A Espiral de Crise da União Europeia
Apesar dos enormes planos de resgate, os mercados financeiros mundiais continuam a golpear a União Europeia (UE). A própria existência da zona do euro está em questão. Embora a classe trabalhadora grega esteja na linha de frente, profundos cortes estão sendo implementados internacionalmente.
A União Europeia e especialmente o euro estão sendo brutalmente atingidos e minados. Em um ano que viu as reuniões de crise da UE se tornarem normais, maio foi especialmente frenético e está acabando em mais tumulto. As tensões foram mostradas nos choques pessoais entre os diferentes líderes da zona do euro, especialmente na ameaça de Nicolas Sarkozy de tirar a França do euro. Foram feitas tentativas desesperadas, não apenas para impedir a Grécia de dar um calote em suas dívidas, mas para sustentar o próprio euro.
Pela primeira vez desde seu lançamento em 1999, houve discussões abertas sobre se países deveriam ser expulsos da zona do euro e sobre a própria sobrevivência do euro. A crise de maio se focou na Grécia e no medo de um calote de suas dívidas, estimadas em mais de 350 bilhões de dólares. Mas a questão não era apenas se ela podia pagar essa dívida mas, mais importante, se a raiva acumulada na Grécia bloquearia a tentativa do governo de impor uma austeridade brutal e abrir as portas para eventos revolucionários.
O medo de contágio de um calote grego não era apenas de um colapso financeiro ao estilo Lehmann que poderia acionar uma nova recessão econômica. As classes dominantes também temem um “contágio de luta de classes”: que uma revolta na Grécia, ou outro país, possa desencadear uma onda de protestos e lutas que poderia varrer muitos países. Essa é uma razão porque há uma repugnante campanha de propaganda internacional contra os “preguiçosos” gregos, e louvação dos trabalhadores em outros países que, até agora, ensaiaram apenas protestos limitados.
Os temores das classes dominantes são justificados. A crise que começou em 2007 está longe de acabar. Economicamente, a situação ainda é frágil, apesar de uma fraca recuperação em muitos países. Os capitalistas não têm confiança na recuperação que, em todo caso, será geralmente lenta e não criará muitos empregos.
Por causa do caráter do crescimento econômico antes dessa crise, impulsionado pelo crédito, os enormes resgates e tentativas dos governos de impor um teto sob a recessão, a dívida se tornou uma grande questão. Como previsto, o derretimento bancário e financeiro montou o cenário para uma crise da dívida soberana ser impulsionada para o centro do palco. Essencialmente, isso foi causado pelas dúvidas sobre se os governos podem pagar o dinheiro que tomaram emprestado, algo que golpearia severamente o sistema financeiro internacional. Contra esse pano de fundo, acumula-se a pressão sobre os governos para que cortem os gastos e empréstimos, apesar do medo crescente de que isso possa provocar uma recessão de duplo mergulho.
Ao mesmo tempo, o setor financeiro ainda está instável – o governo espanhol teve que nacionalizar o grande banco de poupanças CajaSur no final de maio. Tudo isso contribuiu para o tumulto na zona do euro e a queda do valor do euro em relação ao dólar – incidentalmente, algo que não deixa muitos capitalistas europeus tristes. Cada vez mais há temores de outro colapso financeiro internacional. Mas a diferença com 2007/2008 é que agora os estados altamente endividados seriam menos capazes de resgatar as instituições financeiras quebradas, uma situação que coloca a ameaça de uma recessão muito mais profunda.
Os pacotes de austeridade estão sendo anunciados ou planejados abertamente país após país. A “ameaça” de crises ao estilo grego está sendo usada para intimidar a população. Repetidamente, os trabalhadores e a classe média ouvem que o “mercado” está exigindo cortes. Do outro lado dessas demandas está o que o conservador ministro das finanças sueco chamou apropriadamente de “matilha de lobos” dos especuladores e comerciantes financeiros. Esses elementos estão fazendo enormes lucros negociando com ações e os chamados “instrumentos financeiros”, ajudados pelo dilúvio de crédito de juros baixos que os governos fornecem para tentar impulsionar o sistema financeiro. Mas os ataques aos padrões de vida não são simplesmente do capital financeiro. As classes dominantes em todo o mundo estão cortando a “fatia” que vai para as classes trabalhadoras e médias porque a recessão contraiu a economia.
