Tunísia: “Precisamos de uma segunda revolução!”
O tremendo movimento de massas dos jovens, trabalhadores e massas pobres da Tunísia, que derrubou o governo de Ben Ali, serviu como um exemplo inspirador para todos, e iniciou uma onda de protestos de massa por toda a região.
Mas quatro meses depois, a contrarrevolução mais uma vez está levantando sua cabeça, com todos os perigos que representa para o futuro do movimento revolucionário.
Semana passada, as declarações públicas de um antigo, e de vida curta, ministro do interior do período pós-Ben Ali, Farhat Rajhi, denunciando manobras golpistas de dentro do aparato estatal, foram suficientes para acionar uma nova onda de protestos por todo o país, expressando a enorme desconfiança que muitas pessoas compartilham em relação ao atual governo provisório do primeiro ministro Essebsi e sua raiva com a falta de mudanças concretas. Na capital Túnis e seus subúrbios mais pobres, assim como em muitas outras regiões, milhares de pessoas, a maioria jovens radicalizados, saíram às ruas exigindo a queda do governo Essebsi e uma “nova revolução”.
Contudo, a fraqueza dessas mobilizações, com pouca ou nenhuma ajuda da esquerda e da direção sindical, deu a chance para o regime desencadear uma nova onda de repressão brutal, sem precedentes desde janeiro. Os objetivos da revolução, destruir as raízes da ditadura, não foram completados até o fim. Apesar dos significativos golpes impostos ao velho regime, o núcleo do aparato estatal continua em grande parte intacto, especialmente no que concerne aos odiados e abrangentes serviços policiais e de segurança. Desde a última quinta (12/05), uma força policial pesadamente armada impôs dias de violência e terror à população tunisina. Pelo menos quatro pessoas foram mortas pela força policial, que recebeu “sinal verde” do governo para cobrar sua vingança do povo revolucionário. Motocicletas avançando contra a multidão, manifestantes espacados até a morte, bandidos policiais mascarados armados com bastões, barras de metal e bastões de beisebol aterrorizando as pessoas nas ruas, hospitalizações por gás lacrimogênio intoxicante, adolescentes torturados em postos policiais, ataques físicos a sedes sindicais e a jornalistas que tentavam documentar os eventos, e prisões em massa ocorreram em questões de poucos dias.
Distúrbios e choques violentos com a polícia ocorreram subsequentemente em muitos lugares, especialmente nos bairros pobres em torno da Grande Túnis, como Ettadhamen. Tudo isso está ocorrendo em meio a um clima geral de incerteza e crescente violência, também alimentada por contrarrevolucionários, apoiadores do antigo partido governante RCD e elementos policiais organizando operações de “saquear, destruir e queimar” a fim de criar um clima de caos que possa justificar mais repressão. No sábado, o governo redecretou um toque de recolher em Túnis e seus subúrbios, e algumas outras cidades, das 9 da noite às 5 da manhã. Isso claramente tem o objetivo de impedir que as pessoas saíam às ruas, e restaure a iniciativa para as forças do Estado. No sábado, Essebsi reagiu em um discurso na TV, alertando que “a paciência do governo tem limites”, acusando implicitamente até uma parte da esquerda de estar por trás da violência recente.
As conquistas e liberdades revolucionárias ganhas com a heróica luta de massas estão claramente sob ameaça. Como argumenta esse artigo, para evitar que o autoritarismo volte a tomar a dianteira, é preciso urgente uma mobilização geral que envolva a juventude, os desempregados, trabalhadores e sindicalistas, e todas as forças progressistas do país, para organizar uma firme resposta, como parte de uma luta determinada cujo objetivo é se livrar dos remanescentes da ditadura e realizar uma verdadeira transformação, por uma genuína sociedade socialista. Tal acontecimento seria uma poderosa inspiração para os trabalhadores e jovens de todo o Magreb e internacionalmente para a mudança do sistema. Isso significa colocar as grandes multinacionais e os principais setores da economia sob o controle e gestão democráticos dos trabalhadores para beneficio de todos, não para uma minúscula elite corrupta.
Um dia de mobilização bem preparado, que inclua greves, para denunciar a violência policial, acabar com o toque de recolher e exigir a libertação de todos os genuínos manifestantes que foram presos nos últimos dias seria um bom ponto de partida. Tais ações devem ser organizadas seriamente, com equipes coordenadas para proteger as manifestações, e com os comitês de vizinhança, “vigilância” e revolucionários retomando o papel útil que eles tiveram no primeiro período depois do 14 de janeiro, a fim de permitir que o próprio povo se organize de baixo para defender a revolução. Esses comitês devem se estender a cada local que possa ser mirado pela contrarrevolução, especialmente locais de trabalho e prédios dos sindicatos, mas também escolas e universidades, e oferecer oportunidades para a organização coletiva e democrática seguir em luta até a verdadeira vitória ser alcançada.
