III Congresso do PSOL não bloqueou o caminho para alianças eleitorais com partidos governistas
Informe sobre o congresso do PSOL escrito para a página do CIT na internet
O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) realizou entre os dias 2 e 4 de dezembro seu III Congresso Nacional. Participaram do Congresso, 332 delegados e mais de 600 observadores, além de 26 convidados internacionais, entre eles os companheiros Alec Thraves do Socialist Party da Inglaterra e País de Gales e Laura Fitzgerald do Socialist Party da Irlanda. Os convidados internacionais participaram também do II Seminário Internacional do PSOL nos dois dias anteriores ao Congresso do partido.
Entre as principais discussões do Congresso estavam a nova situação da crise internacional, as lutas da classe trabalhadora brasileira contra os ataques do governo de Dilma Rousseff do PT, a política para as eleições municipais de 2012, a construção do partido e a participação de mulheres na direção e a política do partido para o movimento sindical e popular.
O crescimento do eleitoralismo no PSOL
O PSOL foi fundado em 2004 como resultado da integração definitiva do Partido dos Trabalhadores (PT) ao regime político burguês como instrumento efetivo do grande capital financeiro, das grandes corporações brasileiras e estrangeiras instaladas no país e também do agronegócio.
Como oposição de esquerda aos dois mandatos de Lula do PT, o PSOL obteve quase sete milhões de votos com a candidatura de Heloísa Helena à presidência em 2006 e quase um milhão com Plínio de Arruda Sampaio em 2010. O PSOL também esteve presente nas principais lutas de resistência da classe trabalhadora brasileira, tais como as denúncias de corrupção, o combate às reformas no código florestal em beneficio do agronegócio, a luta por auditoria e suspensão do pagamento da dívida pública aos grandes especuladores, por 10% do PIB para a educação, etc.
Porém, aos poucos o partido foi fortemente pressionado pelo pragmatismo eleitoral e acabou por realizar alianças fora do campo da oposição de esquerda. Em 2008, em duas capitais estaduais, além de cerca de pouco mais de 30 cidades em todo o país, o PSOL aliou-se a partidos governistas e de base social burguesa nas eleições municipais. Foi o caso do Partido Verde (PV), que apresentou o candidato a vice-prefeito em Porto Alegre (estado do Rio Grande do Sul) e do Partido Socialista Brasileiro (PSB), de quem o PSOL foi vice na disputa em Macapá (estado do Amapá).
Nas eleições de 2010, a principal figura pública do PSOL no estado do Amapá, o atual senador Randolfe Rodrigues, fez uma aliança informal (uma vez que a coligação formal havia sido barrada pela Executiva Nacional do partido) com a direita no estado. O senador Randolfe foi um dos coordenadores da campanha do candidato a governador Lucas Barreto do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), uma agremiação política que mais se parece a uma máfia política e que está envolvida nos principais escândalos de corrupção no país.
Ainda em 2010, uma ala do partido tentou impedir que o PSOL tivesse candidato próprio na disputa presidencial e defendeu uma aliança com a então candidata a presidente do Partido Verde, Marina Silva. Marina havia acabado de romper com o PT e deixado o governo Lula depois de ter sido ministra do meio ambiente. A ruptura de Marina com o PT levou-a aos braços da oposição de direita ao governo Lula, numa relação muito próxima com o PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), o partido do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e principal partido abertamente neoliberal do país.
O projeto de aliança com Marina foi derrotado pela pressão da base militante do PSOL que acabou também obrigando as correntes majoritárias a aceitar a candidatura de Plínio de Arruda Sampaio à presidência da República. Plínio se alinha com os setores mais à esquerda do partido e fez uma campanha que, apesar das condições difíceis de divisão no partido e grandes ilusões existentes em relação à Lula, conseguiu resgatar as bases políticas originais do PSOL. Defendeu a suspensão do pagamento da dívida pública, a reforma agrária radical sob controle dos trabalhadores, a reestatização das empresas que foram privatizadas e a estatização da saúde e educação.
Coligações em 2012
No III Congresso Nacional do PSOL o fantasma da coligação com Marina Silva e com partidos governistas e de direita ressurgiu de forma ameaçadora.
