Ataques do governo levam milhares as ruas em Portugal!

Entrevista com Gonçalo Romeiro, militante do Socialismo Revolucionário de Portugal, sessão do CIT-Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores.

Portugal esta vivendo uma das maiores crises do últimos anos, como que vocês estão vendo está crise?

A crise de Portugal no início foi apresentada como uma consequência da crise internacional. O quadro do subprime, do próprio sistema financeiro americano, afetou os dois bancos BPP e BPN. Eram bancos que tinham mais ativos de risco, muita corrupção, e eram utilizados por muitas figuras fortes do regime para lavagem de capital e mais uma série de vários crimes financeiros. Mas foi apresentado também como uma crise da dívida. Ou seja, diziam que Portugal nos últimos vinte, trinta anos tinha se endividado demais, e isso não podia continuar tínhamos que colocar as contas em ordem, etc., todo esse tipo de retórica.

O problema é que, tal como acontece agora no Brasil, o que aconteceu nas últimas décadas é que o capitalismo tinha chegado em uma fase de superprodução, de não conseguir escoar os seus produtos. A economia globalizada produzia demasiado e não conseguia se manter na concorrência, tendo em conta o nível de poder de compra. A distribuição de rendimentos que havia era muito desigual no caso de Portugal, por exemplo.

Não havia forma de escoar esses produtos, então utilizou-se o acesso ao crédito fácil. Os bancos ganharam muito dinheiro com isso, criou-se uma bolha imobiliária, criou crédito para compra automóveis, mobília, viagem, uma séria de coisas, que era exatamente para o sistema capitalista conseguir escoar os produtos que não conseguia vender de outra forma. Então, o problema é que a crise de Portugal atualmente é exatamente enquadrada nesse contexto.

Quando nos inserimos na União Europeia, tivemos que nos incluir em uma lógica de economia europeia que tinha a sua distribuição própria, tinha um centro, tinha uma periferia e o centro ia ganhar dinheiro na relação com a periferia. Ou seja, Portugal entrou na União Europeia em uma lógica diferencial de ampliar seus mercados e por isso é que a indústria, a pesca, a agricultura foram destruídas. Portugal iria em troca de crédito fácil, de fundos europeus, se tornar um cliente da Alemanha, França, da Bélgica, dos países do centro. Então, isso não foi nem fruto da corrupção dos nossos políticos corruptos, que na verdade foi uma consequência disso, e não foi uma política dos “preguiçosos” do sul. Foi uma política concreta dos países do centro para os países do Sul.

Os capitalistas do centro ganharam muitos frutos com a ampliação de seus mercados e a economia portuguesa recebeu dos fundos europeus para reconstruir os impérios dos capitalistas portugueses. Depois do 25 de abril, a revolução que derrubou a ditadura do Salazar, a maior parte da economia foi nacionalizada e muitos dos monopolistas da ditadura fugiram de Portugal. Mas com a entrada da União Europeia e com os fundos europeus permitiram que eles voltassem para Portugal para reconstruir seus impérios e são eles que continuam hoje em dia a serem os maiores burgueses de Portugal, desde a 150 anos que são. A crise é realmente uma crise muito mais profunda que uma crise da dívida, a dívida é só mais uma consequência disso.

A crise Portuguesa antes do caso do BPN e do BPP estava dentro dos limites controláveis. O estado injetou muito dinheiro nesses bancos para cobrir os prejuízos dos grandes acionistas e só a partir daí que a dívida “excessiva” em Portugal. Nós tínhamos menos dividas em relação ao PIB que a Alemanha.

Portugal como não tem como ter agricultura ou indústria competitivos dentro do quadro da União Europeia. Um exemplo é relacionado a plantação de oliveiras. A lei europeia diz que Portugal só pode plantar arvores com uma distancia determinada entre elas, que é grande, então planta-se menos em Portugal. Isso coloca Portugal em uma situação de desvantagem em relação a países maiores como a Espanha que pode plantar muito mais oliveiras, então não nos tornamos competitivos.

Então tudo isso acumulado, em uma situação de crise a burguesia só tem a divida para investir com um rendimento garantido, e assim a especulação financeira começou. A crise que nos apresentam é sobre endividamento, mas é muito mais profundo que isso.


Como essa situação de crise tem afetado a vida dos portugueses?

Os primeiros afetados pela crise são pessoas que ficaram sem emprego. Alguns perdem emprego por causa do fechamento das fábricas que ainda temos. A partir do momento que o estado se sobre-endivida a primeira coisa que se faz é reduzir nos efetivos, demitir. Nos últimos 10 anos o aumento nos contratos precários faz que muitos trabalhadores tenham contrato individual, precário. Ele trabalha ao lado de uma pessoa que tem trabalho permanente, mas ele paga muito mais impostos, não tem seguro desemprego, não tem segurança contratual que o outro tem. Esses são os primeiros a serem demitidos. Primeiro na administração pública, mas também nas empresas privadas, que são afetadas pela quebra no consumo, os salários congelam. Nos últimos anos os salários tem perdido poder de compra consistentemente, todos anos e isso afeta aquilo principalmente as pequenas empresas que vivem do consumo interno e começam imediatamente a sentir os efeitos na queda do consumo. Cada dia mais de 20 pequenas empresas estão falindo.

