Por um PSOL de luta, classista e socialista
Para derrotar a direita é necessário resgatar o caminho das lutas, da independência de classe e defesa de um programa socialista!
O PSOL está prestes a realizar o seu 8º congresso em uma conjuntura complexa, onde seu projeto fundacional está sendo colocado à prova. A bem-vinda derrota de Bolsonaro nas eleições não significou uma derrota decisiva da extrema-direita, e no congresso, o Centrão e a direita estão ditando as regras. Diante disso, o governo Lula repete a fracassada política de conciliação de classes movida por negociações de cargos e liberação de verbas, com abandono de demandas sociais, num contexto mais difícil do que quando chegou ao poder pela primeira vez em 2003.
Nesse contexto, o PSOL vem aprofundando uma linha de aposta em uma aliança com o PT e uma tática voltada à institucionalidade, resumida na frase “o PSOL trabalha para o governo Lula dar certo”. Para nós, a política do PSOL deveria ser a de derrotar a extrema-direita e a direita apostando na luta da classe trabalhadora, na independência de classe e num programa socialista.
O processo congressual do partido deve ser parte de um processo de reorganização da esquerda no Brasil e no mundo na direção da construção de alternativas socialistas consequentes como única forma de se derrotar a direita e o capitalismo que ameaça toda a humanidade.
A Era da Desordem mundial e a busca por alternativa
O sistema capitalista mundial está marcado por uma série de profundas crises. A guerra na Ucrânia nos marcos de uma nova guerra fria interimperialista, a crise climática cada vez mais acentuada, o número de refugiados no mundo ultrapassando cem milhões pela primeira vez, os efeitos da pandemia da Covid e uma crescente desigualdade social, com riquezas da classe de parasitas da elite agora sendo contada em centenas de bilhões de dólares.
Na esteira dessas crises cresce uma nova extrema-direita e cresce o caráter repressivo do Estado capitalista, dando luz a fenômenos nefastos como Bolsonaro e Trump, visando aumentar os ataques ao povo trabalhador que gera as riquezas.
Mas há também luta e resistência. As lutas da juventude, trabalhadores e povos originários contra as mudanças climáticas e devastação ambiental têm atingido todos os continentes. Assim como a luta contras as opressões, como a luta antirracista do Vidas Negras Importam e luta pelo direito ao aborto e contra a violência contra as mulheres, como recentemente a luta heroica das mulheres no Irã.
Na América Latina, vimos uma série de governos “de esquerda” ou “progressistas” sendo eleitos após movimentos de massas que mudaram a correlação de forças na sociedade, no Chile, na Bolívia, no Peru, na Argentina e no governo inédito de esquerda na Colômbia.
Porém, também vemos como governo após governo entra em crise. Não conseguem estar à altura da esperança de mudança desses movimentos e, ao invés disso, apostam em alianças com o centro e a direita, ao preço de abandonar medidas sociais radicais, em nome da “governabilidade”. Isso abre espaço para desmoralização, desmobilização e derrotas, como vimos no caso da constituinte no Chile e o golpe no Peru.
Acordões com o Centrão não trará “governabilidade”
A “governabilidade” construída a partir de acordos com Arthur Lira e o Centrão já está gerando crises. Por cada medida de avanço (sempre aquém do necessário), como salário mínimo, bolsa família e ação contra garimpeiros nas terras Yanomami, há também ataques e retrocessos. Seja por derrotas diretas do governo em votações como a do Marco Temporal, ou em acordos defendidos pelo próprio governo, como o Arcabouço Fiscal.
Para derrotar a extrema-direita, mas também a direita dentro e fora do governo, é necessário resgatar o caminho das lutas, da independência de classe e da defesa de um programa socialista.
Esse não é um debate novo. O PSOL foi fundado há 19 anos justamente para romper com a linha de conciliação de classes. Ao não ir além dos limites impostos pelo sistema, o PT não conseguiu resolver os problemas sociais, e com o fim do boom das commodities e o aprofundamento de medidas neoliberais no segundo mandato de Dilma, o partido perdeu apoio, abrindo caminho para a extrema-direita.
