Construindo uma alternativa socialista na Alemanha – entrevista com militante do CIO

Entrevista ocorrida em agosto de 2008 durante a Escola de Quadros Européia do CIO realizada por Luciano Barboza com a vereadora distrital de Berlim ocidental Anne Engelhardt (22 anos) do Sozialistische Alternative (SAV) (Alternativa Socialista em português) organização filiada ao CIO. Seus militantes atuam no interior do novo partido que recompõe a esquerda alemã, Die Linke (A Esquerda, nome em alemão)

 

SR: Explique o impacto da queda do muro de Berlim na consciência dos socialistas na Alemanha.

Nossa organização (CIO) participou de um ato com milhares de pessoas no dia 4 de novembro de 1989, ou seja, cinco dias antes da queda do muro de Berlim. Depois da queda do muro, nós ficamos com pouco trabalho no lado oriental e mantemos um trabalho mais consistente no lado ocidental.

Em 1992 saímos do SPD (partido que tinha maior influencia entre os trabalhadores alemães ate a década de 1990, mas que possuía uma orientação geral reformista). Houve uma grande desilusão no movimento de trabalhadores, a maior parte dos ativistas parou de militar ou foi para a direita, falar de socialismo se tornou impossível.

No leste da Alemanha a esquerda acabou, houve uma retirada dos poucos direitos trabalhistas adquiridos na época stalinista, mas mesmo assim a população estava iludida com o capitalismo. Somente no final da década de 1990 a população caiu em desilusão com o capitalismo.

Sendo assim, a queda do muro de Berlim criou uma situação muito difícil para os trotskistas. O CDU (Partido Cristão Unificado) de direita conseguiu se fortalecer, defendendo a reunificação da Alemanha, alegando que isso ia trazer prosperidade para todos. Por isso apesar do SPD ser reformista o CIO permaneceu dentro dele até 1992.

No leste da Alemanha os trabalhadores iniciaram protestos que poderia ser o começo de uma revolução política contra o stalinismo, houve muitas greves exigindo mudanças, mas depois houve uma contra revolução que acabou com a influencia da esquerda e restaurou o capitalismo.

Não existia um partido revolucionário para dirigir as massas, as massas estavam nas ruas, mas sem direção, nesse período tínhamos pouca influencia nos trabalhadores porque éramos muito pequenos.

A queda do stalinismo foi resultado de um movimento espontâneo, uma grande revolta dos trabalhadores que queriam derrubar o muro de Berlim, e derrubaram, mas faltou uma direção política.

Os moradores do lado oriental ganharam dinheiro dos capitalistas do lado ocidental para comprar em suas lojas. Dessa forma os capitalistas conseguiram iludir o povo que suas vidas melhorariam, porque a Alemanha ocidental era muito rica. O povo achou que essa riqueza seria distribuída, o que não ocorreu.

A contra revolução levou à restauração do capitalismo e seus atrasos. Os investimentos nas escolas públicas no leste, que eram de alta qualidade, foram drasticamente reduzidos se comparados ao período stalinista. O aborto no leste era legal com gravidez de no máximo 4 meses, com o retorno do capitalismo tornou-se muito restrito, o sistema de saúde publica que era muito bom foi totalmente destruído com a reunificação alemã.

Na década de 1990 ressurge o sentimento nacionalista de extrema direita (neonazismo) na Alemanha Oriental, o crescimento da pobreza entre os trabalhadores do leste levou a isso. O alcoolismo cresceu no leste e muitas pessoas ficaram deprimidas, pois se sentiram traídas e enganadas com as ilusões do capitalismo, hoje as diferenças sociais entre os dois lados ainda são muito grandes.

 

SR: Explique quantos somos hoje na nossa organização (SAV/CIO) e quais lutas estamos participando.

Somos 370 militantes na Alemanha, temos vereadores em várias cidades. Em Rostock, no oriente, temos uma vereadora, foi lá que ocorreu os grandes atos contra o G8 em junho de 2007. Temos uma trabalho importante em cidades como Colônia e Aachen nona no ocidente, onde também temos vereadores. Também temos uma base importante em Berlim, onde temos dois vereadores distritais.

Ajudamos a organizar greves de estudantes em 2006 e 2007 na Universidade de Fulda, em Hessen (no ocidente), com destaque para nosso camarada Sebastian. Fomos contra a cobrança de mensalidades na universidade pública e a greve estudantil foi vitoriosa.

Temos trabalho sindical em uma grande fabrica de carros (Daimler) em Berlim, também na área da saúde na cidade de Stuttgart, Berlim e Kassel, além de trabalho no sindicato de transporte público e no sindicato (Verdi) que organiza os funcionários públicos em geral na Alemanha.

A SAV tem priorizado a atuação nas escolas secundárias, contra privatizações, e agora estamos organizando uma grande campanha por mais investimentos na educação, preparando-se para possíveis greves estudantis. Acreditamos que se bem sucedidas haverá um grande crescimento da organização (SAV) nessas greves, por isso fundamos comitês de lutas em muitas cidades.  

 

SR: Explique nossa participação SAV/CIO na recomposição da esquerda na Alemanha hoje

O trabalho do CIO se inicia na década de 1970, quando atuamos dentro do SPD. Depois de romper com o SPD em 1992, nós reivindicamos a construção de um novo partido classista, mas estávamos sozinhos com essa política na época.

Em 2004 entramos no WASG que foi uma tentativa de recomposição da esquerda. Infelizmente a direção do partido cedeu à pressão de Oskar Lafontaine, que condicionou a sua entrada no partido a uma fusão com o antigo partido stalinista, o PDS. Mesmo assim participamos no novo partido que surgiu dessa fusão, Die Linke. Oskar Lafontaine é a grande figura do partido, foi candidato a primeiro ministro e apesar da derrota teve um grande apoio popular, defendendo estatizações na Alemanha.

Nós do SAV/CIO tentamos disputar a militância do partido para uma posição marxista revolucionaria contra a posição hegemônica mais reformista e burocrática do partido. A nossa camarada Lucy Redler (os jornais chamam-na de “a Vermelha” por suas posições trotskistas) é conhecida em toda a Alemanha chamando a atenção para nossas posições abrindo uma possibilidade de crescimento para nossa posição.