Grandes protestos exigem a queda de Mursi
Não à intervenção dos generais! Por um governo dos trabalhadores!
O primeiro aniversário de Mohammed Mursi como presidente do Egito foi marcado por manifestações ainda maiores do que as que levaram à queda de Hosni Mubarak em janeiro de 2011.
De acordo com fontes dos ministérios militares e do interior, entre 14 e 17 milhões de pessoas protestaram no dia 30 de junho, domingo, em todo o país.
Vinte milhões de assinaturas foram coletadas em uma petição (que demandou a verificação da identidade dos signatários), exigindo a renúncia de Mursi. Isso equivale a mais do que um quarto da população do Egito e muito mais do que os 13.2 milhões que votaram em Mursi no segundo turno das eleições presidenciais em 2012!
Grandes multidões de manifestantes permaneceram nas praças do Cairo, de Alexandria e em diversos lugares ao longo da noite. Outra grande marcha foi anunciada para o dia 3 de julho, terça-feira. Escritórios da Irmandade Muçulmana foram atacados e manifestantes foram mortos por tiros disparados de dentro dos prédios.
Essas grandes demonstrações são uma nova fase na revolução. Mas, como vimos no decorrer dos últimos anos, na ausência de um movimento socialista forte, outras forças tiram proveito de novos movimentos.
Há muitas razões para o descontentamento contra o governo de Mursi, dominado pela Irmandade Mulçumana. Motoristas esperam em filas de até sete horas para comprar gasolina. Cortes de energia duram mais do que dez horas em muitas áreas. O valor da libra egípcia caiu 20%, aumentando os preços dos alimentos acima da inflação, que atualmente é de 8.2% ao ano. O desemprego continua alto enquanto o crescimento econômico diminui, com investimento estrangeiro e turismo em queda. O índice de ocupação em hotéis mal alcança 15% no Cairo e está abaixo de 5% em Luxor, embora os resorts do Mar Vermelho ainda estejam ocupados.
Políticas de Mubarak continuam, mas protestos crescem
Parceiros de negócios do regime de Mubarak são agora cortejados pelo governo de Mursi. Alguns empresários que enfrentam investigações e processos por corrupção e especulação no regime de Mubarak receberam indultos com Mursi. A Associação Egípcia de Desenvolvimento Empresarial (Egyptian Business Development Association), fundada pelo empresário da Irmandade Mulçumana Hassan Malek, reúne capitalistas de destaque para influenciar as políticas do governo da mesma forma que fazia o filho de Mubarak, Gamal.
Muitas pessoas temem que um novo “estado cliente” da Irmandade Muçulmana esteja em criação e estão insatisfeitas com a nomeação de membros da Irmandade Muçulmana a cargos públicos, como governadores estaduais, e a cargos de chefia na Federação da União do Comércio Egípcia (Egyptian Trade Union Federation). Jornalistas têm sido atacados enquanto fazem a cobertura de manifestações e alguns críticos famosos da Irmandade Muçulmana perderam seus empregos na mídia estatal. Comediantes foram presos por insultar o presidente. Até cantores e músicos da Cairo Opera House fizeram greve em solidariedade à diretora, depois que ela foi demitida pelo Ministro da Cultura em maio.
Os protestos alcançaram uma dimensão nunca antes registrada, de acordo com o Centro de Desenvolvimento Internacional (International Development Centre). No último ano do regime de Hosni Mubarak houve uma média de 176 protestos por mês. A média de 2013 tem sido 1.140 protestos por mês, com um total de 9.427 protestos durante o primeiro ano de presidência de Mursi. Metade desses protestos foram por parte de trabalhadores, incluindo 1.013 greves e 811ocupações. Houve 500 marchas e 150 bloqueios de vias.
Os que esperavam que a queda de Mubarak marcaria o início de uma era de direitos democráticos têm se enfurecido em face de medidas repressivas adotadas pelo regime de Mursi. Enquanto empresários do tempo de Mubarak recebem tratamento leve do regime Mursi, o Ministro da Aviação ordenou a demissão de quinze trabalhadores do Aeroporto do Cairo por participarem de uma greve. Cinco estivadores da Companhia de Contêineres Portuários de Alexandria (Alexandria Port Containers Company) foram condenados a três anos de prisão por liderar uma greve em outubro de 2011. Suas sentenças acabam de ser revogadas em segunda instância.
