Debate programático no 1° congresso do PSOL: Programa socialista ou democrático e popular?

A expressão “democrático e popular” ficou conhecida durante as administrações municipais que o PT geriu. Esse era o lema de seu celebrado governo em Porto Alegre. Mas até mesmo recentemente esse lema esteve presente no governo petista em Campinas. Dentro do PSOL esse termo simboliza o elemento central da discussão de programa do partido no processo de preparação do seu I Congresso. Ele aparece claramente na tese “PSOL com o povo rumo ao socialismo” (APS e aliados) e está presente não claramente, mas é a base da proposta programática de outra tese que citaremos durante o texto.

O chamado programa democrático e popular (PDP) propõe a adoção de um conjunto de bandeiras que não apontariam para a superação do capitalismo mas sim para uma democratização da sociedade e do Estado e também para reivindicações de viés popular – como reforma agrária, melhora na saúde, educação, etc.

O programa democrático e popular é viável?

Democratizar o Estado e a sociedade e garantir educação, saúde, cultura a todos é o desejo de amplos setores que vêm sofrendo cotidianamente com a sociedade excludente capitalista. Esses elementos devem ser a base para o programa socialista. A realização dessas reivindicações, no entanto, é impossível dentro do sistema capitalista. A base da sociedade no capitalismo é a divisão desigual de riquezas, os interesses dos trabalhadores se apresentam como antagônicos aos da burguesia, classe que sobrevive da exploração desses trabalhadores.

Aqueles que defendem a adoção de um programa democrático e popular para o PSOL argumentam que ele representa um conjunto de reivindicações dos setores descontentes com a sociedade atual. Não negam a necessidade da superação do sistema capitalista, mas afirmam que um programa que aponte para a necessidade da revolução socialista não dialoga com o conjunto da classe trabalhadora e nem com outros setores que poderiam ter acordo com elementos mais amplos. Portanto, para eles, o elemento socialista do programa isolaria o partido e o enfraqueceria.

Como se daria a transição para o socialismo?

Sem apontar para a ruptura com o sistema capitalista, aqueles que acreditam na eficácia do PDP acreditam que a aplicação desse programa fatalmente nos levará para o enfrentamento direto com o capitalismo, pois para conseguirmos o sucesso dessas bandeiras seria preciso aprofundar os enfrentamentos.

Ao não apontarem para a necessidade da revolução para as conquistas mais imediatas dos trabalhadores, os defensores do PDP passam a acreditar que a consciência socialista gera-se espontaneamente. Se fosse assim, não haveria razões para que em diversos momentos da história a organização dos trabalhadores que chegou a conquistar avanços para a classe não derrubassem o capitalismo, ocorrendo a recuperação capitalista e o retorno do avanço da exploração (exemplos como Espanha 1936-39; Chile 1973; e Portugal 1974).

É preciso uma ação consciente para a transformação socialista da sociedade. E isso só existe se for um elemento no horizonte, mas não longínquo, e sim um horizonte no qual possamos traçar os caminhos e os possíveis passos. Ou seja, um programa do partido não pode afirmar solenemente sua disposição à revolução, deve incentivá-la e cotidianamente impulsioná-la.

O caso venezuelano

A Tese “Consolidar uma vanguarda partidária e avançar na influência de massas” (MES/Poder Popular) ao falar das recentes nacionalizações na Venezuela e Bolívia diz: “o conteúdo socialista destas lutas, mesmo que se encontre mais mediado pela forma democrática e antiimperialista, poderá se afirmar como a única saída estratégica possível sob a ótica dos interesses operários e populares. Estas experiências estão demonstrando que o conteúdo socialista da luta não se afirma apenas com a propaganda de bandeiras diretamente socialistas, mas sim tendo como centro, como eixo da política a defesa das reivindicações democráticas e antiimperialistas mais sentidas pelas massas, cuja realização plena somente é viável com o avanço de um programa socialista”.

A questão que podemos levantar para essa tese citada é: se o elemento democrático e antiimperialista da política liderada por Chavez deve levar ao socialismo, como então conseguir o avanço sem que haja trabalhadores organizados engajados no convencimento de uma saída socialista, independente? Sem que haja um partido com um programa que aponta para a necessidade da ruptura socialista, seria acreditar que o socialismo é uma fatalidade, e infelizmente não é!

No fundo, conceber o processo dessa forma é recair no que se chamou de “etapismo”, ou seja, acreditar que a revolução socialista acontece em etapas, primeiro a etapa democrática, e depois a etapa socialista.
Ao acreditar nisso está se fundamentando uma política que se restringe à realização da primeira etapa, que em tese poderia ser atingida com aliados mais amplos do que o conjunto dos trabalhadores. Foi essa política que orientou boa parte da política do PC no Brasil no século XX, e que possibilitou alianças com os chamados setores “progressistas” da burguesia, interessados na “democratização” do país. Mas, como sabemos, esses então setores progressistas atuam como sabotadores da luta contra o neoliberalismo no seu desenvolvimento, pois não querem o fim do capitalismo.

Socialismo e reivindicações imediatas

Ao contrário do que pensam os defensores do PDP, um programa claramente socialista não é contraditório àquele fundado nas reivindicações imediatas. É exatamente pelo fato de que as reivindicações mais diretas e visíveis dos trabalhadores serem impossíveis de se atingir sem um progressivo enfrentamento com o capitalismo e sem uma superação socialista é que devemos construir um instrumento capaz de ajudar nessa tarefa.

Como dizemos na tese “Aprender as lições da falência do PT e construir um partido de novo tipo”: “Se as novas alternativas de esquerda não avançam na direção de um programa de ruptura com o sistema capitalista e começam a se construir como ferramentas para essa ruptura, tendem a retroceder e se adaptar à lógica do sistema”.

Se pensarmos então no partido como um instrumento da luta dos trabalhadores, devemos construí-lo para que ele seja o mais eficaz possível, que seja o necessário para as tarefas que os trabalhadores têm para garantir condições humanas de vida. Adotar um programa de partido fundamentado no PDP ou é mentir para os trabalhadores – dizendo que as reivindicações imediatas podem ser atendidas dentro do sistema capitalista – ou é não compreender o processo de enfrentamento com o capitalismo – mostrando então que tal programa é um instrumento débil para a luta.

O pior é que esse erro ou essa mentira prepara a derrota dos trabalhadores. Ao não atuarmos para preparar o conjunto da classe para as ações necessárias de romper com o capitalismo, damos ao capitalismo o espaço para ele se recuperar e avançar novamente contra os trabalhadores. O exemplo dramático e emblemático é o PT. Ao contrário do que dizem os defensores da tese “PSOL com o povo rumo ao socialismo”, o problema não foi o PT ter abandonado o PDP, mas é o PT o exemplo do que está nos esperando se adotarmos esse programa.

Um verdadeiro programa de transição

O PSOL necessita de um programa que parte das reivindicações mais diretas e imediatas dos trabalhadores, bandeiras que partem dos problemas enfrentados cotidianamente, e que apontem para a progressiva superação dos elementos centrais do capitalismo. Só dessa maneira construiremos um instrumento que possa atingir o conjunto da classe e que também esteja preparado para servir como um instrumento eficaz na superação do capitalismo.

Nesse sentido, cremos que o programa atual do PSOL, em linhas gerais, acertadamente vincula as bandeiras históricas dos trabalhadores com a necessidade de ruptura com o sistema, precisamos aprofundá-lo e, o que é mais importante, usá-lo de fato no cotidiano da lutas e enfrentamentos, com as mediações que a realidade impõe.

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