os veteranos envolvidos nos trotes violentos das universidades.
• Contra todo tipo de opressão e violência, lutamos por uma sociedade livre da dominação de uns poucos sobre outros.
• Contra a supremacia médica que impõe aos demais profissionais da Saúde uma dominação exclusiva e desrespeitosa, lutamos por um trabalho inter e multidisciplinar com respeito aos distintos aos profissionais da Saúde.
• Contra o perfil elitista dos profissionais da saúde e a favor de um programa de formação de profissionais da Saúde voltados à Saúde Pública e Coletiva.

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