Em 26 de junho Mursi prometeu novas medidas para lidar com o “vandalismo” e o “terrorismo”, incluindo obstrução de vias – uma ameaça velada de repressão mais dura contra os trabalhadores que agirem para defender seus meios de subsistência e suas comunidades.
Manifestação de 30 de junho
Um novo grupo, o Tamarod (que em árabe significa “rebelião” ou “rebelde”), foi lançado em abril por ex-membros do Kefaya – que organizou protestos por direitos democráticos na época de Mubarak. O grupo estabeleceu o objetivo de coletar 15 milhões de assinaturas em uma petição que exigia a renúncia de Mursi. A petição se centrou em questões democráticas, sociais e econômicas urgentes. O grupo afirma não haver justiça para os mortos pelas forças de segurança durante a revolta anti-Mubarak, “os pobres não têm lugar na sociedade”, a economia está em ruínas, o governo é obrigado a “mendigar” empréstimos ao FMI e o regime Mursi está condenado a “seguir os passos dos EUA”. Em algumas semanas, o grupo alega a adesão de 6.000 voluntários e mais de 100.000 seguidores no Facebook. Muitos movimentos políticos de oposição existentes têm apoiado a campanha, inclusive o Movimento da Juventude do 6 de Abril (April 6 Youth Movement), o liberal Partido da Constituição (Constitution Party), o Partido da Aliança Socialista Popular (Socialist Popular Alliance Party) e o Partido Egito Forte (Strong Egypt Party), fundado por Moneim Abul-Fotouh, ex-líder da Irmandade Muçulmana, que disputou as eleições presidenciais com Mursi.
A necessidade de um partido de massas da classe trabalhadora
Enquanto há um compreensível clima para a união, um clima anti-partidário reflete a frustração de muitos com os inúmeros partidos que surgiram depois da derrota de Mubarak. Muitos desses partidos clamam por algum tipo de democracia capitalista, enquanto deixam os verdadeiros comandantes do Egito intocados – generais e empresários que não são sujeitos a nenhum tipo de eleição. O entusiasmo de líderes partidários por escritórios bem pagos não inspirou a confiança da classe trabalhadora e das camadas populares.
O Tamarod reivindica a renúncia de Mursi, para ser substituído por um Primeiro Ministro independente por seis meses que “vai encabeçar um governo tecnocrático cuja missão é elaborar um plano econômico de urgência para salvar a economia egípcia e expandir as políticas de justiça social”.
‘Salvar a economia (capitalista) egípcia’ significará mais ataques aos trabalhadores e aos pobres com cortes nos subsídios da alimentação básica e mais privatização para satisfazer o Fundo Monetário Internacional – o contrário das exigências, em janeiro de 2011, por pão, liberdade e justiça social.
Trabalhadores e pobres precisam de um salário mínimo que seja suficiente para viver, uma semana de trabalho mais curta sem perda de salário, um programa massivo de construção de moradia, escolas e hospitais e investimento em transporte público, o que criaria empregos. Demandas socialistas combinadas com um programa de direitos democráticos poderiam ganhar apoio maciço se apresentados por um partido de trabalhadores construído pelos sindicatos.
Sem tal programa, os líderes da Irmandade Muçulmana podem continuar a apoiar-se numa camada conservadora dentro das massas empobrecidas, especialmente no interior. Assim como Erdogan na Turquia foi capaz de mobilizar um número significante de pessoas a seu favor, houve importantes manifestações em apoio a Mursi, com cerca de 100.000 no Cairo em 21 de junho, embora houvesse menos registros de manifestações a seu favor em 30 de junho, domingo. Um programa socialista, dirigido para os interesses de classe dos pobres e que denuncie os interesses empresariais de alguns líderes da Irmandade Muçulmana, poderia dividir camadas significativas do apoio a Mursi.
Golpe militar?
O general Abdul Fattah Al-Sisi, Chefe Supremo das Forças Armadas e Ministro da Defesa, disse no dia 23 de junho que os militares poderiam ser convocados a intervir para evitar que o país “caia em um túnel escuro de criminalidade”, traição, conflitos sectários, ou colapso das instituições estatais.
Em 1º de julho, segunda-feira, oficiais superiores emitiram um ultimato a Mursi e a líderes políticos de oposição para que entrassem em acordo entre si em 48 horas e acabassem com a perigosa polarização no Egito.
