Construir uma saída socialista e de luta para a terrível crise que vivemos
O Brasil vive um dos momentos mais dramáticos de sua história. A pandemia do novo coronavírus e a crise econômica e social castigam o povo brasileiro de forma cruel.
O número de mortes no país por Covid-19 está em franca ascensão. Caminhamos a passos largos na direção da tragédia de 300 mil mortos com 3 mil mortes por dia. O sofrimento de centenas de milhares é indescritível e atinge mais duramente as camadas mais oprimidas e exploradas do povo brasileiro.
São esses setores que também sofrem mais com a crise econômica e social. O desemprego oficial já atinge 14 milhões de trabalhadores, mais da metade são mulheres, seis em cada dez são negros.
Nas feiras e supermercados, o preço dos alimentos e produtos básicos explodem. O novo “auxílio emergencial” de 150 reais compra apenas 23% da cesta básica em cidades como São Paulo. Apesar de extremamente limitado, esse benefício será negado para mais de 30 milhões de pessoas que o receberam no ano passado.
Além do perigo do vírus, milhões estão condenados a uma alimentação insuficiente, a uma vida precária, à deterioração física e mental.
O desespero e o adoecimento se aprofundam diante da falta de perspectivas. O país está sob o comando de um governo criminoso e genocida, um presidente de extrema-direita que adota uma política de morte, violência, repressão, censura e ataques aos direitos sociais e democráticos.
O nível de resposta coletiva organizada, generalizada e de massas diante desse cenário dramático no Brasil ainda é inferior ao de vizinhos latino-americanos ou países de outros continentes.
As dificuldades objetivas (pandemia, desemprego etc.), a confusão sobre os caminhos a seguir e a falta de instrumentos eficientes de luta coletiva, com políticas claras, pesam para que não tenhamos ainda o nível de mobilização social que deveríamos.
A panela de pressão está esquentando a cada dia e as válvulas de escape existentes são cada vez menos suficientes para dar vazão a essa pressão. Mas ainda não tivemos por aqui a explosão social chilena e equatoriana ou as grandes mobilizações recentes no Peru, Guatemala, Paraguai etc. Menos ainda as greves gerais com elementos revolucionários de Mianmar e Belarus.
Sabemos – e nossos inimigos também sabem – que a indignação que se gesta em cada lar, bairro ou local de trabalho, pode se manifestar quando menos esperarmos. A comoção e a raiva acumulada, como vimos em outras ocasiões, teria potencial para não deixar pedra sobre pedra da “ordem” que nos conduziu à miséria atual.
Mas, nesse momento essa resposta coletiva dos de baixo ainda não se manifestou com todo o seu potencial. Nesse contexto, muitos buscam um fio de esperança em tudo aquilo que aparente ser mais concreto, viável e factível.
Politicamente, o senso comum entre muitos ativistas dos movimentos sociais e de esquerda apontava para uma aliança política que envolvesse tudo e qualquer coisa, incluindo setores da direita “tradicional”, contra a peste que responde pelo nome de Bolsonaro.
Mas já comprovamos na prática como muitos daqueles que se diziam arrependidos de sua conivência com Bolsonaro em 2018, na “hora H” falharam e não merecem qualquer confiança.
Rodrigo Maia recusou-se a encaminhar os pedidos de impeachment do presidente e boa parte dos deputados do PSDB e DEM acabou votando no candidato de Bolsonaro na eleição da presidência da Câmara. O governador de São Paulo, por sua vez, mostrou que sua faceta “BolsoDoria” continua viva. Manteve escolas abertas durante o auge da pandemia e recusou-se a intensificar as medidas de isolamento com garantias sociais para que as pessoas possam sustentar-se.
Lula vai nos salvar de Bolsonaro?
Quando o ministro Fachin do STF decidiu anular as condenações de Lula, restituindo ao ex-presidente seus direitos políticos, uma nova esperança ressurgiu para muita gente. São pessoas que inclusive que já tinham se decepcionado com o PT, mas que agora só conseguem ver as eleições de 2022 e a candidatura de Lula como a única esperança para que se possa tirar Bolsonaro do caminho.
De fato, se Lula não tivesse sido vítima de uma farsa judicial e uma condenação política como resultado das ações criminosas da quadrilha encabeçada por Sergio Moro e Deltan Dalagnol no âmbito da Operação Lava Jato, o cenário teria sido outro nas eleições de 2018.
Ainda hoje, Lula se mostra à frente de Bolsonaro nas pesquisas e isso estimula uma esperança de que seria possível impedir a reeleição do presidente genocida.
O grande problema, porém, é que antes de 2022 ainda temos um dramático 2021 pela frente e o aprofundamento da maior crise social e sanitária da história do Brasil. Quantos mais mortos teremos até as eleições no final do ano de 2022? Derrubar Bolsonaro é uma necessidade urgente e imediata e deve estar no centro de nossas preocupações e política.
