Após o congresso do Syriza
Batalhas partidárias prometem ser tão duras como a luta de classes grega
A liderança do Syriza alcançou os principais objetivos que havia estabelecido para o primeiro congresso do agora partido “unificado” que teve lugar em julho. As organizações que compõem o Syriza, Coligação da Esquerda Radical, vão agora ser dissolvidas – “dentro de um prazo razoável”, de acordo com a moção do congresso – e o presidente do partido foi eleito pelo Congresso, e, portanto, não prestará contas a nenhum organismo do partido, como o Comité Nacional, mas apenas ao congresso que se realizará em cada três anos.
Mas o que a liderança não conseguiu fazer foi enfraquecer a ala esquerda do Syriza. Pelo contrário, provocou o aproximar e o fortalecimento da esquerda. Assim, o conflito no seio do Syriza está longe do fim e entrou num novo período de tensão e polarização.
Este congresso foi convocado para decidir o carácter organizacional do Syriza, não para discutir a situação política na Grécia, o programa do partido, etc., num período em que este se está a posicionar para se tornar o novo governo. Na realidade, no entanto, por trás das questões de organização estão questões políticas. A liderança do partido, sob Alexis Tsipras, está determinada a colocar o Syriza numa trajetória política mais “moderada”, para direcioná-lo para a “direita”. Durante todo o período anterior houve uma “adaptação” contínua da política do partido por parte do grupo de liderança – sob a pressão contínua da classe dominante e da comunicação social.
Os líderes da ala direita do partido, tais como Giannis Dragasakis e George Stathakis, nunca se cansam de enfatizar que o Syriza não vai tomar uma “ação unilateral” sobre a dívida sem negociações com a Troika, que a nacionalização dos serviços públicos privatizados “é extremamente difícil “, e que as isenções fiscais para os proprietários de navios não vão ser revogadas, etc.. Estas declarações são contrárias às decisões oficiais das conferências e outros organismos do Syriza, mas têm sido toleradas por Tsipras.
A imagem do partido apresentado por Alexis Tsipras tem sido, no mínimo, contraditória. Em relação aos memorandos de austeridade da Troika e à dívida tem sido um jogo de palavras contínuo: variando de “repúdio” para “renegociação”, às vezes uma “moratória”, e depois em “suspensão”, transformando a coisa toda numa piada. O principal slogan que tinha levado o Syriza a disparar nas duas eleições em 2012 (maio e junho) – por um governo de esquerda – foi alterado para “um governo de salvação social”, que tem sido publicamente interpretado pela ala direita do Syriza no sentido de colaboração com o Partido dos Independentes Gregos, a Esquerda Democrática (que fazia parte do governo até Junho), e até mesmo com sectores do Pasok (ex-socialdemocratas) e da Nova Democracia (equivalente aos Conservadores).
Questões políticas fundamentais
A essência das divergências, portanto, tem a ver com as principais questões políticas desse período: a dívida vai ser repudiada ou não? Será que os bancos e empresas estratégicas serão nacionalizados ou permanecerão a dominar a economia o grande capital privado, grego e multinacional? O Syriza está pronto para um conflito frontal com a zona do euro? Estas questões não são fixações ideológicas. Referem-se, na prática, a como é que a sociedade pode sair do desastre que está a viver. No fim de contas, a questão que se coloca é: será o sector público ou o sector privado a locomotiva para o desenvolvimento da economia?
Escolher o sector público como locomotiva é uma necessidade absoluta e o único caminho possível. O que nos levou à crise de hoje é nada mais do que o funcionamento do sector privado – tudo subordinado aos interesses do grande capital. E, em nome de dar “incentivos” ao capital privado, supostamente, a fim de investir, a política da “China-ização” dos trabalhadores gregos (rebaixando salários e condições de trabalho) continua, provocando a catástrofe social que estamos atravessando .
Mas o sector público só pode ser uma locomotiva para o crescimento económico com base na nacionalização dos bancos e os sectores estratégicos da economia, a criação do controlo e gestão social e dos trabalhadores, a fim de combater a corrupção e escândalos, um confronto inevitável com a zona do euro e a UE, bem como a proteção da economia de sabotagem dos capitalistas (através do controlo dos movimentos de capitais e do comércio exterior).
Ao mesmo tempo, a necessidade da luta comum com os trabalhadores do resto da Europa deve ser também colocada como crucial para o movimento dos trabalhadores na Grécia. Tudo isto aponta para a necessidade de um modelo económico e social alternativo – o Socialismo – que a maioria na liderança do Syriza não está preparada para articular. É por isso que escolhe lutar no seio do partido sobre as “questões organizacionais”, apresentando-se como “unificadores” e “democratas”, contra os seus oponentes.
Assim, de repente, as organizações que compõem o Syriza transformaram-se num grande problema e tiveram que ser abolidas. Mas por que é que eram um problema? Quando se disparou de 4% a 27%, foi o “Syriza das correntes”: uma formação política federal, resultante da cooperação de diferentes organizações políticas.
Abolindo os componentes, o Syriza está a dissolver as diferentes organizações políticas e efetivamente a subjugá-las à maior organização política dentro do partido, o Synaspismos (Coligação da Esquerda dos Movimentos e Ecologia). Mas se o Syriza não se tivesse criado como uma coligação, em 2004, nunca poderia ter alcançado a sua posição de hoje. Foi precisamente a ideia e a experiência de uma ampla cooperação de muitas e diferentes organizações políticas, que atraiu milhares de combatentes da esquerda, especialmente os não-alinhados.