O que os generais do exército e toda a classe dominante mais temem é a ação sólida independente da classe trabalhadora e da juventude, o que poderia ameaçar seus interesses. Além disso, elementos ligados ao antigo regime de Mubarak estão buscando defender seus interesses, assim como o imperialismo dos EUA. No entanto, os generais não parecem confiantes em promover uma intervenção militar direta, pelo menos no momento. Em vez disso preferem desempenhar o papel de ‘árbitros’, tentando forjar um governo de ‘unidade nacional’.
Uma posição perigosamente confusa de alguns líderes do Tamarod sugere que eles apoiariam os militares a retomarem o poder. Mahmoud Badr, porta-voz do Tamarod, acolheu a declaração dos líderes militares. “O exército respondendo às exigências do povo irá coroar nosso movimento”, ele disse. Multidões na Praça Tahir aplaudiram quando souberam da notícia, cantando, “O Exército e o povo são uma só mão”.
Parece possível que nos bastidores o governo dos EUA tenha mudado seu foco, que antes era de defesa de Mursi, para a defesa do exército como a melhor maneira de estabilizar o país e sua economia capitalista. Dez ministros do governo renunciaram em 1º de julho, revelando que Mursi deve lutar para manter-se no poder. Mursi, procurando desviar a crítica da Irmandade Muçulmana, acusa os “ex-associados” do regime deposto de Mubarak de tramar o colapso de seu regime e em 2 de julho rejeitou as exigências do exército.
Muitos oficiais superiores não querem assumir responsabilidade direta pelo governo, nesse momento. Eles preferiram deixar a Irmandade Muçulmana receber as críticas enquanto cresce a oposição ao seu comando. Entretanto, sem dúvidas há os que nas forças militares e de segurança anseiam por retomar o poder que eles exerciam durante o longo comando de Mubarak. As forças armadas possuem seus próprios setores estratégicos da economia, com oficiais superiores fazendo fortunas controlando-os. Eles querem estabilidade econômica e política tanto quanto qualquer outro empresário para continuar a ganhar dinheiro.
Faz apenas dezoito meses desde que o governo militar estava atirando em manifestantes no Cairo. Qualquer governo – Islâmico ou laico, civil ou militar – que defenda a permanência do capitalismo atacará os interesses da vasta maioria dos egípcios.
Sectarismo ameaça
A falta de um programa que contemple as necessidades diárias dos trabalhadores por parte do Tamarod ou de qualquer dos partidos principais está permitindo um vácuo perigoso pelo qual o veneno do sectarismo pode explodir. Cristãos Coptas se sentem ameaçados pelo programa da Irmandade Muçulmana de Islamização e pelos ataques a igrejas.
Mursi e a Irmandade Muçulmana se alinharam com os sheiks reacionários da Arábia Saudita e do Golfo apoiando a oposição Sunita ao regime de Assad na Síria. Há três milhões de muçulmanos Xiitas no Egito. Clérigos Salafitas extremistas denunciaram os Xiitas, com um Membro do Parlamento descrevendo-os como “mais perigosos do que mulheres nuas” e uma ameaça à segurança nacional. Nessa atmosfera sectária, uma multidão de 3.000 pessoas atacou casas Xiitas na vila de Zawyat Abu Musulam dia 23 de junho, arrancando quatro homens de suas casas e matando-os.
Por um governo dos trabalhadores e uma democracia socialista
Ativistas socialistas e sindicalistas podem construir movimentos que superem as divisões sectárias construindo apoio a um programa de solidariedade de classe contra o inimigo comum representado pelo grande capital, seja imperialista ou egípcio. As lutas do início da revolução em 2011 ainda continuam. Muitos sindicatos independentes surgiram em todo o país nos últimos anos. O próprio Mursi chamou a atenção às 4.900 greves registradas que ocorreram nos últimos 12 meses. Uma greve geral pode reunir setores oprimidos da sociedade e pode ganhar o apoio da classe média. Mas uma greve geral não pode ser convocada apenas para derrubar um ditador e vê-lo ser substituído por outro, seja um general, um empresário ou um político capitalista.
Comitês de greve eleitos democraticamente e comitês de ação em todo local de trabalho, comunidade local e universidade poderiam discutir e elaborar um programa para a verdadeira mudança revolucionária. Eles podem ser integrados em nível local e nacional, lançando as bases de um governo de representantes dos trabalhadores e das camadas pobres.
Convocar os trabalhadores da região a atuar de forma similar contra a pobreza, o sectarismo e a repressão pode servir para edificar um movimento pelo socialismo por todo o Oriente Médio e Norte da África.