Essas pessoas não tem seguro desemprego e ficam completamente sem rendimentos. Não tem como pagar a casa e ficam sem ter aonde morar, precisam voltar para a casa dos pais, quando tem essa sorte. Funcionários públicos estão perdendo direitos que tinham ganhado com sua luta, como sistema de saúde melhor. O nivelamento é sempre por baixo, dizem sempre “os funcionários públicos já tem demasiado”, então eles tem que perder para se nivelarem aos funcionários privados e não ao contrário.

Os desempregados ficam sem casa, como na Espanha, e a entrega da casa não chega a pagar a dívida, precisam continuar pagando hipoteca. Os filhos dos trabalhadores deixaram de ter acesso ao ensino superior, o abandono escolar do ensino superior é o mais alto da última década. Essa nova geração de “precários” é de onde vem o movimento que levou à grande manifestação de 12 de março de 2011. São filhos de uma geração com mais direitos, puderam estudar e ter um ensino superior. Quando se formam não conseguem emprego nenhum, ou tem trabalho precário, na maior parte das vezes nem é na própria área profissional que escolheram.

A precariedade oficialmente é apresentada como algo que é necessário, para “preencher seu currículo” e por isso em muitos estágios você paga para trabalhar, como na área do turismo, ou do direito. Isso é sempre apresentado como uma forma transitória, mas muita gente fica em trabalho precário por muito tempo. Ontem em uma manifestação dos estivadores, eu vi um colete de um estivador que dizia: “estivador intermitente há 18 anos”. Há 18 anos ele é um trabalhador precário. Há 18 anos que os portos precisam do trabalho dele, ou seja é uma necessidade permanente, no entanto não tem um contrato permanente e isso é muito comum. Atacam essas pessoas, com o argumento de que é necessário fazer com que o sistema de proteção social seja sustentável, dizem “há muito mais velhos, as pessoas vivem mais tempo, nós não temos dinheiro de pagar suas aposentadorias”.

Diante da precarização da vida dos portugueses e dos ataques que vocês estão sofrendo por parte do governo e da classe dominante, existe resistência popular?  

A resistência à austeridade capitalista teve como eixo inicial a intervenção da CGTP (central sindical dirigida pelo partido comunista) que tem vindo a sair dos limites estreitos tradicionais do movimento sindical para abrir uma tímida colaboração com os movimentos sociais que surgiram há cerca de dois anos na sequência da manifestação da “Geração à Rasca”.

A rápida degradação das condições socioeconômicas e a falta de alternativa politica crível tem levado ao surgimento de amplos movimentos inorgânicos como a manifestação da “Geração à rasca” de março de 2011 ou a manifestação “Que se lixe a troika, queremos as nossas vidas”, convocadas por pequenos grupo de indivíduos, desencadearam picos de ativismo e trouxeram para a arena política muitos novos ativistas em busca de alternativas.

Nos últimos 3 meses, fundamentalmente depois da manifestação “Que se lixe a troika”, na qual cerca de 1 milhão de manifestantes participaram em todo o país, com 500 mil em Lisboa, acelerou-se o processo de mobilização e radicalização da resistência.

O impacto desta manifestação mede-se pelo recuo do governo na tentativa de desonerar o patronato no pagamento da Taxa Social Única que lavaria a perdas de 4 bilhões de euros em salários e pensões e ganhos de 1,4 bilhões de euros ao patronato.

A manifestação “Que se lixe a troika”, que estava sendo convocada via Facebook, tinha cerca de 3 mil adesões no dia em que Passos Coelho, primeiro ministro, anunciou esta proposta. Dois dias depois 20 mil aderiram e 4 dias depois mais de 1 milhão de pessoas estavam nas ruas: parte significativa do eleitorado do próprio governo esteve nas manifestações, recusando-se a ser bucha de canhão.

Pouco depois, 29 de setembro, 300 mil participaram na manifestação da CGTP e logo em seguida foi convocada a greve geral de 14 de novembro. Entre 5 e 13 de outubro realizou-se uma Marcha de Desempregados que atravessou o país em duas colunas, uma partido de Braga (Norte) e outra de Faro (Sul) e culminou com uma manifestação de dezenas de milhares.

No dia 15 de outubro vários movimentos sociais marcharam para o parlamento no dia de apresentação do novo orçamento, numa ação designada Cerco ao Parlamento. No dia 31 de outubro houve uma nova manifestação, também convocada pela CGTP, com dezenas de milhares às ruas. Mas em todo este período centenas de lutas, com greves, concentrações e outros protestos envolviam praticamente todos os setores e regiões do país.

A greve geral de 14 de novembro foi efetivamente a maior realizada nos últimos 40 anos, envolvendo – no que é inédito em Portugal – piquetes de greve com a participação ativa de alguns dos movimentos sociais. Assiste-se a um processo de aproximação entre o movimento sindical e os movimentos sociais – tímido mas consistente, que está a influenciar os dois segmentos. 

 

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