Mursi deposto – nenhuma confiança nos generais

 

Pela ação independente dos trabalhadores e pobres

 

A deposição e detenção do presidente Mursi pelas forças armadas marcam um novo estágio, desafiador, mas potencialmente perigoso nos desdobramentos da revolução egípcia.

O fim de Mursi veio rapidamente com mobilizações envolvendo até 17 milhões de pessoas, o que equivale a aproximadamente 20% da população de Egito (veja o artigo “Enormes protestos pedem a queda de Mursi”).

A escala, o poder e a velocidade deste movimento foram chocantes. Foi uma ilustração de algo visto frequentemente nas revoluções: após o período inicial de esperança e euforia, há frequentemente movimentos massivos renovados daqueles decepcionados com o que parecem ser os parcos resultados obtidos.

O Egito viu uma queda rápida no apoio a Mursi, um apoio que sempre foi limitado. No primeiro turno da eleição presidencial do ano passado Mursi ganhou com apenas 5,7 milhões de votos, aproximadamente 11% do eleitorado do Egito (51 milhões). Os 13,2 milhões de votos de Mursi no segundo turno se explicam, na maior parte, pelo desejo de barrar seu rival Shafiq, ex-comandante da força aérea e ministro de Mubarak.

Cada vez mais Mursi e seu governo da Irmandade Muçulmana enfrentaram a oposição de muitas fontes. Até agora as debilidades da revolução em trazer melhorias econômicas e sociais concretas e a crise econômica crescente fomentou greves e protestos. A tentativa fracassada de “golpe institucional” para conseguir mais poder por parte de Mursi, em novembro 2012, representou um marco para muitos, assim como seu apoio declarado à polícia depois que mais de 40 pessoas morreram em batalhas armadas contra as forças da segurança em janeiro passado em Port Said.

A tentativa de domínio da Irmandade Muçulmana produziu também a oposição crescente dos segmentos seculares e cristãos, além de seus rivais religiosos islâmicos como o partido Nour, fundamentalista sunita, que se juntou aos protestos no fim de junho.

Pode-se dizer que o que vimos foram duas lutas separadas contra Mursi. De um lado, há um movimento popular de massas, mas de outro, os remanescentes do estado “profundo” de Mubarak, especialmente o alto comando das forças armadas que têm seus próprios interesses econômicos e políticos e que estão tentando explorar a oposição massiva para sua própria vantagem.

 

 

Potencial revolucionário e perigo contrarrevolucionário

 

 

Estes dois elementos ilustram o potencial e os perigos que a revolução do Egito enfrenta.

A velocidade e o fôlego do movimento mostram a tremenda energia e o potencial da revolta. Mas, na ausência da construção de um movimento independente dos trabalhadores capaz de lutar por uma alternativa socialista, a cúpula das forças armadas, ajudados por um grupo de políticos pró-capitalistas, pôde aproveitar-se da situação. Os generais estavam evidentemente receosos de que a situação poderia sair do controle do seu ponto de vista de classe. Há informes dos trabalhadores iniciando greves em 3 de julho e mais trabalhadores planejando greves anti-Mursi para 4 de julho, algo que poderia ter conduzido a classe trabalhadora a tomar ações de massas, incluindo uma greve geral. Os generais claramente buscaram tomar a iniciativa de depor Mursi antes que um levante popular o fizesse.

Os líderes militares agiram para defender seus próprios interesses pessoais e os interesses de uma parte da classe dominante do Egito. Ao mesmo tempo, apreciaram o apoio tácito das principais potências imperialistas e também da classe dominante de Israel. Houve apenas uma crítica suave por parte de Obama e de outros líderes imperialistas sobre o golpe dos generais, com reivindicações genéricas por democracia. Dados seus históricos, os líderes das forças armadas e de segurança egípcios dificilmente poderão reivindicar-se como “democratas”. Mas isto não preocupa Obama e companhia que estão bem satisfeitos com regimes autoritários na Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, no Qatar, etc.

Este golpe militar de facto permitiu que Mursi pose como um defensor da democracia e alegue a oposição a ele foi coordenada “pelos restos do velho regime” que pagou com o “dinheiro da corrupção” os ataques à Irmandade Muçulmana e “trouxe o velho regime de volta para o poder.” Não há dúvida de que elementos do velho regime de Mubarak estão envolvidos no movimento contra Mursi, mas os protestos de massa se fundamentam na oposição e na decepção com a Irmandade Muçulmana. Ao mesmo tempo, não há dúvida também que alguns setores que apoiam Mursi o fazem por causa de sua oposição às forças armadas, especialmente por causa de suas memórias da repressão brutal do velho regime de Mubarak sobre toda a oposição incluindo a Irmandade Muçulmana.

Nesta situação é absolutamente essencial que os esforços sejam redobrados para construir um movimento independente de trabalhadores, não apenas sindicatos, que possam oferecer uma alternativa e um chamado real àqueles trabalhadores e pobres que estão apoiando Mursi para fazer oposição às forças armadas e à velha elite. Esta é a única maneira que o movimento dos trabalhadores pode tentar limitar a capacidade dos agrupamentos religiosos fundamentalistas reacionários de se apresentarem como os principais oponentes a um regime controlado pelos militares.

