Entrevista com o candidato a governador pelo PSOL-RN, Prof. Robério Paulino
Entrevista publicada originalmente na edição 21 (Agosto/2014) do jornal Ofensiva Socialista.
Robério, na sua campanha você tem falado muito sobre derrotar as velhas famílias e as oligarquias no RN. Qual é sua análise sobre quem está no poder e sobre os últimos governos do Estado?
O Rio Grande do Norte é um dos estados mais atrasados da federação em termos de indicadores sociais. Tem um dos piores IDEBs (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), por exemplo, um alto índice de analfabetismo e o equipamento de saúde está muito deteriorado.
Essa realidade tem explicação, em boa medida, no domínio das velhas oligarquias que controlam o estado, associadas com um capitalismo atrasado, de mentalidade ainda meio aristocrática. São elites políticas e econômicas egoístas, tacanhas, medíocres, esnobes, que abraçaram facilmente o ideário neoliberal e só pensam em seus próprios interesses e no seu luxo, sem visão de longo prazo que leve ao desenvolvimento do estado e à superação de chagas sociais que nos envergonham em pleno século XXI, como os 20% de analfabetos.
Elas não irão fazer as mudanças necessárias. Somente o povo na rua e organizado, em conjunto com os demais trabalhadores do país, poderá mudar este quadro.
Isso tem a ver com o discurso nacional do PSOL, que se coloca como uma opção contra a velha política. Em que você diria que o PSOL é diferente dos outros partidos?
Apesar de já ter dentro dele setores oportunistas, como o que vemos em Macapá, o PSOL ainda é visto como um partido novo, uma bandeira limpa. Fomos dos primeiros a usar esse lema “Contra a velha política”, aqui em Natal, nas eleições de 2012. O partido no estado vai crescer muito, está despertando a simpatia em diversos setores, tem uma boa entrada na juventude, hoje conta com a apoio da direção do MST, que está apoiando a minha candidatura ao governo e a de Sandro Pimentel a deputado estadual.
Penso que temos muito futuro aqui no estado, como um partido classista e socialista.
Quais os principais problemas que o Estado enfrenta hoje e quais os principais pontos de seu programa para enfrentar esses problemas?
Referente aos serviços, temos saúde, segurança e educação.
Os hospitais regionais estão sucateados e os prefeitos mandam os doentes em ambulâncias para o hospital Walfredo Gurgel, onde morrem em torno de 200 pacientes por mês, pela superlotação e falta de condições de atendimento. Será preciso recuperar toda rede básica de saúde, do postinho aos hospitais regionais.
A educação pública é de péssima qualidade, a merenda é um horror. Temos 20% de analfabetos. Vamos tentar dar um choque da qualidade na educação, elevar os salários dos educadores e propomos um grande mutirão para acabar com o analfabetismo em oito anos.
Sobre a segurança, o RN foi o estado do país onde mais cresceu o índice de homicídios por 100 mil habitantes entre 2002 e 2011. As delegacias não são informatizadas, não “falam” uma com as outras, estão na idade média. A polícia aqui é igualmente truculenta.
É preciso repensar toda política de segurança, atacando antes de tudo a questão social, melhorando as escolas, dando oportunidades de bom emprego, esporte, cultura e lazer à nossa juventude mais pobre.
É também iniciar a discussão sobre a desmilitarização da PM, discussão que encontra eco mesmo entre as associações de soldados e sargentos que por sua vez demandam um plano de carreira que não têm e que achamos justo que tenham. Uma parte da liderança dos soldados, cabos e sargentos é simpática ao PSOL, conversa conosco.
Você já colocou em algumas entrevistas que é contra a repressão aos movimentos sociais. Como seria a relação do seu governo com os movimentos sociais e com as organizações de trabalhadores?
O PSOL é radicalmente contra a repressão aos movimentos sociais e à criminalização das lutas justas dos trabalhadores e das trabalhadoras por melhores condições de salário e emprego ou por melhores serviços.