O pacote, em meados de maio, de 750 bilhões de euros (1 trilhão de dólares) pode comprar tempo para a Grécia e o euro, mas por quanto tempo não está certo. Uma coisa é clara, de que não há estabilidade. O Financial Times comentou: “A crise da zona do euro é tão dinâmica que esse resgate corre o risco de ser ultrapassado pelos eventos”.
O “sonho do euro” foi minado de forma fundamental nas reuniões de crise e declarações dos diferentes líderes. Mas, como explicado durante os preparativos para a criação do euro em 1999, ele está sendo minado pelas realidades do próprio capitalismo. De um lado, o capitalismo – como Karl Marx e Friedrich Engels pontuaram no Manifesto Comunista – criou um mercado mundial, levado recentemente pela globalização a novas alturas de escala e integração. Ao mesmo tempo, o capitalismo continuou enraizado no estado nação, com classes dominantes que iriam, no final das contas, proteger seus próprios interesses nacionais. Em último caso, isso põe limites ou reversões à integração entre os estados da UE. Um único estado capitalista europeu, nas linhas dos EUA, era impossível. Além disso, em certo período, o euro tenderia a se decompor, como tem sido o caso em uniões monetárias anteriores entre países independentes.
Embora o euro tenha durado mais do que esperávamos quando foi lançado, as tormentas na zona do euro confirmaram plenamente nossa análise marxista subjacente.
Os distúrbios de maio são sintomas do tumulto que a crise econômica global desencadeou e que está expondo implacavelmente as falhas fundamentais do euro. Obviamente, essa crise não é apenas dos mercados financeiros e salas de comitês. Ela coloca uma ameaça direta aos trabalhadores, e exige respostas concretas do movimento dos trabalhadores internacionalmente. A crise também se estende para fora da zona do euro e da UE. Embora a maioria das atenções em maio tenha se focado na Grécia, na Romênia, também membro da UE, o governo está combatendo a oposição a fim de impor um corte de 25% nos salários e de 15% nas aposentadorias e benefícios sociais a parti de 1 de julho.
Até agora, nenhuma das reuniões de crise regulares da UE falhou, oficialmente. Elas devidamente produziram um novo plano, apesar das crescentes tensões entre governos e tensões pessoais entre os líderes. Mas, embora tenham sido anunciados acordos um atrás do outro com grande fanfarra, rapidamente eles eram vistos, no melhor, como saídas parciais e temporárias. Na situação atual, mais abalos são esperados, já que os líderes nacionais temem prejuízos para os interesses de sua própria classe capitalista, o espectro da revolta interna e por suas próprias carreiras.
Insolvência adequadamente organizada
A cúpula da zona do euro de 7-10 de maio marcou um novo ponto alto nas tensões e um ponto baixo nas relações, com os líderes reunidos novamente para encontrar uma saída de uma nova emergência. O choque dos diferentes interesses nacionais foi aberto com o governo alemão, especialmente, tentando limitar qualquer novo fardo colocado sobre ele. A ameaça reportada de Sarkozy de tirar a França do euro e a intervenção telefônica direta de Barak Obama na reunião abertamente pressionaram Angela Merkel a forçar o governo alemão a concordar com o pacote de “resgate”. Isso foi acompanhado pela súbita anulação dos estatutos da zona do euro. O Banco Central Europeu foi forçado a fazer uma abrupta reviravolta, comprando títulos governamentais da zona do euro – de fato, emprestando dinheiro a governos que podem não pagar.
Apesar da declaração de Merkel uma semana antes de que “sem nós ou contra nós, não haverá nenhuma decisão”, ela foi forçada a voltar atrás. Isso foi visto como uma “vitória” para Sarkozy e uma derrota para a Alemanha, que teve que fazer a maior contribuição para o resgate. Mas o imperialismo alemão continua o poder dominante na UE e até agora foi o que se beneficiou mais com o euro. Repetindo o agora comentário comum sobre a “crise existencial” da zona do euro, o Financial Times argumentou que esse acordo, longe de ser uma solução, elevou “os riscos econômicos e políticos a novas alturas” (11 de maio). Contudo, dada a enorme escala desse acordo, ele pode adiar a próxima crise por um período.