Além disso, a aposta na via meramente institucional, na disputa eleitoral de 2022 como centro da política da esquerda, tende a repetir o mesmo erro desastroso de 2018. Naquele momento, a direção do PT também achava que o caminho eleitoral, que tinha que acontecer sem grandes turbulências sociais, era a melhor opção.
Houve um importante crescimento das lutas no primeiro semestre de 2017, incluindo uma poderosa greve geral, que, se tivesse tido continuidade, poderia ter derrubado Michel Temer da presidência e, dessa forma, ter revertido os efeitos do golpe institucional de 2016.
Com essa nova correlação de forças, o caminho para a ascensão de Bolsonaro estaria bloqueado e a esquerda e os movimentos sociais poderiam ter forjado a quente uma alternativa política dos trabalhadores. Mas, a direção do PT preferiu apostar na pacificação do país para que Lula pudesse contornar as resistências da classe dominante em relação ao PT e, dessa forma, ser eleito em 2018.
O resultado, como sabemos, foi um desastre total e absoluto. Lula foi preso através de uma farsa judicial e Bolsonaro ganhou a eleição encarnando artificialmente a figura do novo, da ruptura com a velha política, ainda que com um viés ultrarreacionário.
Quais lições tiramos dessa experiência? A primeira dela é que não vivemos uma situação de normalidade democrática e setores da classe dominante e da direita estão dispostos a quebrar as regras de seu próprio sistema para garantir seus interesses. A única possibilidade de impedirmos isso é com luta e mobilização popular.
Foi assim que as massas na Bolívia, por exemplo, derrotaram o governo golpista de Jeanine Áñes, que tentou impedir a realização de eleições no ano passado. A greve geral, as manifestações massivas e as centenas de bloqueios de rodovias realizados em agosto obrigaram o governo a aceitar a realização de eleições.
Nesse contexto a direita foi derrotada eleitoralmente e o MAS pode voltar ao governo com Luís Arce. Não foi a moderação e a política conciliatória de Arce e do MAS que garantiram esse resultado, foi a luta de massas.
Sem mobilização não há garantias de realização de um processo eleitoral minimamente democrático no Brasil. Bolsonaro acena publicamente que não aceitará qualquer resultado em 2022 que não seja a sua vitória. A burguesia fará todo tipo de manobras para levar ao poder alguém de sua confiança. Farão isso a não ser que sejam obrigados a recuar pela força de uma poderosa mobilização dos trabalhadores, da juventude e do povo oprimido.
Bolsonaro está cada vez mais desprestigiado dentro da própria classe dominante. Ele não entregou completamente o que prometeu – contrarreformas, ajuste fiscal e privatizações num nível muito superior ao atual – e ainda está conduzindo o país a um caos absoluto, correndo o risco de provocar uma convulsão social.
A classe dominante ainda tentará construir uma alternativa política mais confiável no campo da direita tradicional. Mas ainda tem enormes dificuldades para emplacar alguém. Doria, Moro, Huck, Mandetta, parecem ser nomes sem força suficiente, pelo menos agora.
É para tentar ocupar esse espaço que Ciro Gomes, por exemplo, que antes se apresentava como alternativa do campo mais à esquerda, na verdade prioriza uma aliança com políticos da direita tradicional para tentar se cacifar diante da classe dominante e ocupar o espaço que o PSDB já não consegue mais. É vergonhosa a postura de Ciro e do PDT coligando-se com o DEM em Salvador e apoiando candidatos de direita nas eleições municipais do ano passado.
Mas, e o PT? Não estaria tentando fazer o mesmo? Não estaria repetindo a mesma política que levou ao fracasso de 2018, só que dessa vez apostando que Lula sim será candidato e que todo o resto não importa?
O discurso de Lula na entrevista coletiva concedida em 10 de março, logo após o anúncio da decisão de Fachin, que deve devolver-lhe os direitos políticos, foi muito bem pensado e expressou a linha do partido.
Por um lado, Lula falou para o povo. Condenou duramente Bolsonaro e sua gestão da pandemia, denunciou a farsa da Lava Jato e enfatizou todo o sofrimento que lhe foi imposto pela ação política criminosa de Moro e os procuradores, com a cumplicidade da mídia. Foi uma lufada de ar e esperança para quem já não aguenta mais Bolsonaro e não acredita na velha direita.
Lula não fez menção às greves de trabalhadores da educação contra o ensino presencial ou a resistência dos servidores federais contra a contrarreforma administrativa. Também não fez um chamado à organização e luta de forma geral.