O Congresso Estadual do PSOL do Rio de Janeiro votou por uma pequena maioria uma política que visa construir uma coligação com o Partido Verde no município do Rio, onde o candidato do PSOL, deputado estadual Marcelo Freixo, tem grande apoio popular em razão da firme luta contra as “milícias”, grupos armados criminosos de ex-policiais que ocupam o lugar do tráfico nas favelas e comunidades.
Em 2010, porém, o PV do Rio de Janeiro esteve coligado à direita neoliberal do PSDB e dos “Democratas”, um partido oriundo das forças políticas de sustentação da ditadura militar que durou de 1964 a 1985.
Na capital do estado amazônico do Pará, Belém, o pré-candidato do PSOL á prefeitura, Edmilson Rodrigues, tem hoje mais de 40% de apoio nas pesquisas. Mas, também nesse caso, o PSOL do Pará discute a possibilidade de coligação com o PCdoB (Partido Comunista do Brasil).
Muito distante do seu passado ligado à luta armada contra a ditadura, o PCdoB é hoje uma agremiação política de sustentação do governo federal cujo ministro dos esportes, Orlando Silva, acaba de cair em consequência de graves denúncias de corrupção. Seis ministros do governo Dilma, de diferentes partidos, já caíram pelas mesmas razões desde o início do ano.
Totalmente distante de uma política de esquerda, o PCdoB é hoje um dos principais apoiadores da política de reforma do Código Florestal refletindo os interesses do agronegócio que deseja utilizar áreas protegidas para a pecuária e plantação de soja e outros produtos de exportação. As megaempresas do agronegócio são um dos principais financiadores de campanhas eleitorais do PCdoB.
O PCdoB esta disposto a fazer uma coligação com o PSOL em Belém em razão das boas chances de vitória do partido na cidade. Porém, para o PSOL, fazer uma coligação eleitoral com o partido do agronegócio em uma das mais importantes cidades da região amazônica seria um desastre.
O caso mais grave de coligações em debate no PSOL, mais uma vez, refere-se ao estado do Amapá, também na região amazônica no norte do país. Na capital do estado, Macapá, os dirigentes do PSOL pretendem ampliar o arco de alianças não apenas para partidos como o PT e PCdoB, como também para formação de direita como o PTB e outras legendas corruptas.
Em todos esses casos, a justificativa para a ampliação das coligações é a necessidade do partido não ficar isolado e sem chances efetivas de vitória eleitoral. Na prática, porém, essa política não apenas desgasta fortemente a imagem do partido diante das camadas mais ativas e conscientes dos trabalhadores e da juventude, como também coloca o PSOL no mesmo terreno da politicagem oportunista dos vários outros partidos existentes. O PSOL aos poucos passaria a ser visto como mais um partido eleitoreiro com a palavra “socialista” ou “comunista” no nome.
Novamente Marina Silva
A maior ameaça desta política de ampliação das alianças eleitorais se refere à relação do PSOL com Marina Silva. Nas eleições de 2010, Marina, que apareceu como novidade no cenário eleitoral, ocupou parte do espaço do PSOL como candidata a presidente pelo Partido Verde e obteve quase 20 milhões de votos (19% dos votos válidos). Boa parte desses votos, porém, vieram de uma base social conservadora que simpatizava com o fato de Marina ser evangélica e ter posição pessoal contra a legalização do aborto e o casamento gay.
Depois das eleições, Marina decidiu romper com o Partido Verde e formar o seu próprio partido. Dirigentes do PSOL foram convidados e participaram de algumas reuniões do novo movimento político criado por ela e defendem abertamente que o PSOL busque uma aliança com Marina para as eleições presidenciais de 2014 ou, indo ainda mais longe, levantam a possibilidade de uma unificação do PSOL com esse novo partido em formação.
Marina Silva tem um passado de luta em defesa da Amazônia e dos povos da floresta junto com grandes lideranças de esquerda como Chico Mendes (assassinado a mando dos latifundiários) e Osmarino Amâncio (hoje militando no PSOL e em oposição aberta à política de Marina). Há muito tempo, porém, ela passou a representar a visão empresarial de sustentabilidade ambiental. O candidato à vice-presidente junto com Marina em 2010 foi o grande empresário Guilherme Leal, uma das quinze personalidades mais ricas do Brasil, que usa o ambientalismo como marketing de seus produtos.