Apenas uma semana depois, o governo Merkel, sob pressão doméstica, contra-atacou com uma proibição de uma estratégia de mercado particular, chamada venda em descoberto ‘nua’, apostas especulativas financeiras (nesse caso aposta na queda de valor de um papel, moeda, etc.). Merkel disse ao parlamento alemão que era necessário reafirmar a “primazia da política” sobre os mercados e “assegurar que os bancos não podem mais extorquir o estado”. Contudo, esse tipo de tentativa de restringir os especuladores com regulamentos, regras etc., irá falhar, já que o mercado sempre encontra um meio de contorná-los. O único meio de deter a especulação e o jogo nos cassinos do mercado financeiro é nacionalizar todas as instituições financeiras e impor um monopólio estatal controlado democraticamente do comércio exterior. Mas Merkel tem que fazer algo para mostrar que ela ainda tem a iniciativa, pelo menos contra seus rivais e inimigos internos.
Merkel não estava agindo simplesmente para limitar algumas formas de lucrar ou colocar alguns controles sobre o capital financeiro no interesse do capitalismo como um todo. Merkel também estava impondo novos limites para a ajuda aos países da zona do euro em apuros financeiros que poderiam, no futuro, fornecer uma base para exigências de que esses países deixassem a moeda comum. Já em março, Merkel disse: “Precisamos ter um acordo com o qual, como último recurso, seja possível excluir um país da zona do euro”.
Sob o título “Duras Penalidades para Notórios Estados em Déficit se Necessárias”, o website do governo alemão resumiu a declaração de Merkel: “A nível europeu, a chanceler qualificou a diluição do pacto de estabilidade e crescimento de 2004 como um ‘grande erro’. Isso deve ser remediado. Ela fez várias propostas a fim de garantir os cortes nos gastos públicos e medidas de consolidação nos estados da zona do euro. Se necessário, ela declarou, deve ser possível impor penalidades aos estados que falham em resolver seu déficit financeiro. Essas podem incluir que o estado perca seus direitos de voto na Europa por um período. Procedimentos de insolvência adequadamente organizada para os estados também devem ser uma opção”.
No Guardian (Londres), Dan Roberts explicou: “Merkel chamou a Europa a ‘desenvolver um processo para uma insolvência estatal ordeira’ – em outras palavras, elaborar como deixar países como Grécia, Espanha e Portugal simplesmente se recusarem a pagar suas dívidas. Pode soar óbvio aos de fora, mas isso foge de tudo o que a Europa tem tentado fazer e colocaria em cena perdas colossais para bancos, fundos de pensão e investidores em todos os lugares. Não há garantia de que isso tornaria a vida mais fácil para os gregos. Ao invés de ter que colocar os gastos públicos na linha com as receitas de impostos lentamente, uma decisão de efetivamente virar as costas para os mercados financeiros significaria ter que equilibrar as contas da noite para o dia – um impacto enorme para um país já nas garras de uma profunda recessão.
“Mas os comentários de Merkel pelo menos começam a reconhecer o que muitos observadores já vêm dizendo há semanas: emprestar ainda mais dinheiro à Grécia e outras nações super-endividadas pode ser apenas um esparadrapo temporário. O plano de austeridade do FMI e da UE já prevê quedas tão agudas no PIB grego que uma solução extrema pode não mais parecer tão intolerável. Isso também explicaria o apetite pela proibição de vendas em descoberto nos bancos alemães. Se Merkel realmente está preparando um golpe no mercado com um calote ao estilo Lehman Brothers que abalaria os bancos em toda a Europa, a última coisa que ela quer são pencas de especuladores se enriquecendo no processo”. (20 de maio)
Em 1999 nós perguntamos: “Essa recém-formada Santa Aliança em apoio ao euro pode se manter junta quando as condições divergirem na zona do euro, em termos políticos e econômicos?” Nós respondemos: “Em nossa opinião, será impossivel manter uma política monetária “tamanho único” quando as condições se tornarem cada vez mais intoleráveis e quando os países forem forçados a encontrar seus próprios meios para se ajustar à crise”. (Não à União Monetária Europeia dos patrões – declaração do CIT, 14/01/1999)
Agora estamos vendo esse prognóstico ser confirmado. Embora não haja sinais iminentes de ruptura da zona do euro ou países individuais saindo ou sendo expulsos, essas questões estão sendo discutidos. Dada a profundidade da crise, não pode ser descartado que um ou mais destes eventos possam surgir cedo ou tarde. Como mencionado antes, Merkel ameaçou expulsar países. É também possível que o capitalismo alemão decida que os custos de resgate a outros países superem as vantagens comerciais que ele ganhou na zona do euro. Em tal situação, é possivel que a Alemanha possa deixar a zona do euro e tentar criar um tipo de “euro II”, com menos países, ou até voltar ao marco alemão. Curiosamente, Áustria, Finlândia e Países Baixos, alguns dos membros da antiga e informal “zona do marco”, têm sido os mais fortes apoiadores de Merkel em suas lutas com Sarkozy.