Unidos na luta contra a extrema-direita, mas independente do governo
A diferença do PSOL de hoje e o de 19 anos atrás é que o setor majoritário do partido agora aposta em sustentar essa “governabilidade” inviável do PT.
Nos debates do Diretório Nacional do partido, membros do campo majoritário defendem que “ entre nós e o fascismo só existe o governo Lula”, e que o papel do partido é evitar uma derrota do governo. Isso incluiu até a defesa de alguns dirigentes do voto no Arcabouço Fiscal, apesar das duras críticas, o que felizmente não se tornou a linha do partido.
Desde o congresso anterior em 2022, o campo majoritário tem argumentado por alianças eleitorais com o PT e alinhamento ao governo após as eleições. As principais correntes do campo majoritário, Revolução Solidária e Primavera Socialista, defendiam a entrada formal do PSOL no governo. Essa proposta não tinha apoio, e foi feito um meio-termo, onde o partido formalmente não comporia o governo, mas abriria espaço para a participação de filiados, como Sônia Guajajara no Ministério de Povos Indígenas. O partido compõe, porém, a bancada governista, inclusive com o deputado Henrique Vieira do Rio de Janeiro como vice-líder.
Obviamente, estaremos juntos lutando contra a extrema-direita e novas tentativas golpistas, mas devemos fazer isso mantendo uma independência pra valer. Defendemos uma independência não para lavar as mãos, pelo contrário, para ter as mãos livres para lutar mesmo quando o governo recua da luta contra os ataques da direita, quando o próprio governo implementa medidas de direita e recusa-se a adotar um programa de mudanças radicais em favor da classe trabalhadora e do povo oprimido.
Contudo, temos que ser categóricos: o que está entre nós e o fascismo é a classe trabalhadora organizada e em luta, não o governo, ou as instituições do Estado capitalista, que têm como função proteger os privilégios e as estruturas da sociedade. Não devemos apostar todas as fichas no Congresso ou no STF, que permitiu o golpe contra Dilma.
Cresce o peso do aparato e das instituições
A pressão sobre o PSOL para aprofundar cada vez mais seu caráter institucional vem aumentando também à medida que o partido cresce e ganha mandatos. Obviamente, comemoramos o crescimento do partido, especialmente com a eleição de parlamentares mulheres, negras, indígenas e trans. Porém, a ideia de que o partido irá crescer linearmente é enganosa. A crise do PT irá afetar também o PSOL, e à medida que a direita ameaça vencer novas eleições, o partido pode perder espaço rapidamente, ao diluir sua diferenciação com o PT. Vemos um exemplo recente na Espanha, onde o Podemos quase desapareceu nas eleições municipais, depois de ter conseguido mais de 20% dos votos em eleições anteriores.
Há uma mudança também no caráter militante do partido. A criação do fundo eleitoral bilionário, para substituir as doações de empresas, gerou uma distorção. As candidaturas prioritárias agora têm orçamentos milionários, baseados na divulgação de propaganda paga, seja em redes sociais ou com pessoas pagas para fazer campanha de rua.
Junto com o crescimento do número de mandatos, há também o crescimento de grandes aparatos e centenas de assessores pagos pelo Estado. Esses aparatos, por sua vez, têm grande capacidade de fazer campanhas de filiação em massa, muitas vezes sem debate político, o que serve de base para a disputa de poder interno. Tudo isso leva a um aumento da pressão para se adaptar ao sistema.
Precisamos também fazer um balanço sobre a atuação do partido no nível executivo. Hoje, o partido dirige uma capital estadual, Belém, em uma gestão que acaba não sendo fundamentalmente diferente de muitas do PT. Obviamente, não se pode estabelecer o socialismo em uma só cidade, mas há o risco de se tornar uma administração do “possível” que não contribui para a construção de um movimento que aponte para uma ruptura com o sistema.