O projeto de Marina Silva representa a criação de uma reserva política para a classe dominante brasileira diante da possibilidade de desgaste do “lulismo” no próximo período. O ecocapitalismo de Marina, como bem definiu Plínio do PSOL durante a campanha eleitoral, não responde aos principais problemas relacionados ao meio ambiente que tão duramente afetam a classe trabalhadora e os povos do Brasil e do mundo.
O projeto de aliança com Marina Silva ameaça diretamente o futuro do PSOL e o III Congresso do partido não foi suficientemente conclusivo no sentido de barrar essa ameaça.
As decisões do Congresso sobre alianças
A resolução sobre a tática eleitoral em 2012 no Congresso aponta para que qualquer coligação que vá além da Frente de Esquerda, com os partidos de esquerda em oposição ao governo, como o PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado) e PCB (Partido Comunista Brasileiro), deverá ser analisada e aprovada caso a caso pelo Diretório Nacional do partido.
Ao mesmo tempo, a maioria dos delegados decidiu rejeitar todas as resoluções propostas pela esquerda do partido (incluindo a LSR, seção brasileira do CIT) que vetavam as coligações propostas no Rio de Janeiro, Belém e Macapá. Isso significa que as correntes majoritárias do partido tendem a aceitar essas coligações ou, no caso mais grave que é o de Macapá, empurrar com a barriga para tentar negociar uma solução para o problema (uma coligação com a direita que nem os setores majoritários do PSOL defendem) sem grandes conflitos com o senador Randolfe Rodrigues.
Com relação a Marina Silva, a resolução votada pela maioria levanta críticas ao movimento político por ela criado, mas não diz explicitamente que o PSOL terá candidato próprio às eleições presidenciais de 2014, como propunha a esquerda do partido. Isso deixa margens para que a ameaça de um apoio a Marina em 2014 continue existindo.
As resoluções votadas refletem as posições do bloco de forças mais ao centro do espectro político interno do PSOL. As resoluções da direita explícita do partido em favor de Marina não foram aceitas de forma geral. Tampouco foi aceita a linha clara e firme da esquerda partidária em favor da Frente de Esquerda e vetando de uma vez as coligações oportunistas.
Outras decisões
O III Congresso do PSOL votou ainda uma resolução sindical que foi apoiada pela LSR em conjunto com outras forças. Essa resolução reafirmava a necessidade de reconstruirmos as condições para a unidade do movimento sindical combativo e independente de governos e patrões (incluindo organizações sindicais como a CSP-Conlutas, a Intersindical, etc) numa mesma Central sindical.
Essa resolução é importante uma vez que, depois do fracasso e divisão do Congresso da Classe Trabalhadora (CONCLAT) realizado em 2010, setores do partido começaram a defender a construção de uma Central exclusivamente vinculada ao PSOL, como uma forma de fazer frente ao trabalho sindical de outros partidos de esquerda, como o PSTU.
Também a partir de uma proposta do setorial de mulheres do partido, o Congresso do PSOL decidiu trabalhar na perspectiva de conquistar futuramente uma composição paritária, com 50% de mulheres e 50% de homens, em suas instâncias dirigentes. Para a direção eleita nesse Congresso, fica obrigatório um mínimo de 30% de mulheres na Executiva Nacional e 40% no Diretório Nacional.
Nós não votamos pelos 50% já porque entendemos que essa política não se aplica automaticamente e de forma artificial. Defendemos que o partido aprofunde a discussão sobre a ampliação da participação das mulheres em seu interior e tome medidas para formar politicamente as militantes mulheres viabilizando sua participação efetiva em todos os espaços.
Realinhamentos internos
Os debates sobre as coligações eleitorais e a ameaça de uma aliança com Marina Silva, junto com outros fatores, provocaram um amplo realinhamento das correntes internas do partido.
