Venezuela: Conciliação com a burguesia não é o caminho para derrotar a direita golpista

Diante das ameaças da direita golpista venezuelana e da incapacidade até o momento do governo Maduro em dar respostas firmes que atendam às necessidades da maioria do povo em meio à crise no país, cerca de 30 agrupamentos de esquerda decidiram formar, no início de março em Caracas, um Conselho Popular Revolucionário. A iniciativa, que visa resistir às ações da direita, fazendo avançar o processo revolucionário, conta com a participação do Socialismo Revolucionário, seção do CIT na Venezuela.

Desde o início das manifestações em fevereiro, quando setores da direita venezuelana optaram por uma linha de confronto aberto nas ruas contra o governo chavista de Nicolás Maduro, foram registrados 36 mortos e mais de 400 feridos.

Em algumas regiões do país, especialmente nas áreas de fronteira com a Colômbia, o que se vê é o crescimento de ações de grupos paramilitares, muitos ligados à extrema direita colombiana e com apoio dos EUA, criando um clima de verdadeira guerra civil.

No estado de Táchira, vários municípios estão sob controle de paramilitares. Em Mérida, um clima de terror se criou quando uma estudante de origem chilena, Giselle Rubilar, foi assassinada quando tentava, junto com outros moradores, desobstruir as ruas de acesso a seu bairro, bloqueadas nas chamadas guarimbas organizadas pela direita. Confrontos entre forças de oposição e aquelas leais ao governo têm provocado mortos e feridos em várias regiões do país.

No golpe contra Chávez em 2002, uma das políticas adotadas pela direita e o imperialismo estadunidense foi a de criar um clima de terror e instabilidade que desgastasse o governo e justificasse sua derrubada. Parte da oposição de direita trabalha hoje com a mesma lógica.

Dessa vez, porém, as possibilidades de um golpe no mesmo estilo daquele de 2002 são muito menores, uma vez que a direita não pode contar com a maioria das forças armadas a seu lado. Além disso, a poderosa resistência popular contra o golpe foi um dos fatores que levou à radicalização política do chavismo, empurrando-o à esquerda, além de impor a desmoralização da direita. Grande parte da direita e do próprio imperialismo teme um desfecho semelhante hoje.

Por outro lado, a combinação dos efeitos da grave crise econômica vivida pela Venezuela com as ações conscientes de sabotagem e desestabilização por parte da direita e dos grandes poderes econômicos, pode levar o governo Maduro a uma situação de impasse. Nesse cenário, não se pode descartar a possibilidade de queda do governo e antecipação das eleições.

Crise econômica

A gravidade da situação está mais relacionada à crise econômica e social e à falta de respostas claras por parte do governo diante dela do que, propriamente, à força da oposição. A essência do modelo chavista foi o controle público e uma redistribuição mais equitativa da renda do petróleo venezuelano. Essa política por si só significou enfrentar interesses poderosos refletidos na tentativa de golpe de 2002 e na paralisação petroleira patronal de 2002/2003.

Ao contrário de Lula e Dilma, que só privatizaram, Chávez foi empurrado a promover nacionalizações de empresas, ainda que o fizesse pagando altas indenizações e sem garantir o controle dos trabalhadores.

Porém, apesar da retórica “socialista”, o chavismo nunca superou a lógica do mercado capitalista. Nunca houve um planejamento econômico baseado no controle público dos principais meios de produção. A Venezuela sempre ficou dependente da exportação do petróleo e da importação de quase todo o resto.

Com o agravamento da crise internacional, a América Latina de conjunto entra numa rota de instabilidade e crise. Se isso já está evidente no Brasil de hoje, países como Argentina e Venezuela expressam o ponto mais agudo dessa situação.

Com um déficit fiscal da ordem de 15% do PIB, representando quase 50% do orçamento e queda nas reservas internacionais em 20% no último ano, o governo venezuelano se vê diante de uma situação crítica.

Sem romper com a lógica do capital, a Venezuela dificilmente escaparia de medidas brutais de ajuste econômico que atingissem diretamente os trabalhadores e representassem um retrocesso em relação às conquistas anteriores.

Com Chávez à cabeça do governo, as chances de que uma parcela significativa dos trabalhadores aceitasse apertar o cinto, pelo menos por um período, seriam muito maiores. A morte de Chávez, porém, representou uma inflexão na situação.

Os caminhos da Oposição

Nas eleições de abril de 2013, Maduro venceu Capriles, o candidato unitário da oposição, por uma margem muito estreita (apenas 200 mil votos) e não tinha a autoridade de Chávez. Com o crescimento da oposição aliado ao peso da inflação e perda do poder aquisitivo para os trabalhadores, a Oposição esperava derrotar de forma quase plebiscitária o chavismo nas eleições municipais de dezembro de 2013 e, com isso, acelerar a queda de Maduro por vias institucionais.

Mas isso não aconteceu e o PSUV e aliados venceram na maioria dos municípios. Desde então, um setor da oposição, encabeçada entre outros por Leopoldo López, abandonou a estratégia institucional e passou a investir no caminho mais abertamente golpista, utilizando-se das mobilizações iniciadas por estudantes de classe média em fevereiro desse ano.

Parcelas significativas da Oposição não pretendem esperar o prazo legal para a realização de um referendo revogatório que só poderia acontecer em 2016. Querem impor a queda de Maduro já.

Maduro na direção errada

Diante da crise econômica e das ações da direita, o governo Maduro investe prioritariamente na conciliação com setores do empresariado e na busca de uma base comum de acordo com os setores mais moderados da oposição.

Com essa fórmula, o governo tende a enfraquecer sua base de apoio entre os trabalhadores e aqueles que mais sofrem com a crise. Isso porque a única base de acordo possível com setores do empresariado e da direita é sobre a base de uma política que coloque nas costas dos trabalhadores o peso da crise.

No mesmo momento em que trabalhadores ocupam fábricas fechadas fraudulentamente por seus donos e exigem sua nacionalização, como no caso da indústria alimentícia Pollos Souto no estado de Lara, o governo prefere dar concessões aos empresários.

Nesse contexto, o crescimento de lutas dos trabalhadores do período anterior, relativamente amortecido com a ameaça golpista da direita, deve retornar cedo ou tarde. Se a esquerda socialista venezuelana não for capaz de dirigir essas lutas por salários, empregos e melhores condições de vida e arrancar conquistas para os trabalhadores, é a direita que vai usar essa situação.

A formação do Conselho Popular Revolucionário é um passo, junto com outras iniciativas, na direção da construção de uma alternativa autônoma dos trabalhadores para derrotar a direita golpista. Uma alternativa que não fique amarrada aos limites, freios e hesitações do governo e setores burocráticos e pró-patronais do movimento chavista.

A organização autônoma dos trabalhadores é a base para a construção de um caminho anticapitalista e verdadeiramente socialista para a Venezuela. Esse caminho passa pelo controle e gestão do conjunto da economia por parte dos trabalhadores organizados. Essa é a base de um verdadeiro governo dos trabalhadores.

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