Futebol: um grande negócio para a FIFA e para os capitalistas
O futebol, muito mais do que um esporte, é também parte da cultura da classe trabalhadora no Brasil e em boa parte do mundo. Entretanto, há vários anos, o esporte passa por um profundo processo de elitização. O futebol, hoje, é só mais uma forma de gerar lucros gigantes para os empresários. Enquanto isso, o povão, que não consegue mais nem pagar o ingresso, tem que ficar do lado de fora do estádio.
No Brasil, esse processo tem suas origens nos anos 1970, com a introdução dos patrocínios nas camisas dos times. E qual é o problema de ter um patrocinador? Quando o time passa a depender do dinheiro de fora, ele perde sua autonomia e fica a mercê dos interesses daquela empresa.
Já na década de 1990, começou o processo de transformação dos times em “clube-empresa”. Assim, o time deixa de ser uma associação e passa a ser uma corporação, uma empresa. E, no fim das contas, o objetivo de uma empresa é apenas gerar lucro a qualquer custo.
Com o anúncio da realização da Copa de 2014 no Brasil, uma das exigências da FIFA foi que os estádios seguissem um “padrão internacional”. O que isso significa? Que os nossos estádios seriam transformados nas tais “arenas”. A promessa era que as “arenas da Copa” trariam mais conforto ao torcedor. Na prática, quem frequenta os doze estádios das cidades-sede do mundial deve seguir um série de regras para torcer.
Pelas regras da FIFA, por exemplo, é proibido levar bandeiras ou instrumentos musicais aos estádios. Os torcedores também são impedidos de assistir ao jogo de pé, devendo ficar sentados o tempo todo – e quem desobedece tem que se entender com a polícia ou com os seguranças da arena.
Essas normas são um ataque ao jeito brasileiro de torcer! Afinal, é normal o torcedor querer ficar em pé no estádio, cantar e gritar, levantar bandeira, extender faixa na arquibancada e participar da festa das torcidas. Essa sempre foi a essência do futebol brasileiro. Nos novos “estádios padrão FIFA”, o torcedor é obrigado a ficar sentadinho, sem liberdade pra vibrar do jeito que bem entender.
Hoje em dia, é preciso ser rico pra entrar no estádio!
A ideia principal da FIFA, dos clubes e dos administradores dos estádios é, justamente, afastar o torcedor tradicional e atrair um público “diferenciado”. Um público que não quer se misturar com a “gentalha” que sempre frequentou as arquibancadas. E, mais que tudo, um público que esteja disposto a gastar, gastar e gastar. A começar pelo preço dos ingressos: nos últimos dez anos, o valor médio das entradas subiu 300%.
O torcedor mais pobre é quem mais sofre com a alta do preço dos ingressos dos estádios. O mais famoso clássico do nosso futebol, entre Flamengo e Fluminense, teve, desde 1995, um aumento de mais de 1000% no valor das entradas. Em 1994, o preço do ingresso mais barato para o Fla-Flu era de 3.000 cruzeiros – o equivalente a uns R$8,25. Os preços se mantiveram mais ou menos estáveis até 2013, quando uma partida disputada no Estádio Engenhão custou a partir de R$40. Já em 2014, no dia 8 de fevereiro, o ingresso mais barato para o clássico disputado no “novo Maracanã”, reformado para a Copa do Mundo, custou absurdos R$100!
A inflação acumulada no Brasil entre 1995 e 2013 foi de pouco mais de 333%. O aumento do valor do ingresso é, portanto, mais de três vezes maior do que a inflação acumulada. Se essa tendência se manter, como é que o torcedor comum vai conseguir prestigiar seu time? Afinal, quem é que consegue arcar com ingressos a 100 reais no Maracanã?
Com isso, o público dos estádios mudou. Antigamente, com a geral e as arquibancadas, era possível reconhecer os “geraldinos” e aqueles torcedores-símbolo, que acompanhavam todos os jogos que podiam. Infelizmente, com a alta do preço das entradas, esse tipo de fã tem sumido.
Em entrevista ao portal Copa Pública, o carioca Reinaldo Reis, flamenguista de 39 anos, resumiu bem essa situação: “Tô sentindo isso na pele. Tenho um filho de 14 anos, flamenguista também, e ainda não consegui levar ele no Maracanã devido a essa sem-vergonhice que eles fizeram. (…) O ingresso mais barato a 40 reais já não era tão acessível. Mas agora, com esse absurdo que tá o preço dos jogos, não tem como. Qual trabalhador tem esse dinheiro sobrando pra gastar em ingresso?”
Estádio do Itaquerão. Assim como as demais arenas da Copa, pode até ser bonito, mas não é para todos.
