Como uma Socialista Ganhou

     Todo mundo sabe que é preciso aceitar dinheiro de corporações e trabalhar dentro do sistema de dois partidos dominados por corporações para se eleger, certo? Não foi assim com Kshama Sawant. Em novembro, aproximadamente 100,000 eleitores a elegeram para a Câmara de Vereadores de Seattle – como uma socialista assumida – e ela não recebeu um centavo de dinheiro de corporações!

     Numa enorme reviravolta política, a vitória de Sawant transmitiu ondas de choque pelo cenário político dos EUA e até mesmo pelo mundo. Sawant é a primeira socialista independente eleita numa grande cidade dos EUA em décadas. Sua vitória histórica foi coberta por todos os grandes jornais do país, pelas grandes redes de televisão e por jornais através do mundo.

     Agora ela e seu partido político, a Socialist Alternative (organização irmã da LSR nos EUA), estão liderando um movimento para implementar sua principal reividicação de campanha: aumentar o salário mínimo de Seattle para o maior valor do país – $15/hora – e o movimento está se espalhando nacionalmente.

     Como Sawant e a Socialist Alternative obtiveram sucesso em destronar um Democrata com boas conexões, estabelecido no cargo por 16 anos? Seria Seattle a Meca da política progressista?

     “Nossa campanha não é um evento isolado,” clama Kshama Sawant. “Na verdade, ela é o prenúncio do que acontecerá no futuro.”

     Soa bem. Mas estaria ela sonhando?

Lição 1: Os Tempos Mudaram

     O sucesso de outros progressistas em novembro sugere que isso não é apenas um sonho. Bill de Blasio foi eleito por maioria esmagadora na cidade de Nova York por prometer lutar contra a inequidade e a brutalidade da polícia racista – muito como Sawant, apesar de ele não ser nem de perto um socialista.

     Ty Moore, outro candidato da Socialist Alternative, concorreu à Camara dos Vereadores de Minneapolis e por apenas 230 votos não conseguiu ser eleito. O movimento trabalhista no Condado de Lorain, em Ohio, se encheu das traições dos Democratas e foi bem sucedido, elegendo duas dúzias de candidatos “trabalhistas independentes” (apesar de alguns ainda terem mantido laços com o Partido Democrata).

     “É um sinal dos tempos,” argumenta Khsama Sawant. “A Grande Recessão provocou uma reação dos 99%. As pessoas estão cheias de perderem seus empregos, suas casas e suas pensões.”

     Um novo estudo descobriu que os 1% mais ricos capturam 95% dos ganhos recebidos na “recuperação” economica enquanto a classe trabalhadora viu seus salários diminuírem. Dívidas estudantis ultrapassam $1 trilhão, mais que o total das dívidas de cartão de crédito acumuladas em todo o país.

     Como resultado, uma erupção de resistência da classe trabalhadora vem se erguendo através do mundo: revoluções no Oriente Médio, greves gerais pela Europa, uma revolta trabalhista em Winsconsin, o Occupy Wall Street, Turquia, Brasil, Ucrânia… É só uma questão de tempo antes que a próxima luta das massas surja.

Lição 2: Método de Transição

     Todos estão falando sobre inequidade – e muitas pessoas estão ansiosas para fazer algo sobre isso – mas poucos movimentos ativistas nos EUA tem sido capazes de dar uma expressão popular a esse desejo efervescente.

     O Occupy Wall Street lançou a questão da inequidade ao conhecimento public, mas eventualmente o movimento começou a perder força, sem um caminho claro à frente. Como ativistas do Occupy foram captados pelas eleições corporativistas em 2012, o Socialist Alternative sugeriu que o Occupy poderia reconstruir o movimento lançando 200 candidatos independentes do Occupy pelo país. Infelizmente, pouquíssimos ativistas responderam a esse chamado e discussões sobre desafiar a inequidade foram afogadas pela mídia corporativista, que refocou os debates políticos em torno dos interesses de Obama, Romney, e outros políticos de corporações.

     Uma exceção foi a resposta tremenda que Kshama Sawant, então ativista do Occupy, recebeu em sua primeira campanha eleitoral em 2012, quando ela ganhou 29% dos votos contra o presidente da Câmara de Washington. Isso demonstrou o potencial que o Occupy poderia ter tido, se lançasse candidatos independentes.