A prefeitura e a direção partidária fizeram grande caso do fato de que a cúpula do clima da ONU de 2025, a COP30, será em Belém. Mas essa não será uma reedição dos Fóruns Sociais Mundiais que surgiram como contraponto ao Fórum Econômico Mundial de Davos. É um circo itinerante do establishment com um enorme espaço para o lobby de grandes empresas, que pouco fazem pelo clima. Nosso foco não deve ser a cúpula com governos, mas sim a luta dos movimentos que se mobilizarão por fora dela.
Essas pressões serão mais evidentes ainda nas eleições municipais do ano que vem, com a chance de o PSOL conquistar a prefeitura de São Paulo. Seria um passo muito importante, mas que enfrentará grandes limitações ao tentar adequar a candidatura a uma aliança com o PT e outros. Isso tende a resultar em um rebaixamento programático, como já vimos na campanha de 2020, com a aceitação de PPPs e empresas privadas no ensino.
Um partido radicalmente democrático e a serviço das lutas
A construção do PSOL como instrumento adequado à nossa luta depende de três pilares: a inserção nas lutas; um programa socialista e antissistêmico; e construção de instâncias e métodos democráticos e pela base. Precisamos começar revertendo a lógica de disputas internas baseadas em filiações em massa sem critérios políticos para que filiados/as sejam convocados/as a cada três anos para eleger delegados. Isto é possível dando mais espaço para núcleos e setoriais e com a realização regular de plenárias e atividades de formação política.
Também temos que escapar da armadilha de ter um partido que depende exclusivamente de financiamento do estado possibilitado pela conquista de mandatos parlamentares, pois isto enfraquece nossa independência política e mina as possibilidades de resistência em conjunturas de restrição de direitos democráticos.
Infelizmente a política sendo implementada no partido vai no sentido oposto. O partido realiza um congresso com regras mais restritas, aumentando o número de assinaturas necessárias para apresentar uma tese de 400 para 1500. Isso limita a participação de correntes menores ou regionais. Além disso, estão previstas mais plenárias na etapa municipal em um período mais curto e menos mecanismos de fiscalização, o que é preocupante considerando problemas ocorridos em congressos anteriores.
Defendemos um PSOL que seja radicalmente democrático, controlado pela base e sem privilégios, com pode real da base, com plenárias de núcleos e setoriais.
Precisamos de maior controle democrático sobre as bancadas e recursos parlamentares e para isso as estruturas partidárias precisam funcionar. Defendemos que representantes de trabalhadores devem ter salário de trabalhador qualificado e que o partido precisa de uma política de autofinanciamento.
Um programa socialista
O partido precisa também resgatar o programa socialista de sua fundação. Um programa que parte das lutas por direitos e serviços sociais: por emprego, salários dignos, moradia, saúde, educação, transporte etc. Uma política de defesa do meio ambiente e contra toda forma de opressão, seja o machismo, racismo e lgbt-fobia. Uma política que rompa com a lógica neoliberal de teto de gastos e arcabouço fiscal, das privatizações, terceirizações e PPPs. Contra retirada de direitos e pela revogação das contrarreformas trabalhistas, previdenciária.
Para bancar os necessários investimentos sociais é necessário taxar as fortunas e lucros das grandes empresas e realizar uma auditoria da dívida pública, com a suspensão do pagamento para os grandes credores. Isso só é possível atacando o poder econômico da elite, estatizando os bancos, sistema financeiro e grandes monopólios privados sob o controle e gestão dos/as trabalhadores.
Assim será possível romper com o sistema que só se move para gerar lucro para uma pequena elite e começar a implementar um sistema onde as riquezas comuns sejam usadas para produzir o que é socialmente necessário para uma vida digna e em harmonia com a natureza, através de uma economia democraticamente planificada.