Livros que merecem ser lidos – A Geração da Utopia

A Geração da Utopia, de Pepetela. Ed. Nova Fronteira, 2000, 382 págs.

 

Hoje em dia, quando se fala em qualquer país africano o que nos vem à cabeça são imagens de refugiados, guerras civis ou epidemias de fome. Parece que esta é a única coisa que a África tem a oferecer.

Mas nos anos 60 as grandes lutas de libertação no mundo colonial eletrizaram e empolgaram toda uma geração. Ao lado das lutas contra a Guerra do Vietnã, a solidariedade com os povos em luta estava presente no cotidiano dos ativistas e militantes socialistas de todas as tendências. Essa solidariedade era acompanhada com um intenso debate ideológico, com várias tendências questionando a posição marxista clássica a respeito do papel dos trabalhadores industriais em um processo revolucionário e apontando que os camponeses dos países coloniais fariam a revolução. Grande parte destes debates foi encerrada pela realidade que se verificou depois, mas não deixam de ter sua importância ainda hoje.

Pepetela – O pseudônimo de Arthur Mauricio Pestana – foi um escritor que esteve no centro destes grandes acontecimentos. Foi guerrilheiro do MPLA, onde na frente de batalha escreveu algumas de suas obras mais importantes, As aventuras de Ngunga e Mayombe. Após a independência, foi vice-ministro da Educação e hoje é professor universitário de Sociologia na Universidade de Luanda.

Toda sua obra acompanha e tenta interpretar as mudanças que ocorrem na sociedade angolana. Por isso, seus primeiros romances, como os mencionados anteriormente, estão identificados com a ideologia do MPLA, que era traduzido no slogan “Um só povo, uma só nação”, embora não deixasse de anotar as contradições que existiam no interior da guerrilha e as diferenças entre o discurso e muitas práticas dos dirigentes do movimento. Mas sua visão ainda é otimista, com a esperança de que durante a luta pela libertação todos os povos de Angola, unidos, superariam as diferenças e construiriam uma sociedade mais justa.

O seu romance Mayombe, escrito nos intervalos dos combates, em plena floresta, é emblemático disso. Mayombe é uma floresta de Angola, e, assim como várias espécies de árvores, apesar de suas diferenças, constituem uma só floresta, assim os povos de Angola iriam constituir uma só nação.

A geração da Utopia, escrito em 1992 – depois, portanto, do fim dos regimes estalinistas e da proclamação do “fim da história” e o triunfo da economia de mercado – é a resposta à Mayombe. Aí o escritor vai nos dizer o que aconteceu com aquele sonho e para onde se encaminhou a realidade. Pepetela então se transforma no maior crítico do projeto do MPLA, e por isso até hoje é considerado uma pessoa “incomoda” ao governo.

O romance é uma biografia da geração que fez a independência de Angola, e dos muitos rumos que ela tomou. Ele começa em 1961, no inicio da revolta contra o sistema colônia, onde a UPA (União dos Povos de Angola, uma organização que defendia o massacre dos brancos e que mais tarde a maioria dos seus membros iriam para a UNITA pró-Estados Unidos) queima plantações de café, invade prisões e chacina colonos.

Os estudantes angolanos que vivem em Portugal começam uma discussão sobre qual papel devem desempenhar nesta situação, qual o tipo de sociedade devem construir. Estas discussões são atravessadas pelo racismo do sistema colonial, onde os negros desconfiam dos brancos, mesmo estes sendo nacionalistas angolanos. No fim, todos fogem de Portugal, ajudados pelo Partido Comunista Português e pelo ainda desconhecido MPLA e muitos vão para a guerrilha que já se organiza.

A segunda parte é em plena luta na frente leste, na fronteira com a Zâmbia, onde através do personagem Mundial vemos esta geração ficar cada vez mais desmoralizada com os erros, a corrupção dos dirigentes do Movimento, a falta de perspectivas do fim da guerra. A realidade se mostra mais dura do que muitos imaginavam, e nem todos tem a firmeza de continuar nos caminhos que antes trilhavam.

A terceira parte é em 1982, em plena guerra civil, onde o projeto original do MPLA vai ficando cada vez mais distante da realidade. Os antigos idealistas agora são os dirigentes do aparelho do Estado que, por terem se sacrificado na luta, se colocam agora no direito de comandar os destinos da sociedade e não admitem críticas. A luta por uma sociedade justa agora se transforma em uma luta para permanecer no poder, enquanto o povo sofre as conseqüências da guerra e vai afundando na miséria. À sombra do Estado, aparecem os “candongueiros” – especuladores, atravessadores, pequenos comerciantes – que enriquecem às custas da população e vão progressivamente tomando conta do Estado através de laços de parentesco ou amizade com os dirigentes do país. A um determinado momento nos diz o personagem Sábio, a respeito deles: “Quando a casca da Utopia já não servir, vão criar o capitalismo mais bárbaro que já se viu sobre a Terra”.

A última parte, em 1991, é a concretização disto. Os antigos guerrilheiros, hoje ministros, aplicam as receitas neoliberais do FMI e, através de privatizações e concessões fraudulentas, se transformam em neo-burgueses. O fim das utopias políticas e as catástrofes que se abatem sobre o país, fome, miséria e epidemia de Aids, permitem o aparecimento de um charlatão, criador de uma seita, a Igreja da Esperança e da Alegria em Dominus, onde através de hipnose e técnicas de histeria coletiva consegue uma multidão de fiéis – qualquer semelhança com certas igrejas aqui no Brasil não é mera coincidência.

Ao contrário do que possa parecer, este não é um livro pessimista. Uma das preocupações de Pepetela como escritor e intérprete da realidade de seu país é de mostrar como todos tem a aprender com as sociedades tradicionais em seu respeito com a natureza. Os tecnocratas e apóstolos da “modernidade” de todos os países do Terceiro Mundo acham que basta apenas importar tecnologias estrangeiras para melhorar a vida da população, sem ouvir o que ela tem a dizer.

Mas o homem tem muito a aprender com a observação dos ciclos da natureza. E a mensagem que o autor nos passa é de que a história, assim como a natureza, tem seus ciclos, e que o homem deve aprender sobre eles, não para se submeter, mas para atuar neles e modificar sua existência. Uma coisa original, é que o romance não tem ponto final, querendo dizer que a história ainda está por ser feita, não é o fim dela, mas que o ciclo de sua geração se esgotou, não tem mais nada a oferecer, e que a geração seguinte tem que trilhar seu próprio caminho. É uma mensagem de esperança, pois o que ele oferece é uma interpretação do porquê o projeto de sua geração deu errado, e deixa as lições que devem ser tiradas para os jovens. A única certeza que ele nos dá é a afirmação da primeira frase do romance:

“Portanto, só os ciclos são eternos”.