Irã: Trump traz a região pra mais perto da guerra
A manchete e o editorial no jornal libanês pró-Hezbollah “Al-Akhbar” na sexta-feira dizia: “O martírio de Soleimani: É guerra!” Esta é apenas uma das primeiras reações de raiva ao ataque noturno de um drone dos EUA ao comboio que deixava o aeroporto internacional de Bagdá, que matou o general iraniano Qassem Soleimani e pelo menos seis outros, incluindo vários comandantes de milícias que tinham estado envolvidos na batalha contra o Estado Islâmico. As ondas de choque rapidamente se espalharam pelo mundo – o preço do petróleo saltou 4% e a bolsa de valores dos EUA ficou sob pressão, enquanto especuladores procuravam “portos seguros” para o seu dinheiro. Os termos “Terceira Guerra Mundial” e “Francisco Ferdinand” (arquiduque da Áustria, cujo assassinato foi considerado o estopim para o início da Primeira Guerra Mundial) eram trending topics no twitter.
Não estamos à beira de uma terceira guerra mundial como resultado desta ação brutal de Donald Trump. Mas a sua decisão de autorizar este assassinato tornou, sem dúvida, a situação na região muito mais perigosa e pode rapidamente evoluir em para um conflito muito mais sério. Isto é indicado pelo aviso enviado pelo governo dos EUA aos cidadãos estadunidenses no Iraque para deixarem o país imediatamente, não fazendo nenhuma tentativa de se aproximar da embaixada dos EUA. O Irã e os seus aliados, como o Hezbollah no Líbano, procurarão atacar alvos dos EUA e de aliados dos EUA, incluindo, possivelmente, Israel ou Arábia Saudita, levando a uma retaliação adicional por estes regimes. As vítimas desta escalada serão esmagadoramente pessoas comuns na região.
O Irã também demonstrou no início deste ano que é capaz de bloquear o tráfego de petroleiros no Estreito de Hormuz, além de paralisar a produção de petróleo saudita. A eclosão de um conflito mais sério na região pode ter consequências importantes para a economia mundial, que já enfrenta uma grande desaceleração. Outra consequência a longo prazo para os estadunidenses comuns e outras pessoas inocentes em todo o mundo será, evidentemente, a ameaça de novos ataques terroristas.
O assassinato de Soleimani é o último estágio de uma ofensiva dos EUA contra o Irã, que começou com a retirada de Trump do acordo nuclear negociado sob Obama, seguido de sanções devastadoras. As sanções em si são um ato de guerra e o regime iraniano tem procurado revidar, inclusive derrubando um drone militar dos EUA e usando suas forças aliadas no Iraque para atacar bases com tropas dos EUA. O assassinato também reflete a necessidade do imperialismo estadunidense de mostrar “força” após o desastroso acordo com Erdogan no norte da Síria e vários ataques do regime iraniano e seus aliados, inclusive na embaixada dos EUA em Bagdá.
A forma como Trump tomou a decisão de lançar o ataque em si mesmo indica a natureza “vil” do seu governo. Ele não só ignorou o Congresso, que supostamente deveria sancionar tais ações, como os relatórios apontam que ele mal consultou seus próprios conselheiros. Na verdade, em vez de fazer ele mesmo o anúncio, ele deixou essa honra para o Pentágono, e apenas postou no Twitter uma imagem da bandeira dos EUA. Embora os democratas estadunidenses estejam apontando corretamente que Trump pode estar tentando desviar a atenção do processo de impeachment, eles fariam bem em lembrar que em 1998 o presidente Clinton lançou um ataque aéreo urgente contra o Iraque no momento em que o seu próprio processo de impeachment estava em andamento.
Enquanto nos opomos ao “direito” autodeclarado pelo imperialismo estadunidense de assassinar seus oponentes, nenhum socialista derramará lágrimas por Qassem Soleimani. Ele encabeçou a notoriamente brutal “Força Quds” – as unidades militares do regime iraniano usadas para intervenção no estrangeiro – “recursos negáveis” (não reconhecidas oficialmente) que alegadamente desempenharam um grande papel nos conflitos no Iraque, Síria, Iêmen, Gaza, Líbano e Afeganistão. Ele é creditado por ter desempenhado um papel fundamental na galvanização das forças contra o Estado Islâmico. Como tal, ele não tem sido amigo de pessoas comuns, ao contrário, tem desempenhado um grande papel no apoio a regimes reacionários na região. Quando estudantes participaram em manifestações em Teerã em 1999, Soleimani enviou uma carta ao presidente Khatami avisando-o que, a menos que ele reprimisse os estudantes, Soleimani o faria ele mesmo e, ao mesmo tempo, organizaria um golpe militar para derrubar Khatami. É amplamente considerado pelos participantes nos recentes protestos no Iraque, que exigiram o fim da intervenção iraniana e de toda a intervenção estrangeira que Soleimani, não só pressionou o governo de Bagdá a tomar uma linha dura, mas também tem fornecido e pressionado as milícias para atacar os manifestantes. Centenas de pessoas foram mortas e muitos mais feridos.