O centro do discurso de Lula foi um chamado à reconciliação nacional. Diante da tragédia representada por Bolsonaro, Lula se apresentou como uma saída racional e razoável até mesmo para a classe dominante. Uma saída dentro da ordem.
Seu objetivo foi mostrar que não representa uma ameaça à elite econômica do país. Mostrou-se um conciliador que ao mesmo tempo em que diz que o “mercado” não pode tudo, tentou provar ao mesmo “mercado” que não representa uma ameaça aos seus interesses.
Lula aposta na reedição da política do suposto “ganha-ganha” dos governos do PT, em que os super-ricos e os mais pobres poderiam ganhar ao mesmo tempo. Evidentemente os ricos sempre ganharam muito mais. O bolsa-família representou sempre uma ínfima parte do “bolsa-banqueiro” representado pelo pagamento dos juros da dívida pública, por exemplo.
Quem vai pagar pela crise?
Mas, além disso, o problema é que estamos na mais grave crise do capitalismo no Brasil e no mundo desde os anos 1930 e é uma ilusão a ideia de que todos podem ganhar um pouco sem maiores prejuízos. Se isso já era uma ilusão no passado, será ainda mais agora.
A definição de quem vai pagar o preço dessa crise é o centro de qualquer projeto de país nesse momento. Quem não se posicione categoricamente no sentido de que os grandes capitalistas paguem pelo colapso de seu próprio sistema ou está fomentando ilusões ou está do lado dos poderosos.
A pandemia e a crise econômica e social mostram como o neoliberalismo e o capitalismo de forma geral são incapazes de dar respostas mínimas às necessidades de bilhões de pessoas em todo o mundo. Na América Latina e no Brasil o cenário é ainda mais devastador.
Qualquer política de investimentos públicos maciços em saúde, educação, pesquisa, geração de empregos, desenvolvimento com defesa do meio ambiente e satisfação das necessidades populares implicará em arrancar privilégios do grande capital e colocar em questão a lógica do “mercado”. Significa priorizar o pagamento da dívida social e não a dívida aos especuladores. Significa colocar sob controle público o sistema financeiro e os setores chave da economia e implementar um plano que atenda às necessidades da maioria e não do 1% de super-ricos.
Uma esquerda que lute para derrubar Bolsonaro já e apresente uma alternativa dos trabalhadores
O que falta ao Brasil nesse momento é exatamente uma esquerda que assuma esse programa, que se construa na perspectiva da luta de massas, do enfrentamento com os interesses da classe dominante – uma perspectiva e programa de caráter anticapitalista e socialista.
Essa nova esquerda socialista será construída superando-se os limites políticos, programáticos e estratégicos do próprio PT. Ela precisa colocar-se como alternativa nas lutas concretas do dia a dia e nas grandes disputas políticas, incluindo as eleições.
O PSOL tem uma responsabilidade enorme para que isso aconteça. O partido surgiu como alternativa de esquerda à política de colaboração de classes do PT e deve manter essa perspectiva nas lutas e nas eleições.
Nesse momento, a tarefa do PSOL é ajudar no acúmulo de forças para que lutas de massas sejam possíveis no curto ou médio prazo. Ao mesmo tempo, deve se apresentar como alternativa política e programática nas eleições de 2022.
Isso não significa que o PSOL não deve ser um forte defensor da unidade na luta contra Bolsonaro e todos os ataques sobre a classe trabalhadora, a juventude, mulheres, negros e negras, LGBTs e povos indígenas.
Essa unidade contra aqueles que nos atacam é mais do que necessária, mas ela não impede que nosso projeto político alternativo possa ser expresso de forma firme e contundente. Fazer isso ajudará a levar a luta até o fim diante das vacilações de outros setores. Isso também permitirá que se fortaleça uma alternativa política de esquerda socialista para a classe trabalhadora nos processos eleitorais.
Evidentemente, derrotar e derrubar Bolsonaro é nossa prioridade. Para isso é preciso o máximo de unidade possível com todos que estejam dispostos a enfrentar esse governo. Isso vale para hoje, mas também em um cenário de segundo turno das eleições de 2022. Nesse caso, não há dúvida que um voto no PT contra Bolsonaro, mesmo que crítico, seria a política correta. Aliás, como foi em 2018, apesar dos erros do PT.
Mas, renunciar a uma candidatura do PSOL de antemão, desde já, seria renunciar à tarefa de construirmos as bases para uma alternativa de esquerda consequente no país. Uma alternativa que a classe trabalhadora e todos os oprimidos necessitam no Brasil hoje.
Devemos encarar as lutas de hoje e dos próximos meses e a disputa eleitoral de 2022 com um perfil forte e independente, combativo e socialista. Tendo acumulado isso poderemos ter um peso maior e decisivo na luta para derrotar Bolsonaro, tudo o que ele representa e o sistema que o criou.