Um olhar sobre o estigma que ronda a mulher vítima de violência

Escrever sobre a minha experiência é difícil e ao mesmo tempo uma reação previsível. Sempre gostei de escrever sobre tudo o que acontecia comigo e nesse caso não poderia ser diferente.

Para mim, é importante falar sobre a agressão que sofri há cinco anos porque acredito ter um papel social. Somente trazendo à tona um tema tão polêmico como a violência contra a mulher é possível aprofundar a discussão e acabar com estereótipos. Enfim, escrever ajuda a exorcizar as más sensações que essa história ainda me traz e pode ser útil para outras pessoas.

Acredito que a maioria dos leitores abomina a violência contra a mulher e que, portanto, não há conflito entre nossas opiniões a esse respeito. Por isso, o foco deste texto não é o horror da agressão em si, mas como a vítima é estigmatizada e continuamente agredida depois de sofrer a violência.

Como é tabu falar sobre esse assunto, existe pouco esclarecimento sobre o tema e a vítima acaba sendo estigmatizada.

Em 2008, quando morava em Barcelona, sofri uma tentativa de homicídio do meu então ex-namorado. Estivemos juntos por um ano e, quando rompi com ele e comecei outro relacionamento, ele ameaçou me matar.

Fui até uma delegacia e fiz uma denúncia. Senti o peso de ser rotulada logo depois disso. Isso porque existe a crença de que é algum tipo específico de mulher que é predisposta a sofrer violência e não algum tipo específico de homem que é predisposto a agredir. Ou seja, acredita-se que o problema está na mulher.

Não é a coisa mais confortável do mundo expor sua vida para os policiais, mesmo que eles sejam gentis, como no meu caso. Ao contrário, é extremamente constrangedor.

Por fazer a denúncia, achei que todos apoiariam aquele gesto de repúdio ao machismo. No entanto, não foi isso o que aconteceu.

Após a denúncia, fui chamada para uma audiência no Fórum de Barcelona. A juíza que atendeu meu caso disse com todas as letras que eu estava querendo me aproveitar da situação. Ela completou dizendo que aquele “menino” tinha ficado chocado com a minha reação.

Um mês depois, em novembro de 2008, este ex-namorado me atacou com uma faca e tentou destruir o meu rosto. Eu mal podia acreditar que tinha saído viva e isso para mim era o suficiente. Já tinha me conformado nos dois dias em que passei achando que não tinha mais cara. Só então consegui me recompor e andar até o espelho do quarto do hospital. Por sorte, minha recuperação foi excelente.

O então ex-namorado foi preso em flagrante e condenado a dez anos de prisão.

Essa agressão desestruturou minha vida de uma maneira que mesmo hoje, mais de cinco anos depois, eu ainda lido com as suas consequências emocionais e práticas.

Depois que meu ex-parceiro tentou me matar, retornei contrariada ao Brasil e percebi o quanto existe de preconceito contra as mulheres maltratadas aqui. Já tivemos muitos avanços em relação aos direitos das mulheres, mas ainda temos mais batalhas pela frente. Por isso é tão importante o trabalho de organizações que lutam para garantir esses direitos e conscientizar a população.

Tenho que reconhecer que muitas pessoas, principalmente meus amigos da Espanha, foram solidárias e sensíveis nesse momento tão perturbador. E muitos amigos não se afastaram apesar dos problemas. Era o que eu esperava. Mais do que isso, seria o que eu faria em uma situação como essa.

Porém, para o meu espanto e tristeza, houve quem dissesse que ninguém ia passar a mão na minha cabeça, que eu devia existir alguma coisa em mim que provocou a agressão e, por fim, que eu não era inteligente e por isso fora atacada.

Tive a impressão de que reconstruíam a ideia que tinham de mim a partir da história da agressão. Passei a ser vista como uma pessoa submissa e conformada por quem antes se identificava com a minha atitude.

A mulher agredida é frequentemente julgada de antemão por ter sido capaz de se relacionar com o agressor. Como se desde o primeiro momento ele se comportasse assim. Talvez em algum nível inconsciente, tomem-na por cúmplice e não por vítima.

Um exemplo disso é o discurso de que mulher que sofre agressão e não se separa gosta de apanhar. Esse discurso não leva em conta o ambiente de horror necessário para tornar uma pessoa refém nem o tamanho da força necessária para arriscar a vida e fazer uma denúncia.

Além disso, a agressão é tratada como um demérito na vida da mulher que deve, de todas as maneiras, abafar o ocorrido. Porque ela, é claro, deve ter tido sua parcela de culpa. Funciona como uma bola de neve. A mulher é continuamente agredida porque foi agredida.

Fui tratada como se tivesse que esconder o que aconteceu. Como se devesse me envergonhar. Eu e qualquer mulher que denuncia deveríamos receber apoio em vez de sermos tripudiadas.

A vergonha não é minha. A vergonha é do agressor. Quem, por ignorância, estigmatiza e culpa a mulher vítima de agressão perpetua o ciclo da violência machista.

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