Radicalismo, uma dor de cabeça para a liderança do Synaspismos
A maioria dos componentes estavam à esquerda do Synaspismos. Enquanto o Synaspismos era pequeno, a sua liderança necessitava do radicalismo dos componentes: para sobreviver, inicialmente, e depois para ganhar uma dinâmica. Mas agora que a liderança do Synaspismos começou a chegar mais perto do poder governamental, este radicalismo tornou-se uma dor de cabeça. Por isso, propôs a dissolução dos componentes em “tendências”, sem a capacidade de manter uma existência independente, ou expressão pública das suas próprias posições. Ao mesmo tempo, propôs que o presidente do partido fosse eleito pelo Congresso e não no Comité Nacional do partido.
Ao longo da história da esquerda na Grécia, os líderes do partido (secretários-gerais ou presidentes) foram eleitos pelos Comités Nacionais. A razão é simples: o Comité Nacional reúne-se regularmente e pode controlar o presidente – e substituí-lo se considerar necessário. Quando o presidente é eleito pelo Congresso, que nos Estatutos de todos os partidos é o órgão permanente supremo acima do Comité Nacional e várias conferências, então o único corpo que pode controlar o Presidente é o Congresso.
Na prática, isto significa que a partir de agora, e até ao próximo Congresso, dentro de três anos, a política do Syriza será decidida, em última instância, por Alexis Tsipras e a sua própria equipa presidencial. As dezenas de milhares de membros do Syriza não têm nenhuma maneira de controlar o seu presidente. Temos uma cópia da estrutura dos partidos burgueses, Pasok e a Nova Democracia!
Congresso polarizado
A esquerda do Syriza, em particular a Plataforma de Esquerda, tentou politizar a batalha. Opôs-se às propostas organizacionais da liderança e também colocou alterações ao texto político básico do congresso. Essas alterações incluíram chamadas para o repúdio da dívida, a nacionalização dos bancos e sectores estratégicos da economia, um governo preparado para uma ruptura com a zona euro e UE, e uma luta por um governo de esquerda, com exclusão de qualquer um dos partidos do sistema. Todos as propostas saíram derrotadas, mostrando que a liderança se recusa a adoptar uma política muito radical de choque com os grandes interesses privados, a classe dominante e a Troika.
As propostas da esquerda ganharam o apoio de cerca de um terço dos delegados, mas foi menos do que o apoio a alterações similares que obteve 45% ou mais apoio na conferência do Syriza em Novembro do ano passado. O carácter polarizado deste congresso, dividido em “campos” endurecidos, foi parcialmente responsável por esse resultado. Mas também o Syriza atraiu toda uma nova camada de oportunistas, muitos do Pasok, com os seus próprios “exércitos pessoais” de adeptos, que nos limitados debates pré-congresso – em média foram realizadas apenas duas reuniões das organizações locais do Syriza, concentrando-se principalmente sobre as questões organizacionais – não tinham real interesse na discussão política.
Mas a táctica da liderança de polarizar o Syriza para derrotar a esquerda, e a arrogância que mostrou em antecipar a vitória, trabalhou contra ela num importante número de delegados. Na conferência de Novembro, a Plataforma de Esquerda obteve o apoio de 25% para sua lista ao Comité Nacional. Desta vez, enquanto que a lista de ‘unidade’ da liderança foi apoiada por 2.294 delegados (67,21%), a lista de Plataforma à esquerda ganhou 1.023 votos (30,15%), com 60 membros eleitos para o CN. O aumento, como tal, não é particularmente grande, mas é importante já que a maioria liderança chegou ao congresso com o objectivo de diminuir, se não ‘exterminar’ a Plataforma de Esquerda. Esse objetivo não será nada fácil.
Xekinima (CIT na Grécia) apoia ativamente a ala esquerda do Syriza, apesar das divergências que temos numa série de questões. A maneira como, por exemplo, a Corrente de Esquerda, a principal força da Plataforma de Esquerda, colocou a questão do euro em relação ao período anterior, arriscou o perigo de criar a ilusão de que uma mudança na moeda, em si, seria uma maneira de sair da crise. Ou que poderia ser alcançado dentro do contexto de um só país. Além disso, um número de sindicalistas da Corrente de Esquerda estão aquém das necessidades do movimento, enquanto que a cooperação dos quadros da Corrente de Esquerda com burocratas Pasok não é raro.
Mas a esquerda como um todo, e não apenas dentro do Syriza, está num processo de evolução. O fermento a que se está a assistir dentro das fileiras da esquerda não tem precedentes. Dentro do Syriza agora trava-se uma batalha que está sendo conduzida por forças de esquerda de todos os tipos de origens e que estão a tentar parar o caminho da liderança para a direita. Dentro destas batalhas, estão a tirar-se conclusões, desenvolvem-se entendimentos e novas alianças podem vir à superfície. Esses processos também estão em andamento (embora em menor escala), quer na ANTARSYA (Coligação de Esquerda Anti-Capitalista) quer no Partido Comunista Grego (KKE), apesar das lideranças de ambos estarem a tentar silenciá-los por todos os meios, onde a questão principal tem sido a cooperação com outros, à esquerda.
O próximo período de Syriza não é de unidade ou fraternidade. É a abertura de um processo de aglutinação de forças para as batalhas que estão para vir. Estas batalhas não vão ser “civilizadas”, mas serão exatamente tão duras como a luta de classes que se está desenvolvendo, e que se reflete dentro Syriza. A extrema-direita do Syriza e o grupo dirigente que gravita em torno de Tsipras fizeram as suas escolhas. Eles arregaçaram as mangas e mostraram as suas intenções de forma muito clara. A esquerda é obrigada a responder. Em certo sentido, os realmente grandes confrontos no Syriza apenas começaram.
[O texto acima foi extraído de um artigo mais completo publicado no site da Xekinima, traduzido para o Socialism Today por Amalia Loizidou]