Mas esses choques não são de personalidades, embora lhes dê alguma coloração. No fundo, refletem os interesses a longo e curto prazo conflitantes das diferentes classes dominantes e governos. Claramente, a tentativa de Merkel de atrasar um acordo para ajudar a Grécia foi determinada pela data da eleição do estado federal de Renânia do Norte-Vestfália. Tendo perdido essa eleição e sido forçada a concordar para contribuir com uma grande soma para o resgate grego, possivelmente até 148 bilhões de euros, ela ficou ainda mais enfraquecida.
Contudo, as questões subjacentes são os interesses em conflito de cada classe capitalista. Nos ‘bons’ tempos, as classes capitalistas nacionais podiam trabalhar juntas. Agora, nesta crise, elas rapidamente se alternam entre se unirem na tormenta e trocar golpes para defender sua própria posição.
Cada vez mais está sendo colocada a questão, por diferentes classes dominantes europeias, sobre se é possível, ou mesmo desejável, evitar que um país como a Grécia dê um calote. Isso não está sendo debatido por preocupação pelas classes trabalhadoras e médias gregas, mas apenas do ponto de vista dos outros capitalistas europeus. Eles temem jogar dinheiro fora tentando demover os mercados e a oposição doméstica para o que é visto como um resgate à Grécia em uma época de crescentes medidas de austeridade em praticamente todos os países europeus. Esse é o significado do chamado de Merkel para a zona do euro ter a opção de “procedimentos de insolvência organizados adequadamente para os estados”.
A corrente tende a arrebentar nos elos mais fracos. Em maio, a Grécia esteve na linha de frente, com Portugal e Espanha não muito atrás. Mas essa ordem podem mudar. Nenhum desses países está isolado. Os mercados estão tomados pelo medo de “contágio”, por isso os repetidos chamados telefônicos de Obama, pressionando diretamente os líderes da UE a tentar, pelo menos, impedir uma nova crise financeira internacional. Mas o renovado tumulto dos mercados de ações e moedas no fim de maio mostrou que esses temores estão aumentando mais uma vez.
Em praticamente todo país europeu as finanças governamentais estão gemendo sob o impacto combinado de enormes resgates bancários, queda na arrecadação de impostos à medida que a recessão os atinge, gastos monetários tentando impedir que a crise se transforme em uma depressão ao estilo dos anos 1930 e, em alguns casos, a necessidade de refinanciar empréstimos passados. Essas, ao lado do ‘bolo” econômico menor causado pela recessão, são as forças propulsoras por trás das ofensivas governamentais e dos patrões para cortar os padrões de vida e serviços. Essa crise mundial particular tem suas raízes imediatas nas dívidas que foram usadas para financiar o último período de crescimento econômico. Isso significa que a recuperação será geralmente fraca e não suficiente para restaurar ou elevar de forma significativa os padrões de vida. Fundamentalmente, não há saída em uma base capitalista, o que é a razão porque, em todo o mundo, dificilmente qualquer político capitalista esteja falando de um amanhã melhor. Ao invés, sua linguagem é a da mudança… para a pior!
É por isso que, ao lado das tensões da zona do euro, muitos governos estejam enfrentando problemas crescentes em casa, com severas derrotas eleitorais na França e Alemanha, o colapso de governos e eleições antecipadas na Bélgica e Holanda, quedas agudas de popularidade na Irlanda, Espanha e agora Itália, onde o governo de Berlusconi também está nas garras de uma aguda luta interna. A nova coalizão na Grã-Bretanha enfrenta um futuro incerto, já que age para implementar cortes – uma razão para suas medidas propostas de tornar eleições antecipadas mais difíceis. A maioria dos governos europeus é instável ou inseguro de suas chances de reeleição.