Duas importantes correntes nacionais viveram divisões internas provocando o surgimento de novas correntes e novos alinhamentos. A corrente Enlace, originada pincipalmente de setores da esquerda do PT que aderiram ao PSOL em 2005, depois do partido já fundado, dividiu-se em dois agrupamentos. Um setor aproximou-se ainda mais da corrente que dirige hoje o PSOL, a APS (Ação Popular Socialista), e faz parte do bloco majoritário na direção do partido.
O outro setor do Enlace (que mantém o uso do nome), formado principalmente por apoiadores da corrente internacional antes conhecida como Secretariado Unificado da IV Internacional (hoje identificado apenas como IV Internacional) deslocou-se à esquerda, passou a rejeitar as coligações amplas e votou junto com a esquerda do PSOL em todas as votações.
A corrente MES (Movimento de Esquerda Socialista), que antes compunha a ala mais à direita do PSOL, que apoiou as negociações de aliança com Marina Silva em 2009, que fez coligação com o PV em Porto Alegre em 2008 e aceitou (contra as normas partidárias) recursos de grandes empresas privadas para sua candidata nessa ocasião, também sofreu uma divisão.
A ala mais à direita do MES (com base na região nordeste do Brasil) rompeu com a corrente e passou a compor junto com o PP/MTL (Poder Popular / Movimento Terra, Trabalho e Liberdade) e um grupo de militantes do Rio, a ala de extrema direita do PSOL, a mais identificada com o projeto de aliança com Marina Silva.
O setor que permaneceu no MES passou a adotar posições mais à esquerda internamente. Isso se deu em razão da disputa com a APS pelo controle do partido e pela escolha do candidato a prefeito em São Paulo nas eleições de 2012. Também para evitar o isolamento interno e coesionar sua base depois da defecção de direita. Esse “giro à esquerda” do MES, porém, não foi suficientemente consequente.
O MES posicionou-se contra as coligações em Belém e Macapá, mas aceitou a coligação com o PV no Rio. Também passaram a ver na aliança com Marina o maior perigo para o futuro do PSOL. Mesmo sem fazer um balanço autocrítico claro de suas posições anteriores, passaram a buscar uma aliança interna com a esquerda do partido. Ao final conseguiram dividir a esquerda e formaram uma chapa com a CST (Corrente Socialista dos Trabalhadores), o grupo do qual romperam no passado para formar o MES.
A lógica que levou o MES, no passado, a coligar-se com o PV em Porto Alegre e receber recursos de grandes empresas privadas, não foi alterada. Isso fica claro quando continuam defendendo a aliança com o PV no Rio em 2012 e quando vemos que entidades estudantis por eles dirigidas continuam recebendo patrocínio de empresas privadas. Aqueles que defendem a aliança com Marina apenas levam até as últimas consequências a mesma lógica ainda adotada pelo MES.
Nós, da LSR, defendemos desde o princípio que a esquerda do partido, unida em torno da defesa de uma plataforma clara e sem vacilações, na defesa de um programa socialista, do combate às coligações amplas, contra o projeto de aliança com Marina, mas também em torno de uma concepção de partido militante, democrático e voltado para as lutas da classe trabalhadora e da juventude e não apenas para o processo eleitoral, deveria apresentar uma plataforma comum, apontando uma clara alternativa para os militantes e simpatizantes do PSOL.
Para nós não se tratava de formar uma chapa no Congresso para artificialmente passar a representar a segunda força do partido. Mas, sim de construir uma base sólida para a luta por um PSOL autenticamente socialista, organizado pela base e orientado à luta de classes.
Sem a CST (com quem formamos uma chapa no II Congresso, em 2009), uma chapa de esquerda acabou sendo formada pela LSR, o Enlace (IV Internacional) e o Coletivo Socialismo e Liberdade (CSOL).
- APS, parte do Enlace, TLS (centro) – 139 votos (42,2%)
- MES, CST (centro-esquerda) – 77 votos (23,4%)
- MTL, ex-MES, militantes do Rio (direita) – 67 votos (20,4%)
- Enlace, CSOL, LSR,/Reage Socialista/GAS (esquerda) – 46 votos (14%)