Cresce a ameaça de contrarrevolução, já que as raízes do antigo regime ainda permanecem
O grande movimentos de massas que se livrou do antigo ditador Ben Ali e de seu então primeiro ministro Ghannouchi, que liderou os dois primeiros governos provisórios, não disse sua última palavra. Essebsi, o novo primeiro ministro, é uma velha personalidade muito próxima da ditadura anterior de Bourguiba. Desde a queda de Ben Ali, cada governo foi formado por pessoas que nunca participaram da revolução.
Mesmo que agora haja mais liberdade política, tudo isso continua muito precário. A repressão pode tomar formas súbitas e violentas. Cada vez mais antigos líderes do regime estão novamente encontrando posições de responsabilidade; uma grande parte da aparato repressivo ainda permanece em sua posição. A situação social melhorou um pouco apenas onde ocorram greves. A situação está dominada por essas lutas. As muitas perguntas feitas por aqueles que fizeram a revolução são sobre como levá-la à sua conclusão. As disputas entre os principais partidos, frequentemente desligadas das massas, não são uma resposta às profundas necessidades do povo tunisino.
A maioria das demandas não está satisfeita
A Revolução Tunisina começou com a falta de liberdade, o peso da ditadura policial e do partido do presidente, o RCD, combinados com uma situação social cada vez mais calamitosa: desemprego em massa, nenhum futuro para a juventude, salários de fome e subdesenvolvimento das áreas Central e Ocidental. Milhões de pessoas tiveram enfim a possibilidade de desafiar todos esses elementos da sociedade tunisina depois de 23 anos do regime de Ben Ali em uma escala massiva e estavam prontas a ir até a derrubada do regime de Ben Ali.
Essa revolução obviamente preocupou todo mundo – a máfia no poder, o RCD, as forças de segurança, os países imperialistas, especialmente França e EUA. É por isso que eles apoiaram Essebsi como primeiro ministro, alguém que nunca perdeu uma chance de se comportar como lacaio do imperialismo. Ele honrou o pagamento da dívida externa de 400 milhões de euros em troca de um novo empréstimo de 800 milhões de euros. A dívida remonta a Ben Ali, cujo clã foi o único a se beneficiar dela, mas o tesouro tunisino continua a favorecer os imperialistas, graças a Essebsi.
As greves aumentam
Em Ben Arous, Sfax, Gafsa… as lutas e greves são incontáveis – trabalhadoras que descobrem que as contribuições para suas aposentadorias não estão registradas no Seguro Social, empregados que ainda estão sob contratos renováveis de um mês…
Os lixeiros da Grande Túnis e outras cidades ganharam com sua greve a maioria de suas demandas em apenas uma semana: postos permanentes para todos os trabalhadores, melhores equipamentos. Eles receberam enorme apoio da população. Mas, como em outras lutas, os líderes da UGTT apenas se envolveram como intermediários oficiais entre os grevistas e os patrões.
Falta de iniciativas centralizadas para os trabalhadores e jovens
Desde março, a situação é instável e incerta. Existe um verdadeiro vácuo politico e o debate continua principalmente nas mãos de partidos que não desafiam o capitalismo.
À esquerda, as organizações que saíram da clandestinidade – o Partido Comunista Operário da Tunísia (PCOT) e os vários grupos do antigo campo político maoísta, como os Patriotas Democráticos – não entenderam a importância dessa questão. Embora muitos ativistas desses movimentos sejam ativos sindicalistas ou organizadores de manifestações, não há uma campanha real para construir um partido de massas dos trabalhadores e jovens. De fato, nenhum desses grupos expressou uma perspectiva socialista revolucionária para continuar a revolução.
Nenhuma luta política real, baseada num debate público e aberto, tem sido feita a fim de se expulsar os líderes corruptos da UGTT, usando-se um congresso extraordinário do sindicato. Isso mantém a desconfiança para com a UGTT de um setor daqueles que fizeram a revolução, especialmente da juventude.
E essa batalha é crucial. Ligando-se a proposta de uma verdadeira campanha por parte do sindicato, por emprego, salários e apoio para as lutas em andamento, com a perspectiva de um dia nacional de greve, com as camadas ativas e sinceras dentro do sindicato, tal batalha poderia unir os trabalhadores, os jovens e as massas pobres.