Com um governo do PSOL não seria diferente. Teremos uma outra forma de lidar com os movimentos. Um governo do PSOL não seria para silenciar as lutas, mas impulsioná-las. Queremos, com a mobilização popular, garantir uma melhor educação, saúde, transporte, moradia e muito mais. Teremos uma mesa de negociação permanente com os sindicatos.
Como alguém que passou pela ditadura de forma tão viva e esteve na luta pela democratização, repudio ver o direito de se manifestar e o direito de greve sendo descumpridos, como diversas esferas de governo e do judiciário vêm fazendo.
Há regiões do Estado que sofrem constantemente com problemas relacionados à seca. Quais as suas propostas em relação a essa questão?
Muitas cidades do estado já estão em racionamento ou colapso de abastecimento hídrico, sem água para beber. Muitas áreas do semiárido estão ameaçadas de desertificação. Mas o problema não é apenas a irregularidade das chuvas, mas também a concentração fundiária. Ou seja, o problema não é a seca, mas a cerca.
Por isso precisamos fazer aqui também, como em todo Brasil, uma Reforma Agrária. Em segundo lugar, o semiárido brasileiro é um dos mais chuvosos do mundo, mas precisamos mudar completamente a equivocada política hídrica, hoje baseada em açudes, barreiros e barragens. A água aí, além de contaminada e fonte de inúmeras doenças, evapora em torno de 70%, segundo estudos da UFRN.
Defendemos recolher a experiência da Articulação do Semiárido (ASA) e experiências internacionais e construir dezenas de milhares de cisternas-calçadão, de até 100 metros de comprimento, para armazenar a água da chuva limpa, em quantidade suficiente para atravessar um próximo ano seco.
O programa de cisternas atual do governo federal é muito insuficiente. Essas milhares de cisternas-calçadão que propomos seriam construídas em propriedades nas quais os donos se comprometessem a plantar e cuidar de centenas de novas árvores, dentro de nosso plano de plantar milhões de árvores nativas e frutíferas no estado, para corrigir um erro de 500 anos de uma agricultura extensiva e predatória. Isso, além de contribuir para mitigar o aquecimento global, ajudaria a recuperar a fertilidade do solo na região.
Como você enxerga o processo eleitoral e como tem sido a receptividade da população do RN à sua campanha e às propostas que você está apresentando?
O processo eleitoral é muito difícil e se agrava em um estado dominado por famílias que mandam na máquina pública, na imprensa, na justiça.
A grande imprensa age como se houvesse apenas dois candidatos, porque inexiste uma legislação pra isso. Ainda assim, aos candidatos tratados como principais, perguntam sobre propostas para saúde, educação, segurança… Não perguntam, por exemplo, aonde Henrique Alves esteve nos últimos 40 anos enquanto político e porque não fez nada para esses temas.
Para nós tentam apenas nos encurralar e nos jogar contra a população, com temas polêmicos como os black blocs, legalização das drogas, descriminalização do aborto, etc.
Das pesquisas eleitorais que já foram feitas, uma é paga pelo PMDB e outra por uma das candidatas ao Senado, do PSB. E então você já imagina como são feitas… Nos colocam lá embaixo como forma de desanimar as pessoas, que ainda estão imersas na cultura do “voto útil”.
Agora, com relação às pessoas, a receptividade tem sido extremamente boa. Mesmo desacreditadas, elas, quando tomam conhecimento de algo novo, ainda que às vezes também nos olhem com certa desconfiança, tendem a parecer curiosas.
Mas queremos mais do que convencê-las a votar, queremos que se envolvam para fazer a campanha desse projeto, que não é meu e sequer apenas do PSOL. Trata-se de um projeto urgente e necessário de profundas transformações sociais para nosso Rio Grande do Norte, um programa de transição, em direção ao socialismo.