BBB 11: Divulgação da diversidade sexual ou propagação da violência?

A TV Globo se vangloria por seus programas terem um “compromisso social” ao discutirem temas relevantes para a sociedade, como o uso de drogas, gravidez na adolescência, entre outros. Em seu reality show, o BBB 11, com o pretexto de trazer ao debate o tema da diversidade sexual, mostrou ao vivo como a grande mídia, a serviço da ideologia dominante, pode disseminar e propagar o preconceito.

A falsa ideia de oferecer oportunidade a todos de estarem no BBB encobre a realidade. Entre homens e mulheres brancos bonitos e malhados que estão no BBB 11, também foram convocados a negra passista de escola de samba, a lésbica, o negro gay, o velho gay e a transexual. Se tais pessoas são algo além destes estereótipos construídos socialmente e utilizados e reafirmados pelo programa, isso não sabemos e nunca saberemos se depender da Globo.

A pessoa que mais fomentou discussões dos telespectadores sobre o referido programa é a Ariadna, a transexual. As edições do programa somente levam ao ar as cenas que vão manter o estereótipo dos personagens que o BBB constrói. Omitindo tudo que a Ariadna é, o que ela construiu, o que ela gosta, toda a sua subjetividade é reduzida a um único elemento, estigmatizada, ela deixa de ser a Ariadna (e tudo que isso representa) para ser a transexual do BBB. Longe de ter as mesmas condições que os demais na casa, cenário do programa, de ganhar o enorme prêmio em dinheiro, a Ariadna é a transexual que dança de forma oferecida, a que se insinua, a que é desbocada, a que se prostituiu, um estigma preconceituoso que leva o telespectador a ter asco da Ariadna e dos demais transexuais.

A preocupação desta emissora de TV é discutir temas de relevância social, ou é aumentar a sua audiência a qualquer custo?

Quem assistiu o programa do dia 18/01 não tem dúvida, o BBB explorou a condição sexual da Ariadna para aumentar sua audiência, como de costume, e a tratou como uma aberração de circo, onde os telespectadores ansiosamente esperavam na platéia que ela se revela-se transexual, com direito a contagem regressiva, esperando o momento dela “se assumir”.

Muitas mensagens na internet de homens indignados manifestavam seu repúdio à transexual que “enganava” os homens do programa, expressando seu medo de um dia saírem com um transexual sem saber. Foi esta mesma reação que o Big Brother, Igor, que flertava com a Ariadna na casa teve, quando soube que ela é transexual repetiu muitas vezes, mas “ela não parecia”, se justificando.        

O preconceito e a imposição ao padrão hegemônico de normalidade, que geram a intolerância ao diferente se mostraram presente na formação do primeiro paredão, que contou com as “minorias” do programa, a negra passista, o negro gay e a transexual. Como a corda estoura sempre para o lado mais fraco, o resultado deste paredão já era previsto e a “aberração” foi tirada da casa pelo público.

Sabemos que a tática de dividir para governar nunca sai de moda e cumpre seu papel de segregar e dividir a classe trabalhadora. Entre a população LGBT os transexuais são ainda mais oprimidos e excluídos que os gays, lésbicas e bissexuais. Além de toda sua luta para conseguir a cirurgia reparatória e a mudança de nome, tem que encarar as demais batalhas, conseguir um emprego (na maioria das vezes em telemarketing, pois a pessoa não precisa se expor fisicamente), ser aceito pela família, terminar os estudos.

Considerando o nível de escolaridade da população LGBT, vemos um significativo contraste. Enquanto apenas 23,5% do(a)s transgêneros declaram ter mais de 11 anos de estudo (ensino superior completo ou incompleto), o número de homens homossexuais na mesma situação mais que duplica, subindo para 54,5%. Se 23% dos homens homossexuais afirmam ter ensino superior completo, apenas 2,9% dos transgêneros pudem dizer o mesmo. Muito mais perto do perfil de escolaridade dos homens homossexuais, situam-se as mulheres homossexuais.

A justificativa dada pelo integrante do BBB para votar na Ariadna foi à falta de afinidade com ela. Esta construção social que exclui e segrega quem é diferente do padrão normal se propaga em todas as esferas. A pesquisa “Juventude e Sexualidade”, realizada pela UNESCO em 2004, revela que 28% dos alunos do ensino fundamental e médio de São Paulo não gostariam de ter um homossexual entre os colegas de classe, tal percentual aumenta para 41% se consideram apenas os meninos, em outra palavras, não tem “afinidade” com homossexuais. Como vemos, o BBB só ilustra e propaga, o preconceito social difundido.

Este apelo da Globo por audiência ocorre justamente quando aumentam os ataques físicos a população LGBT. O Pesquisador Luiz Motti, Grupo Gay da Bahia, aponta que nunca se matou tanto homossexual como hoje, entre janeiro e dezembro de 2010 ocorreram 235 assassinatos de homossexuais, além dos que não foram contabilizados, isso significa quase uma morte por dia. Esta situação da ao Brasil o título de campeão mundial de crimes de ódio levados ao óbito de gays, lésbicas, travestis e transexuais. 

Se a homossexualidade é tolerada pela mídia é porque o preconceito está tão arraigado que não ameaça o status quo, mostrar homossexuais da TV. Falar contra o preconceito de gênero e de raça ganhou um teor de “politicamente correto” e mesmo que eles continuem a existir (e continuarão até o fim do capitalismo) há uma preocupação social em velá-lo. O preconceito com a população LGBT é escrachado. Uma escola particular fez uma brincadeira que atribuía um filme para cada um de seus professores e para um deles o classificou como Bambi, uma brincadeira infelizmente “normal”, pois se lhe caracterizassem como “neguinho”, ou “escravo” algum professor iria questionar, mas “viadinho” pode. O preconceito contra a população LGBT é muito intrínseco na educação do Brasil, graças as igrejas. A baixo uma mensagem online de um leitor do Estadão, do dia 06/12/10:

“Não sou contra a homossexualidade. Tenho amigos gays, admiráveis. Inteligentes, dignos, bem resolvidos. O que me irrita profundamente é a vi.a da. gem.”     

Como mostra esta fala, a violência vai muito além de agressões físicas. A Coordenadoria de Diversidade Sexual (Cads) de São Paulo divulgou um estudo baseado nas denúncias que receberam entre julho de 2006 e dezembro de 2009 que revela que 78% da violência que atinge a população LGBT é simbólica (sem agressão física). Este tipo de violência além de destruir a vida das pessoas normaliza uma situação de opressão que por ser aceita leva o ódio contra a diversidade sexual até as últimas consequências, como estamos assistindo de camarote no Brasil o enorme número de homicídios de LGBT.

É somente esta a contribuição da TV Globo, aplicar a violência simbólica, normalizar a situação de opressão. Isso só vai mudar quando dissermos que somos mais do que gays, lésbicas, bi e transexuais, somos homens e mulheres, jovens, negros, somos trabalhadores que sabemos na pele o que é ser oprimido e explorado. 

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