A verdade é que, para os cartolas, é melhor ter gente rica nos estádios, pagando ingressos super caros, do que torcedor de verdade. Esse elitismo fica bem evidente quando vemos a declaração de Amir Somoggi, consultor de marketing esportivo, ao jornal Lance em agosto de 2013. Após uma decisão do São Paulo de oferecer ingressos populares a dois reais, ele disse: “Quando o preço cai muito, o nível do torcedor que vai ao estádio é muito pior. Inclusive, atrai um perfil de público que devemos abolir dos estádios”.
Copa do Mundo: bilhões de dólares de lucros para empresários
Faltando pouco para o início da Copa do Mundo, o torneio já tem um vencedor: é a própria FIFA. A entidade estima que irá receber pelo menos 4 bilhões de dólares em patrocínios e direitos de transmissão dos jogos – isso dá mais ou menos 8 bilhões e 800 milhões de reais! Esses valores foram divulgados por ninguém menos que o secretário-geral da FIFA, Jerome Valcke. Desse total, 3,1 bilhões serão pagos pelos patrocinadores – por exemplo: McDonald’s, Coca-Cola, Adidas, Itaú, entre outros.
Esse valor é aproximadamente 10% mais alto que os números da Copa de 2010, na África do Sul. Naquela ocasião, a FIFA ganhou “apenas” 8,2 bilhões de reais. Mas os donos da casa não viram quase nada desse dinheiro todo. O governo sul-africano gastou mais de 7,7 bilhões de reais em estádios e outras obras de infraestrutura. Como compensação, recebeu cerca de 500 milhões de “apoio” da FIFA.
E essa história está se repetindo no Brasil: segundo um balanço divulgado pelo governo federal no dia 13 de maio, já foram gastos 25,6 bilhões de reais com a Copa, entre obras de estádios e infraestrutura. Deste valor, 83,6% saíram dos cofres públicos e apenas 4,2 milhões de reais vieram da iniciativa privada. Ou seja, o governo está ajudando a FIFA e os empresários a lucrar ainda mais!
Joseph Blatter, presidente da FIFA desde 1998. Quem lucra com a Copa do Mundo não é nem o torcedor nem o país: é a própria entidade.
Outra artimanha que o governo utiliza para facilitar a vida dos empresários é a privatização dos estádios. O Maracanã, por exemplo, foi entregue em regime de concessão (que nada mais que é uma privatização disfarçada) a um grupo liderado por Eike Batista. Esse grupo irá pagar 5,5 milhões de reais ao ano para explorar o estádio até 2047. Outros estádios da Copa também foram privatizados, como o Castelão, em Fortaleza, e o Mineirão, em Belo Horizonte.
Futebol na TV: mais dinheiro envolvido
A FIFA e os cartolas também ganham muito com a venda dos direitos de transmissão dos jogos na TV. Essa negociação envolve esquemas de bastidores, acordos entre os times e as emissoras e movimenta bilhões de dólares todos os anos. Para a Copa de 2014, a FIFA prevê que irá receber 5,7 bilhões de reais das redes de TV de todo o mundo com esse negócio.
Os valores pagos pelas emissoras variam de acordo com o potencial de audiência de cada campeonato. No Brasil, ESPN e Fox Sports dividem os campeonatos europeus, enquanto que a Rede Globo e o Sportv ficam com os campeonatos nacionais. Além disso, há as negociações entre os próprios canais. A Fox Sports, por exemplo, detém os direitos da Libertadores, mas repassa o torneio para a Globo. A própria Globo tem os direitos de vários campeonatos estaduais, incluindo os mais lucrativos, mas vende algumas partidas para a Bandeirantes.
No caso do Campeonato Brasileiro, ocorre também uma negociação direta entre as emissoras e os maiores clubes. Corinthians e Flamengo, donos das maiores torcidas do país, recebem cerca de 110 milhões de reais da Rede Globo ao ano. Outros times também recebem grandes quantias, como o São Paulo (80 milhões) e o Vasco (70 milhões ao ano).
A Globo também detém os direitos de transmissão no Brasil da Copa 2014, mas não divulga quanto pagou – mas dá para ter uma ideia da cifra envolvida: a Rede Record chegou a oferecer 180 milhões de dólares à FIFA (quase 400 milhões de reais), mas a proposta da Globo foi ainda maior.
Esses esquemas, entretanto, são prejudiciais ao próprio futebol. Afinal, as emissoras decidem transmitir apenas as partidas que darão maior audiência e, consequentemente, mais dinheiro dos anunciantes. Ou seja, priorizam os times grandes e os campeonatos mais caros, prejudicando os clubes menores.
A situação é particularmente grave no Norte e Nordeste, onde muitos dos campeonatos estaduais praticamente não têm cobertura da TV. Em estados como Acre, Amazonas, Maranhão ou Paraíba, a Rede Globo prefere exibir o Campeonato Carioca. No Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul, são transmitidos os jogos do Paulistão. Mesmo em estados com times de maior expressão, como Ceará, Bahia ou Pernambuco, muitos jogos dos campeonatos locais ficam de fora, para dar lugar às partidas do Rio ou de São Paulo.