A importância disso fica clara diante do perigo contínuo de divisões sectárias que se aprofundam entre sunitas, cristãos, xiitas e grupos mais seculares. Já alguns comentadores estão advertindo que a Irmandade Muçulmana pode ser empurrada para o lado pelos setores mais fundamentalistas, os agrupamentos jihadistas em luta contra os seculares e as forças armadas pró-ocidente. Enquanto a situação ainda não é esta, não se pode esquecer que o cancelamento das eleições na Argélia em janeiro 1992 promovido pelas forças armadas para impedir a vitória da Frente de Salvação Islâmica (FSI) conduziu a uma guerra civil de oito anos, que custou entre 44.000 e 200.000 vidas e que puxou para trás o desenvolvimento da luta das massas na Argélia.

 

 

Os trabalhadores não podem apoiar este golpe

 

 

Não pode haver nenhum apoio por parte dos socialistas a este golpe de estado. O movimento crescente da classe trabalhadora necessita manter sua independência das forças armadas e de Mursi. O envolvimento das forças de oposição chamadas de “liberais” ou de “esquerda”, como o agrupamento Tamarod (Rebelde), com as forças armadas é um tiro que sairá pela culatra. Eles serão vistos como colaboradores, especialmente se as forças armadas usarem métodos repressivos e autoritários contra seus oponentes ou futuros movimentos dos trabalhadores e greves. Os líderes dos trabalhadores não devem ter nada a ver com governos militares ou pró-capitalistas. Caso contrário, é possível que a Irmandade Muçulmana, ou outras forças similares, tentem assumir a direção de futuras lutas anti-austeridade e anti-repressão.

As forças armadas já estão mostrando como querem que as coisas funcionem. Primeiramente estabeleceram uma estrutura de poder dominada por elementos pró-capitalistas, e então permitirão que as pessoas votem. Os generais apontaram um presidente novo e planejam instaurar um governo civil tecnocrata “forte e competente”, ao lado de um comitê para revisar a constituição, enquanto a corte suprema encaminhará um projeto de lei sobre eleição parlamentar e se prepararão para eleições parlamentares e presidenciais.

Relata-se que muitos manifestantes anti-Mursi sentem-se “empoderados” após sua remoção, mas apesar da enorme rejeição a Mursi e do fato de que as manifestações de massa foram tremendamente significativas, isto não significa em si mesmo que há um “empoderamento” das massas. Ter o poder de fato é uma questão de organização e de quem detém o controle do Estado. No Egito, atualmente, são os generais que estão tentando consolidar seu próprio poder pelas costas do movimento de massa.

Inevitavelmente nesta crise econômica o novo governo será pressionado pelo FMI para começar as chamadas “reformas” que incluirão provavelmente cortes aos subsídios e outras medidas de austeridade. Isto sedimentará bases para a luta de classe quando as forças armadas e seu governo tentarem partir para a ofensiva, possivelmente usando cada vez mais medidas autoritárias e brutais para tentar impor sua vontade.

Por isso é tão importante que o movimento popular se organize para lutar por suas próprias demandas e contra a instauração de um regime sustentado pelos militares.

 

 

A classe trabalhadora deve construir sua própria alternativa

 

 

Há dois anos e meio atrás, no dia em que Mubarak renunciou, o CIT distribuiu um panfleto no Cairo defendendo: “Nenhuma confiança nos chefes militares! Por um governo dos representantes dos trabalhadores, pequenos agricultores e pobres!”.

As palavras de ordem daquele panfleto são válidas ainda hoje. Nós defendemos que:

“a massa do povo egípcio deve afirmar seus direitos e decidir o futuro do país. Nenhuma confiança deve ser depositada nas figuras do regime ou de seus senhores imperialistas para administrar o país ou organizar as eleições. Deve haver eleições imediatas, inteiramente livres e garantidas por comitês massivos dos trabalhadores e pobres, para uma assembleia constituinte revolucionária que possa decidir o futuro do país.

“O processo já iniciado de formação dos comitês locais e organizações genuinamente independentes dos trabalhadores precisa ser acelerado e espalhado de forma mais ampla, além de articulado nas diferentes regiões. Um chamado claro para a formação de comitês democráticos eleitos e organizados em todos os locais de trabalho, comunidades e entre a base das forças armadas encontraria uma resposta ampla.

“Estes organismos devem coordenar a remoção do velho regime, manter a ordem, garantir os suprimentos e, o mais importante, devem ser a base para um governo dos representantes dos trabalhadores e dos pobres que esmagaria os restos da ditadura, defenderia direitos democráticos e começaria a ir ao encontro das necessidades econômicas e sociais da massa dos egípcios.”

Desde então houve um avanço tremendo no movimento dos trabalhadores egípcios em termos de sindicatos, comitês e experiência de ação. Isto fornece base para criar o tipo do movimento de massas necessário.

Em fevereiro de 2011 nós escrevemos que a revolução egípcia podia ser “um exemplo enorme aos trabalhadores e aos oprimidos ao redor do mundo, de que a ação de massas pode derrotar governos e regimes, não importando quão fortes possam parecer.”.

Isto é tão real hoje como era então. O movimento de massas renovado no Egito pode inspirar aqueles que não estão vendo mudanças reais com as revoluções, como no caso da Tunísia, ou que se alarmam diante da degeneração da luta na Síria no que se torna cada vez mais uma guerra civil sectária, ou diante da contínua repressão na Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, etc. Mas enquanto os últimos dias no Egito mostraram a força potencial da ação de massas, mostraram também outra vez a necessidade do movimento dos trabalhadores ter um programa e um plano de ação claramente socialistas, caso contrário outras forças podem tentar desviar, e finalmente derrotar, a revolução.

 

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