Os principais partidos de esquerda parecem preocupados apenas com a futura Assembleia Constituinte, sem nem mesmo uma expressão de um conteúdo socialista para a futura constituição, nem qualquer forma de organização para o debate e as próprias eleições que poderiam envolver a população de forma mais ampla.
A maioria dos debates políticos deixa a vasta maioria da população no segundo plano, especialmente as massas mais desamparadas. O partido religioso Ennahda, que combina referências islâmicas e demandas sociais, tenta tirar vantagem dessa situação, enquanto se apresenta (por enquanto) de acordo com todos os direitos democráticos. Há o perigo real que uma corrente a favor de uma ditadura religiosa possa surgir desse partido. Mas isso seria possível apenas por causa da falta de um partido de massas dos trabalhadores e jovens. Muitos partidos se focam em um “perigo Ennahda”, chamando a unidade, mas escondendo seu programa pró-capitalista. Mas é sobre o terreno econômico e social que a luta política contra o Ennahda deve ser travada.
Repressão aumenta
Essa situação de indecisão política não pode durar por um período prolongado. Uma declaração do antigo ministro do interior, Rahji, em 5 de maio, foi suficiente para o governo recomeçar uma ofensiva de “segurança”. Rahji declarou que um golpe militar estava sendo preparado em caso de uma vitória eleitoral do Ennahda. É difícil entender o propósito de tal declaração, além disso 3 meses antes das eleições. Obviamente, esse é um cenário que sempre é possível, mas a forma súbita dessa declaração pegou os ativistas desprevenidos e poderia ser usada pelas forças reacionárias dentro do governo.
Uma primeira manifestação foi ferozmente reprimida na quinta, 5 de maio, e desde então tem havido uma escalada. A Avenida Bourguiba agora está sob controle de uma polícia mascarada. Essa explosão de violência causou uma inevitável reação de muitos jovens, que não estavam prontos para tal retorno dos métodos de repressão estatal. Além disso, parece que o antigo RCD está forçando o caos para retomar a dianteira, especialmente pagando gangues para saquear e perturbar.
Essebsi poderia, por sua vez, agarrar essa oportunidade. Em seu discurso de 8 de maio, ele culpou as “manobras de desestabilização”, dizendo até que a esquerda estava envolvida. “A Tunísia perde 8 mil empregos por mês”, “o Estado pode estar incapaz de pagar os funcionários públicos no próximo mês”… Obviamente, Essebsi nunca diz que os capitalistas tunisinos e imperialistas, de quem é servo, são responsáveis por tudo isso.
E ele acrescentou que “se as manifestações continuarem, será o caos”. Em outras palavras, há a desculpa para o autoritarismo retomar o controle sobre a situação, o que pode levar a uma repressão maior. A partir de agora, o governo começa a indicar que as eleições serão adiadas.
Por uma revolução socialista
Como continuar a revolução é uma questão amplamente discutida. Há a falta de organizações dos trabalhadores e pobres suficientemente grandes para permitir que amplas camadas da população se organizem e discutam as perspectivas, definir suas necessidades e os meios para atendê-las, e se defenderem contra a repressão. Os comitês que surgiram nos bairros, fábricas e instituições educacionais, para defender a revolução em seus primeiros dias, seriam mais necessários do que nunca hoje. Ao se ligarem local e nacionalmente, elegendo democraticamente seus representantes (sujeitos à revogação) tais comitês poderiam construir uma alternativa ao atual Estado tunisino e seu governo que serve aos capitalistas.
Um governo que realmente venha da revolução, defendendo suas aspirações e demandas, poderia resultar de tal desdobramento. Essa perspectiva de um governo dos trabalhadores, jovens, camponeses e desempregados, capaz de criar uma política socialista e democrática genuína, nacionalizando os principais setores da economia sob o controle e gestão democráticos dos trabalhadores, permitindo desse modo um plano de desenvolvimento econômico que assegure emprego, habitação etc., para todos, dará um significado verdadeiro ao slogan “por uma segunda revolução”. Esse é o meio para limpar todo o país do que resta do regime anterior.
O debate sobre tal perspectiva socialista revolucionária é central nas discussões que tivemos com muitos ativistas. O CIT fará o seu melhor para ajudar os ativistas tunisinos em sua luta contra um Estado ainda repressivo. Há a necessidade de uma organização verdadeiramente socialista, revolucionária e democrática na Tunísia, para propor um programa que rompa com os erros da esquerda atual, convidando os revolucionários mais combativos a discutir seu programa em uma escala mais ampla, e também com outros movimentos, fraternalmente. Isso permitiria que a revolução tunisina conseguisse finalmente acabar com a máfia, os capitalistas e os imperialistas.