Na verdade, quem manda no futebol brasileiro são eles…
Por conta de sua influência junto aos clubes e à CBF, a Rede Globo também consegue influenciar até mesmo o horário de realização das partidas. Segundo muitos jogadores e torcedores, a prática da emissora de forçar o início dos jogos para depois da novela das nove (ou seja, os jogos começam a partir das 22 horas) é, além da alta do preço dos ingressos, um outro fator determinante para a queda do público nos estádios. Em entrevista ao jornal Lance, Alex, meio-campo do Coritiba, declarou que essa prática é desumana com os torcedores, especialmente com aqueles que dependem do transporte público: “O cara sai de casa ou do trabalho, precisa ir para o estádio dez horas da noite, assistir ao jogo, voltar para casa, e ainda precisa acordar sete horas da manhã no outro dia”.
Em 2013, no embalo dos protestos de junho, Alex foi um dos organizadores do movimento Bom Senso FC, organizado por vários atletas dos principais times brasileiros. Entre outras pautas, o grupo protestou contra o calendário do futebol brasileiro para 2014 – acertado entre Clube dos 13, CBF e Rede Globo, sem qualquer consulta aos jogadores. Saiba mais no artigo “Junho deu uma lição de Bom Senso no futebol”, no site da LSR.
Fama e fortuna para poucos craques
As negociações milionárias de atletas entre os times também geram lucros para empresários e cartolas. Na maior parte dos países, essas transferências envolvem a negociação do passe, ou seja, a compra e venda do contrato entre o jogador e o clube. O preço de um jogador é o valor da multa de rescisão (quebra) desse contrato. Dessa forma, para comprar um atleta de outro time, o clube interessado precisa pagar a multa.
A primeira transferência da história do futebol foi a mudança do atacante escocês Willie Groves, do West Bromwich para o Aston Villa, ambos clubes ingleses, em 1893. A negociação custou apenas 100 libras, cerca de 375 reais na cotação atual. A medida que os empresários foram percebendo que o futebol era mais uma fonte de lucro, esses valores foram crescendo. O atual recorde é do meia Gareth Bale que, no ano passado, foi negociado do Tottenham para o Real Madrid por mais de 85 milhões de libras – mais ou menos 318 milhões de reais!
A partir dos anos 1990, as transferências de jogadores brasileiros para o exterior se tornaram cada vez mais precoces. Hoje em dia, é comum que atletas de 16 anos deixem os campos brasileiros para atuarem na Europa ou na Ásia. Muitos seguem esse caminho imaginando que terão fama e fortuna – como Neymar, atacante do Barcelona e da seleção brasileira, que recebe mais de 35 milhões de reais por ano.
Entretanto, enquanto “Neymares” e outros famosos têm grande exposição na TV e ganham salários de milhões de dólares por mês (e ainda tiram mais um por fora com contratos de publicidade), a grande maioria dos jogadores de futebol no país ganha muito pouco. Dos mais de 30 mil atletas profissionais registrados na CBF, 82% recebem até dois salários mínimos por mês (1.448 reais). Esses jogadores estão espalhados nos milhares de clubes pequenos do país, nas divisões inferiores, nos estados do Norte e Nordeste, no interior ou nas periferias.
O esporte na sociedade socialista
A lógica capitalista transformou não só o futebol, mas todos os esportes, em um grande negócio, um espetáculo para gerar bilhões de dólares para os bolsos de algumas poucas empresas. Para a realização desses espetáculos, milhares de pessoas pobres e trabalhadoras são removidas de suas casas para dar lugar a novos estádios – como aconteceu nas cidades-sede da Copa do Mundo no Brasil e como continuará ocorrendo no Rio de Janeiro, sede das olimpíadas de 2016. E esses estádios, com seus ingressos extremamente caros, servirão apenas para uma parcela muito pequena da sociedade. Ao povo, resta acompanhar pela televisão – isso se a Globo quiser exibir o jogo.
Uma sociedade verdadeiramente socialista irá tratar o esporte da mesma maneira que trataria a saúde e a educação: como um serviço público essencial para o desenvolvimento do indivíduo e para o bem-estar da sociedade. O esporte deve ser parte integrante do processo de melhoria da qualidade de vida do povo. Os esportes competitivos devem ser um instrumento de integração da sociedade, não um espaço para que as pessoas e as torcidas se encarem como adversárias
Se os meios de produção e toda a riqueza estiverem nas mãos da classe trabalhadora, o esporte poderá se desenvolver melhor, com a construção de centros esportivos populares e gratuítos e professores de educação física em todas as escolas, para encontrar e treinar os novos talentos desde jovens.
A remoção da lógica do mercado no esporte irá resultar em grandes resultados em todas as modalidades e na melhoria da qualidade de vida para toda a sociedade. Esse, sim, é o futuro do esporte.