Vamos construir mais “rolezinhos” na luta pelo direito à cidade e contra a criminalização da juventude da periferia

     Os chamados “rolezinhos” são encontros marcados virtualmente por jovens da periferia em espaços como praças, estacionamentos e shoppings, contando com a participação de milhares de jovens, com o intuito de se conhecerem e de se relacionarem. Independente do cenário, o funk é a trilha sonora que predomina. Esse movimento foi uma das formas que essa juventude encontrou para dar resposta imediata à repressão ao gênero musical (em especial os classificados como “proibidão e “ostentação”) em diversas cidades brasileiras, como Rio de Janeiro e São Paulo, para darem continuidade a sua diversão.

     Esses eventos têm sido criminalizados por empresários, setores da burguesia, da classe média e meios de comunicação. O primeiro episódio de maior repercussão foi em novembro de 2013, no Shopping Vitória, na Enseada do Suá, no Espírito Santo, quando a Polícia Militar cercou o estabelecimento para “proteger” lojistas e consumidores ameaçados por um suposto “arrastão”. Na verdade, tratava-se de uma juventude preta, pobre e funkeira que ocupara o shopping para se proteger da violência da tropa da PM que acabara de encerrar à força o baile funk que acontecia no pier ao lado. Tal acontecimento foi um verdadeiro retrato de cenas clássicas de racismo: a polícia chegou rapidamente e saiu prendendo todo e qualquer jovem que se enquadrasse no “padrão funk”. Nenhum registro de violência, depredação ou qualquer tipo de crime. Absolutamente nada além da presença física.

     Essa situação escancarou o verdadeiro apartheid social existente no Brasil no qual, no lugar das leis racistas, a criminalização da pobreza cumpre o papel de segregação social, em que a discriminação étnico-racial é velada. Em que o preto pobre da periferia, ao enfrentar as barreiras da organização da cidade, é considerado um criminoso em potencial.

     Mesmo com esse episódio, no dia 14 de janeiro, no segundo rolezinho do ano, no Internacional Shopping Guarulhos, na Grande São Paulo, a polícia prendeu 23 jovens, alegando “perturbação de sossego”. Intensificando a criminalização, um juiz de São Paulo concedeu uma liminar que prevê multa de R$ 10 mil para quem comparecer para a prática do rolezinho nos shoppings. Para a efetivação da liminar, policiais e seguranças revistam e selecionam as pessoas que podem entrar no estabelecimento. Ora, apesar de não ser um espaço privado, o shopping não é um lugar de livre circulação? Qual é o critério para a revista e permissão de entrada?

     O critério é nada além do corpo negro estigmatizado pela condição social, pelas vestes e pelo local de moradia.

     Em solidarização aos jovens presos e em repudio à criminalização da juventude negra da periferia, estão sendo marcados “rolés” em varias cidades brasileiras. Em 16 de Janeiro, militantes de movimentos sociais como MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), Periferia Ativa – Comunidades em Luta e Resistência Urbana – Frente Nacional de Lutas fizeram um “Rolezão Popular” no Shopping Campo Limpo, zona sul da cidade de São Paulo. Trabalhadores, sem-tetos, mulheres, jovens, negros e negras e moradores da periferia da Grande São Paulo se reuniram em protesto contra a discriminação e a violência aos jovens da periferia, em especial pelos shoppings e pelo judiciário.

Um “rolezinho” para desmascarar a criminalização da juventude negra das periferias

     O movimento dos “rolezinhos” é um ato político de manifestação de expressão cultural da comunidade negra historicamente criminalizada, como ocorreu com a capoeira e o samba, sendo o funk o destaque da vez. Para além disso, este movimento ilustra a crítica dessa juventude ao atual modelo de organização urbana auto-segregado, em que temos a política de construção de espaços privados nas áreas centrais que atendem à especulação imobiliária, o acesso a cultura e lazer restringido a quem pode pagar, a priorização de construção de espaços de cunho privado de interação coletiva – como o caso dos shoppings e parques de diversões – em detrimento dos espaços públicos como praças, parques e museus, coibindo, portanto, a expressividade espacial da juventude periférica e intensificando o alijamento do intercâmbio cultural.

     Nesse cenário de atendimento, por parte dos governantes, aos interesses do grande capital – ou seja os interesses dos empresários e conglomerados financeiros se sobrepondo aos interesses dos trabalhadores – nos últimos 10 anos, as políticas dos governos Lula e Dilma, de transferência de renda e facilitação de abertura de crédito, impulsionaram uma suposta criação de uma camada social mercadológica, propagandeada como a “Nova Classe C”. Essa juventude teve sua incorporação no mercado de bens de consumo, sendo orientada a ocupar em seu tempo livre espaços com tais finalidades, que contraditoriamente são lugares frequentados pela elite branca que estipulam padrões de comportamentos socioculturais que a juventude negra periférica não se enquadra, promovendo episódios de expressões de preconceitos sociorracias como já expostos acima.