Isso ao mesmo tempo que uma nova onda de movimentos dos trabalhadores começou a desafiar as tentativas das classes dominantes de descarregar os custos deste crise sobre a classe trabalhadora e setores da classe média. Na zona do euro, incapazes de cortar indiretamente os padrões vida pela desvalorização da moeda, os governos tentam ao invés uma “desvalorização interna”. Em país após país os padrões de vida estão caindo com perdas de emprego, cortes salariais nos setores privado e estatal, e aumentos de preços generalizados, especialmente para utilidades e serviços.
Até agora, a Grécia tem dado o tom sobre isso, assim como os protestos de massa contra as series de pacotes de austeridade que o governo do Pasok introduziu. Esses protestos encorajaram movimentos em outros países. Portugal e Espanha estão vendo o aumento da oposição de massas, manifestações e greves contra as medidas de cortes introduzidos, como na Grécia, pelos chamados governos “socialistas”. Manifestações espontâneas receberam o anúncio do governo italiano de um pacote de cortes de 24 bilhões de euros. Na França estão ocorrendo protestos em massa com a tentativa de Sarkozy de aumentar a idade de aposentadoria. Na Alemanha, protestos anti-cortes ocorrerão em meados de junho.
Significativamente, muitos destes protestos se desenvolveram de baixo, no sentido de que os principais líderes sindicais não iniciaram a atividade, ou responderam às demandas de baixo. De fato, os líderes sindicais em sua maioria apenas organizaram protestos simbólicos, ao invés de lutas sérias para defender os padrões de vida. Na Grécia, Portugal e Espanha a questão do papel das greves gerais voltou à agenda, algo que irá se espalhar para outros países. Uma greve geral pode ser um foco extremamente importante para a mobilização e uma poderosa demonstração da força do movimento dos trabalhadores. Mas a questão é se elas são chamadas como parte de um plano para fazer avançar a luta ou simplesmente usadas como uma válvula de escape para expressar a raiva e não são canalizadas para construir um movimento combativo.
A relutância de muitos líderes sindicais para lutar reflete o modo como eles se integraram ao capitalismo e, na verdade, não vêem uma alternativa a ele. Em um caso extremo, na Irlanda, a maioria dos líderes sindicais estão tentando trabalhar com o governo enquanto ele implementa cortes. Mesmo onde alternativas políticas são apresentadas pelos líderes sindicais, elas ficam dentro dos limites do capitalismo.
Isso reflete parcialmente os efeitos das últimas duas décadas, de enfraquecimento da consciência socialista depois do colapso dos antigos estados stalinistas e do agudo giro à direito das cúpulas do movimento dos trabalhadores. Infelizmente, esse fracasso de desafiar o capitalismo é visto mesmo quando formações radicais formalmente declaram que são pelo socialismo – como o Die Linke na Alemanha ou, no caso do NPA na França, pelo ‘anti-capitalismo’. Como resultado, neste momento, não há grandes organizações de trabalhadores ou movimentos fazendo uma campanha contra o próprio capitalismo. Uma exceção foi a federação sindical francófona socialista (FGTB) na Bélgica, que recentemente fez uma campanha de que “capitalismo é mal para sua saúde”. Mas isso era só no abstrato, já que os líderes da FGTB combinaram essa campanha com o apoio ao Partido “Socialista” francófono que esteve no governo de coalizão com partidos capitalistas. Na eleição geral britânica deste ano uma coisa que todos os grandes partidos concordavam era que teriam que ser feitos cortes, uma posição que os líderes dos grandes sindicatos não mencionaram, já que faziam campanha pelo Novo Trabalhismo.
A crise econômica mundial mostrou enormes desafios para o movimento dos trabalhadores. Primeiro, há o dever de defender os padrões de vida existentes, algo que só pode ser feito por uma luta obstinada. Mas, tal é a profundidade e a seriedade desta crise que os governos e patrões imediatamente irão buscar minar e reverter qualquer sucesso dos trabalhadores. É por isso que, ao lado e como parte das questões atuais, o movimento dos trabalhadores deve apresentar a ideia de acabar com a ditadura e o caos do mercado e defender uma transformação socialista da sociedade.
Especialmente na Europa, o fracasso disso abre as portas para o desenvolvimento do nacionalismo. Nos países da zona do euro, populistas e nacionalistas de direita irão inevitavelmente explorar a pergunta natural dos trabalhadores e da classe média de “por que devemos pagar” por resgates estrangeiros quando os padrões de vida estão caindo em casa. Na Alemanha, o jornal de direita com circulação de massas Bild tomou a liderança no atiçamento destes sentimentos com manchetes de primeira página, como “Gregos querem nosso dinheiro”, e “Mais uma vez somos os idiotas da Europa”, depois que Merkel assinou o resgate de 750 bilhões de euros, e “Precisamos de nosso marco de volta?” Mas a raiva também está se acumulando na Irlanda, já em meio a uma recessão profunda. Ela será o segundo maior contribuinte per capita ao resgate, pagando 280 de euros por habitante.