     Aproximadamente no mesmo período, trabalhadores de companhias de fast-food e do WalmMrt prenderam o imaginário das pessoas, organizando contínuas greves de um dia pelo país exigindo salário mínimo de $15/hora e condições de trabalho decentes. Em 2013, a campanha de Sawant resgatou os grevistas em Seattle, e nós da Socialist Alternative reconhecemos que a demanda de salário mínimo de $15 adquiriu grande ressonância. Decidimos focar a campanha em torno de um chamado para “Tornar Seattle Acessível a Todos”, com três demandas concretas específicas: controle dos aluguéis e de habitação acessível, impostos para os super-ricos para financiar o transporte coletivo e educação pública e, acima de tudo, um salário mínimo de $15.

     A Socialist Alternative usou o que chamamos de “método de transição”: conectamos-nos à consciência cotidiana das pessoas, as encontramos no ponto onde estão, e apontamos um caminho a seguir que auxilie os movimentos sociais a alcançarem a vitória. O método de transição também inclui ligar demandas de melhorias básicas no dia-a-dia dos trabalhadores com a necessidade de uma reestruturação fundamental do poder e riqueza na sociedade, numa linha socialista.

Lição 3: Abertura Crescente ao Socialismo

     Apesar da demonização universal do socialismo pela mídia corporativista e pelo estabelecimento político, as campanhas de Moore e Sawant demonstraram que “socialismo” não é mais uma palavra tabu. Várias pesquisas, inclusive essa enquete do Gallup, constataram que um terço dos americanos reagem positivamente à ideia do “socialismo” – um crescimento histórico desde décadas atrás e um crescimento de 3% de 2010 a 2012. Entre afro-americanos e a juventude (idades entre 18 e 29) existe mais suporte ao “socialismo” que ao “capitalismo” – um sinal do que está por vir.

     Um dos segredos do nosso sucesso foi nossa análise dos diversos níveis de consciência política de diferentes setores da população. Apesar de apenas um pequeno número de pessoas se identificar conscientemente como socialistas, existe uma seção bastante ampla da população, especialmente da juventude, que são muito abertos a ideias socialistas. Existe uma seção maior ainda que questiona o capitalismo, e quase todo mundo está com raiva de Wall Street e da “política corporativa de sempre”.

Lição 4: A Necessidade de Liderança Política

     Nossa campanha eleitoral tocou no desgosto com o estabelecimento politico (apesar de ampla confusão política), e educamos as pessoas, elevamos consciência de classe e popularizamos ideais socialistas. Por exemplo, Sawant popularizou a ideia de que grandes corporações como a Boeing não deveriam ser comandadas pelo lucro de poucos mas deveriam tornar-se propriedade publica e comandadas democraticamente pelos trabalhadores e pela comunidade.

     Porém, a raiva da classe trabalhadora à logica política corporativista que tem efervescido abaixo da superficie nunca teria se expressado em Seattle se não tivéssemos tomado uma iniciativa eleitoral ousada. É por isso que é vital que movimentos trabalhistas e outros movimentos progressistas não somente organizem atos, greves, etc. mas também sigam o exemplo de Sawant e do movimento trabalhista de Ohio de lançar candidatos independentes. De outra forma, as discussões políticas e os debates feitos na sociedade serão controlados e limitados pelos dois partidos corporativistas.

     Se ativistas da classe trabalhadora e organizações progressistas não construírem uma forte alternativa política de esquerda, então o vácuo da crescente raiva na sociedade será preenchido ou por demagogos de direita ou por democratas populistas que tentarão conter nossos movimentos dentro dos canais “seguros” do Partido Democrata.

     Para construir sobre o momento criado pelos 29% de votos conseguidos por Sawant em 2012, a Socialist Alternative fez um apelo ao Occupy, a grupos trabalhistas e de direitos civis, e a partidos de esquerda a juntarem-se a Sawant em lançar uma gama de candidatos progressistas vigorosamente independentes para a câmara de vereadores de Seattle no ano seguinte. Infelizmente, eles falharam em ver a oportunidade existente, negaram nosso chamado, e muitos continuaram a bater a cabeça contra a parede do Partido Democrata.

     Em Minnesota, em contraste a isso, o conselho estadual dos sindicatos da SEIU não apenas endorsou a campanha socialista de Ty Moore como contribuiu com consideráveis recursos financeiros e humanos. Se mais sindicatos e organizações progressistas direcionassem seus recursos para lanças e/ou apoiar candidatos independentes como esse, não há duvida de que poderíamos lanças muitos candidatos independentes com sucesso, e começar a construir um novo partido político dos 99%.

     O enorme impacto de Sawant demonstra como candidatos a uma liderança política são absolutamente necessários para dar uma expressão visível à raiva e desejo de mudança na sociedade subjacentes – e a canalizar esse descontentamento com interesses claros.