     A violência policial não se restringe aos “rolés”. A oficialização da criminalização da pobreza através de uma política de segurança pública que prioriza o extermínio de pobres, negros, favelados – como no caso do jovem Douglas Martins, pobre, negro, da periferia de São Paulo, assassinado por um policial em outubro de 2013 – apresentando índices de mortalidade de guerra civil. De acordo com a pesquisa “A cor dos Homicídios no Brasil”, primeiro levantamento nacional sobre mortes decorrentes de homicídios com recorte étnico, promovida pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, realizada pelo sociólogo Júlio Jacobo Waiselfisz, no período de 2002 a 2010, o país registrou 418.414 mortes. Destas, 65,1% (272.422 pessoas) eram negras. O número de homicídios de brancos, dentre esses oitos anos, teve uma queda de 25,5%. Já os homicídios de negros apresentaram um aumento de 29,8%.

     A tendência de vitimização de negros no Brasil entre a população jovem se intensifica. A pesquisa sobre homicídios e juventude publicada em 2013 pela Secretaria Nacional de Juventude, também realizada pelo sociólogo Waiselfisz, aponta que, em 2011, 51 jovens foram assassinados a cada dia do ano, registrando um total de 18.436 jovens assassinados no país. Com taxas deste tipo de mortes superiores aos doze maiores conflitos armados no período de 2004 e 2007 no mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde, o Brasil ocupa a sétima posição entre os 95 países com maiores taxas de homicídios de jovens por 100 mil habitantes, tendo como percentual 27,4 homicídios no total geral e os impressionantes 54,8 por 100 mil especificamente na população jovem.

     Vivemos em uma era de verdadeiro genocídio. A participação negra correspondeu a 71.4% do total de homicídios na população jovem em 2011. Neste ano, a proporção de mortes de vitimas negras foi 153,4% maior em relação às vitimas brancas.

     Cabe salientar que a cor da pele e o território definem os que são marginais e cidadãos. Portanto, os “rolezinhos” além de serem uma manifestação espontânea de luta em prol do direto à cidade e da liberdade de manifestação cultural da juventude da periferia, representam, mesmo que inconscientemente, a luta contra o extermínio da juventude periférica, em que a burguesia defende a morte dos pretos e pobres para solucionar os problemas socias.

Eu vou à luta com essa juventude! Todo apoio aos “rolezinhos” e “rolezões”!

     O ano de 2013 ficará na história do país. A juventude cumpriu um papel protagonista junto com as trabalhadoras e trabalhadores nas manifestações de junho, que se incorporaram às reivindicações dos movimentos populares e movimento sindical, que estiveram presente nas paralizações nacionais convocadas pelas centrais sindicais que ocorreram nos dias 11 de julho e 30 de agosto, nas lutas de ocupações de terra no campo e na cidade, greves e bloqueios de rodovias.

     A revolta popular gerada pelo estopim do aumento das tarifas dos transportes públicos, combinado com a crise econômica, os gastos bilionários com as obras da Copa do Mundo e Olimpíadas em detrimento de investimentos nas áreas socias como educação e saúde, além das remoções geradas pelo atendimento à especulação do grande capital, deslocando os pobres para as periferias metropolitanas, sem garantia de nova moradia digna para os removidos, culminou na luta pelo direito à cidade. Os megaeventos estão servindo de pretexto para as cidades serem moldadas a serviço do capital, em que seus espaços estão a venda.

     Em meio a todos esses fatores, os “rolezinhos e “rolezões”, apesar de serem movimentos que surgiram espontaneamente já nos primeiros dias de 2014, não sabendo ao certo que proporção tomarão, são mobilizações que refletem as lutas de 2013, em que a juventude indignada ocupa os shoppings como forma de protesto pelo direito à cidade, direto de ir e vir, direito à sua manifestação cultural, direito de garantir sua própria existência!

     É nosso dever ocupar os shoppings e todos os espaços de interação que sejam privatizados, mas as jornadas de junho nos mostraram que é ocupando as ruas que a juventude e as trabalhadoras e os trabalhadores conseguiram o caminho da vitória!

     Mas para isso, é necessário nos organizarmos coletivamente para pautar as lutas da juventude da periferia. Canalizar esta revolta em torno de uma luta contra o sistema é tarefa dos socialistas.

Por isso, defendemos:
• Contra a discriminação das manifestações culturais das comunidades periféricas! Abaixo a criminalização do Funk!
• A denúncia do genocídio da população pobre e dos negros da periferia!
• A descriminalização da pobreza e a não-criminalização das manifestações e lutas populares!
• A desmilitarização da Policia!
• A auto-organização da juventude em bairros e escolas!
• Um Encontro Nacional dos movimentos de junho, onde todas estas pautas de direito à cidade sejam unificadas!
• Por mais espaços públicos e de lazer nas periferias!

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