Em toda a Europa tem havido uma campanha de ódio contra os supostos gregos “preguiçosos” que se aposentam “cedo”. Esse tipo de campanha nacionalista é uma típica tática de dividir para governar, também vista em muitos países com a hostilidade contra os trabalhadores imigrantes, e onde são feitas tentativas de jogar os trabalhadores do setor privado contra os do setor público. Os capitalistas usarão qualquer coisa para tentar desviar a atenção do fato de que essa crise, com origem em um período de desregulamentação e de um movimento socialista enfraquecido, é o resultado do funcionamento do próprio capitalismo. Isso também está por trás dos apelos governamentais por “unidade nacional” e “sacrifício conjunto”, como se a crise fosse resultado de algum desastre natural.
Também pode haver um tipo diferente de reação nacionalista contra essa crise. Na Grécia, e possivelmente em outros países amanhã, há uma raiva generalizada com o que está acontecendo, especialmente com o papel do governo alemão e do FMI para impor medidas de austeridade. Tendo ganhado a independência apenas há 180 anos atrás, sofrido uma violenta ocupação nazista e depois passado por uma brutal guerra civil – que um governo de direita inicialmente impopular ganhou com a ajuda britânica e americana – há um grande aumento de oposição a controle estrangeiro na sociedade grega. Hoje, há o sentimento de que o país está se tornando um “protetorado do FMI”. O governo do Pasok está tentando explorar isso e desviar a raiva de suas políticas. Uma das tarefas da esquerda na Grécia é tomar o que é positivo na reação aos ditados da UE e FMI e desenvolvê-lo numa direção socialista e classista que desafie tanto o capitalismo grego quanto internacional.
Ao lutar pela construção de uma oposição socialista e internacionalista, o chamado de maio por alguns membros de esquerda do parlamento europeu, por uma semana de protestos e solidariedade europeia ao lado de seis propostas políticas, pode jogar um papel importante. É claro, tem havido vários chamados por solidariedade à população grega, mas a diferença desse apelo, originalmente esboçada pelo membro do CIT Joe Higgins, parlamentar europeu do Partido Socialista por Dublin, é que levanta claramente, em linguagem direta, questões de classe. Esse apelo não é um programa pleno, mas uma base sobre a qual pode ser construída uma ação conjunta em uma campanha que verbalize os passos concretos para defender os padrões de vida e resistir à ofensiva das classes dominantes.
Já tem havido ações de solidariedade no sul da Europa, com trabalhadores de diferentes países tendo procurado manter lutas comuns para desafiar as táticas divisionistas dos patrões. É urgente que esses tipos de ações sejam estendidos e aprofundados, para que não sejam simplesmente ações simbólicas ou de solidariedade, mas marquem o início de um contra-ataque internacional contra a ditadura do mercado e o caos do capitalismo.
A declaração conjunta de abril das organizações e membros do CIT da Grécia, Portugal, Espanha e Alemanha explicou: “A atual situação representa um profundo impasse para a UE capitalista. Não há solução estável para países capitalistas individuais”. Além disso, essa crise é um resultado não apenas do cassino do mercado financeiro, mas do próprio capitalismo. O movimento dos trabalhadores precisa colocar claramente a visão de uma alternativa socialista pela qual lutar.
É por isso que ligamos demandas como as da iniciativa dos parlamentares europeus de esquerda ao nosso programa mais amplo. Esse chamado pela revitalização do movimento dos trabalhadores internacionalmente, para que ele possa “lutar pela nacionalização dos setores chave da economia, sob controle e gestão dos trabalhadores, para desenvolver um plano socialista de produção para acabar com a crise e desenvolver a economia no interesse dos trabalhadores, consistente com as necessidades do meio ambiente. A atual situação representa um profundo impasse para a UE capitalista. Não há solução estável para países capitalistas individuais. O CIT luta contra a Europa dos patrões, e a favor de uma federação socialista democrática da Europa, em uma base igual e voluntária, como alternativa à União Europeia capitalista”.