     O quanto mais poderia ser realizado se nós tivéssemos nossa própria voz política independente: um partido de massas, lutando pelos trabalhadores e expondo a agenda corporativista de Republicanos e Democratas? Um novo partido político de trabalhadores, negros e negras, e ambientalistas mudaria todos os termos do debate no pais, unificaria diversos movimentos, e elevaria significativamente a consciência dos trabalhadores sobre nossos reais interesses. Construir esse partido é hoje uma tarefa absolutamente essencial.

Lição 5: O Papel Crucial da Socialist Alternative

     Muitos ativistas progressistas tem argumentado que construer um partido como a Socialist Alternative é um “sectarismo” e uma “distração” de construir um movimento mais amplo. Apesar de a Socialist Alternative ainda não ser grande o suficiente para preencher o vácuo que existe para um terceiro partido amplo, está claro que Sawant não poderia ter ganhado se nós não tivéssemos construído nossa organização nos anos anteriores a 2013.

     Foi a análise política da Socialist Alternative que nos permitiu identificar a oportunidade que existia para candidatos independentes de esquerda. E foi somente a existência da nossa organização ativista que os permitiu implementar nossa tática e testar essa perspectiva na prática. Sem uma organização, nossa analise e nossas ideias teriam permanecido sem serem testadas, e uma oportunidade histórica teria sido perdida.

     Enquanto a campanha de Sawant se apoava em forças muito mais amplas que a Socialist Alternative sozinha, a corrente serviu como coluna vertebral da campanha, politicamente e organizacionalmente. Sem um núcleo organizado de ativistas socialistas experientes e dedicados, não teria sido possível organizar uma campanha popular com quase 450 voluntários e concretizar uma aliança mais ampla do jornal The Stranger, seis sindicatos locais, organizações de direitos civis, organizações de imigrantes, partidos progressistas, e muitos outros.

     Sawant definitivamente não poderia ter ganhado se não tivéssemos construído a Socialist Alternative apesar de todos os negativistas nos dizendo que éramos sonhadores utópicos desperdiçando nosso tempo. Contra todas as probabilidades, nos tivemos que dolorosamente construir nossa organização praticamente do nada.

     Por anos, organizamos e educamos trabalhadores e juventude nas ideias de Marx que o sistema capitalismo é assolado por crises e progressivamente incapaz de atender as necessidade básicas das pessoas comuns, e que a classe trabalhadora é a força revolucionária que pode construir nova sociedade. Além disso, nos beneficiamos imensamente das perspectivas marxistas contemporâneas, ideias e experiência do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores, uma organização socialista presente em mais de 45 países pelo mundo.

Lição 6: Um Apelo de Clase Ousado

     Outra lição do sucesso de Sawant é que a maioria das pessoas não querem candidatos brandos e moderados que se comprometam com grandes empresas. A maioria das pessoas está ansiosa para ver algo diferente, uma liderança política que se mantenha firma contra o massacre corporativista.

     O Partido Verde lançou alguns bons candidatos de esquerda, mas quando terceiros partidos lançam candidatos em-cima-do-muro que são apenas marginalmente diferentes do estabelecimento corrupto, eles realmente limitam seu apelo. A popularidade de Sawant partiu de seus ataques implacáveis aos políticos republicanos e principalmente aos democratas que serviam como ferramentas de grandes indústrias.

     A promessa de Sawant de viver apenas com o salário de um trabalhador médio e doar o resto de seu salário para construir movimentos de justiça social fez com que ela se destacasse. Ela não permeou a linha entre a classe trabalhadora e a elite no poder; ela ficou completamente do lado da classe trabalhadora.

     E ela inspirou grande entusiasmo por não economizar socos e argumentar de forma ousada (apesar de também diplomaticamente) por seus princípios.

Lição 7: Por Princípios, Mas Sem Sectarismos

     Enquanto nossa campanha argumentava claramente que a mudança social não acontecerá sob o comando nem de Republicanos nem de Democratas, nos também tivemos uma abordagem não-sectária com os eleitores que apoiavam Sawant mas ainda não tinham rompido completamente com o Partido Democrata. Nós recebemos de braços abertos muitos ativistas que estavam animados em serem voluntários para nossa campanha mas que também estavam se voluntariando para democratas em outras disputas. Em outubro de 2013, inclusive, um grupo chamado “Democratas por Sawant” foi formado, expressando o descontentamento de filiados ao partido democrata com a liderança de seu partido.

     Diferente de alguns radicais de extrema esquerda, nós não criamos barreiras artificiais que impediriam pessoas começando a se mover numa direção positiva de se envolverem com Sawant. Enquanto apoiassem nossas demandas centrais e nossa candidata que persistentemente criticava o Partido Democrata e o capitalismo, nós estaríamos abertos ao seu apoio.

     Mas crucialmente, nós utilizamos um tom amigável e paciente para explicar nossas posições. Uma atitude impaciente e condescendente teria sido contraproducente. Ao mesmo tempo, não nos curvamos de forma oportunista à pressão intensa de que baixássemos nossa bandeira socialista ou endossássemos candidatos democratas.

     Essa abordagem transicional foi essencial para convencer um número de sindicatos a endossar nossa campanha. Inicialmente, praticamente todos os lideres trabalhistas rejeitaram nossas campanhas eleitorais e endossaram nossos oponentes democratas – Chopp em 2012 e Conlin em 2013. Mas eventualmente nossa abordagem de princípios e não-sectária e nosso apelo de classe ousado seguiu angariando mais e mais apoio entre os ativistas ligados aos sindicatos. Em outubro de 2013, ganhamos uma forte maioria para tentar o apoio do Sindicato Trabalhista de King County. Infelizmente, a votação de 28 a 21 ficou um pouco abaixo dos dois terços necessários para um endosso oficial.

Lição 8: Angariação de Fundos em Massa e Alcance

     Nós não poderíamos ter ganhado sem utilizar uma abordagem ousada e séria para angariação de fundos. Richard Conlin, adversário de Sawant na disputa, angariou $242,000, mas nós construímos um poderoso baú de guerra de $141,000, mais da metade do que Conlin arrecadou. E ainda assim, nossas doações partiram de forma esmagadora de pessoas da classe trabalhadora e de ativistas – 1400 dos doadores fizeram doação média de apenas $40.

     Sem essas doações, não poderíamos ter custeado necessidades cruciais como 140,000 malas diretas, aproximadamente 50,000 folhetos, mensagens por telefone, alguns anúncios em jornais, cinco faixas, mais de doze organizadores.

     Nossa campanha inspirou 450 voluntários a cobrir a cidade com aproximadamente 7,000 cartazes e 1,350 placas de jardim e a bater em mais de 17,000 portas. Nós ligamos para milhares de eleitores, fizemos campanha financeira em mercados, e participamos de protestos e paradas. Nossa equipe também trabalhou incansavelmente, conseguindo em torno de 150 artigos na mídia ao longo da campanha.

     Fomos extremamente felizes em ter o apoio do The Stranger, um periódico liberal semanal que é o segundo maior jornal de Seattle. Isso se deu parcialmente por conta de nossa abordagem estratégica de selecionar cuidadosamente a que cargo concorreríamos. Crucialmente, escolhemos disputas em que seria provável ter apenas um oponente, sem nenhum republicano concorrendo, para que os democratas não pudessem assustar as pessoas para que votassem no “menos pior”. (Na maior parte das grandes cidades, o Partido Democrata tem um monopólio da política local, e outras campanhas podem certamente encontrar situações parecidas para concorrer em todo o país.) E tanto em 2012 como em 2013, desafiamos incumbentes que tinham ocupado o cargo por pelo menos 16 anos – tempo o bastante para expor suas conexões corporativistas e enraivecer seus apoiadores da classe trabalhadora.

Lição 9: Junte-se à Luta!

     Por ultimo, mas não menos importante, nós tivemos Khsama Sawant – uma mulher imigrante, inteligente, eloquente, ávida, mas diplomata concorrendo contra homens brancos, ricos, velhos e da situação, tanto em 2012 quanto em 2013.

     Sawant é uma oradora impressionante e uma lutadora determinada, sem dúvidas. Mas ela também é uma pessoa comum que aconteceu de comparecer a fóruns públicos em 2008 e se impressionou com a clareza política dos representantes da Socialist Alternative. Através de discussões com a Socialist Alternative, ela decidiu dedicar sua vida a lutar por um mundo socialista.

     A maioria das pessoas comuns subestima gravemente nosso próprio potencial em jogar um papel em mudar o mundo. Nós deveríamos seguir o exemplo brilhante de Sawant e nos comprometermos à essa causa pela qual não há maior recompensa. Nada nessa vida tem mais significado que lutar ombro a ombro com outras pessoas da classe trabalhadora para acabar com a inequidade, a opressão, e a devastação ambiental. Junte-se à Socialist Alternative hoje!

Você pode gostar...