No entanto, isto não é absolutamente nenhuma justificativa para o assassinato do general e de sua comitiva. Nem devemos cair na armadilha de repetir o que alguns porta-vozes de Trump têm dito, que Soleimani é responsável por todos os problemas da região. Toda a região é vítima de uma brutal batalha pelo poder e controle dos recursos naturais entre as diferentes potências imperialistas, incluindo as potências imperialistas regionais. Não há princípios envolvidos, exceto a tentativa de explorar a riqueza da região em detrimento das pessoas comuns. Alianças que são convenientes em um momento ou em um país, por exemplo, na luta contra o EI, são abandonadas ou viradas de cabeça para baixo nos países vizinhos. A primeira cidade iraquiana a resistir ao EI em 2014, Amerli, foi defendida pelo que o Los Angeles Times descreveu como “uma parceria incomum de soldados iraquianos e curdos, milícias xiitas apoiadas pelo Irã e aviões de guerra dos EUA”. Nessa ocasião, os EUA estavam bastante felizes em trabalhar ao lado de Soleimani.
A justificativa de Trump para o ataque é que agora Soleimani “representava uma ameaça iminente às vidas americanas” e estava “conspirando para matar cidadãos dos EUA”. Isto vem na sequência da declaração que ele fez no início desta semana depois que membros de milícias xiitas, que são amplamente vistos como promovidos por Soleimani, invadiram e ocuparam o complexo da Embaixada dos EUA em Bagdá, sem perda de vidas. Trump advertiu que “o Irã será totalmente responsável pelas vidas perdidas, ou pelos danos sofridos em qualquer uma de nossas instalações. Eles pagarão um GRANDE PREÇO! Isto não é uma Advertência, é uma Ameaça. Feliz Ano Novo!”
A ocupação da embaixada é um claro aviso dos perigos e consequências da intervenção de diferentes forças imperialistas na região. Desde o início de outubro, o Iraque tem estado sob o domínio de protestos heróicos contra a falta de empregos, serviços, corrupção em grande escala e o sectarismo religioso que tem sido consagrado no sistema governamental remanescente desde o fim da ocupação formal dos EUA. (Ver artigo https://worldsocialist.net/?p=847).
Os manifestantes deixaram evidente sua oposição à presença das forças estadunidenses e seu ódio às milícias apoiadas pelo Irã, que têm estado envolvidas no ataque aos manifestantes, em apoio ao atual governo de tendência pro-Irã. Estes últimos acontecimentos enfureceram as milícias xiitas reacionárias, que sem dúvida intensificarão suas campanhas violentas em toda a região. No Iraque, Muqtada al-Sadr já declarou que vai reativar o exército Mahdi que lutou contra os EUA e levou a cabo uma série de assassinatos sectários durante a guerra civil iraquiana.
O Irã também presenciou recentemente o crescimento de uma oposição em massa, desencadeada pelo aumento dos preços dos combustíveis no contexto de uma economia que sofre de corrupção maciça e das sanções impostas pelos EUA. Tal como no Iraque, o regime agiu com brutalidade, acusando a oposição, ao mesmo tempo de ser “contrarrevolucionários e inimigos estrangeiros do Irã” e provocando sentimentos anti-EUA. (Ver artigo https://worldsocialist.net/?p=743).
O assassinato de Soleimani, ao mesmo tempo em que é um golpe contra o regime iraniano, também agirá para reforçá-lo num momento em que enfrenta seu maior desafio interno de oposição de massa desde a Revolução de 1979. O próprio Soleimani foi rapidamente substituído pelo Brigadeiro-General da Guarda Revolucionária Islâmica Esamil Ghaani, que não só continuará como, sem dúvida, intensificará o trabalho sangrento de Soleimani em todo o Oriente Médio. O assassinato está sendo usado pelo regime de Teerã para intensificar sua propaganda anti-EUA, dificultando a continuação do movimento de protesto lá. O Irã já viu uma onda de protestos cantando “Morte à América” e carregando retratos de Soleimani – segundo a agência de notícias iraniana já atingindo Teerã, Arak, Bojnourd, Hamedan, Hormozgan, Sanandaj, Semnan, Shiraz e Yazd.
A reação de outras potências imperialistas tem sido de preocupação e cautela. A China tem apelado aos EUA para que respeitem a soberania iraquiana. O presidente francês Macron telefonou imediatamente ao presidente Putin da Rússia, ambos os países expressando a necessidade de cautela e de que o Irã evite a escalada do conflito. Israel, é óbvio, apoia a ação dos EUA, mas teve que reforçar sua segurança em resposta. A preocupação das outras potências é alimentada não pelos direitos humanos ou políticos dos que vivem na região, mas pelo medo de que essa ação possa conduzir a região a uma escalada dramática do conflito e por causa dos efeitos potenciais na economia mundial. As potências europeias receiam que, como resultado, o governo iraquiano, que condenou o ataque, faça cumprir a decisão de expulsar as restantes 5 mil tropas estadunidenses ainda no país. Isto, eles temem que enfraqueça a luta contra o EI. Compreendendo nitidamente os perigos, o Pentágono enviou hoje mais 3,5 mil soldados, que já estão a caminho do Kuwait prontos para serem destacados para o Iraque, Síria ou outro lugar.
Um comentarista descreveu este ataque como um abandono da habitual natureza de “guerra por procuração” dos conflitos nesta parte do mundo, no sentido de que este foi um golpe direto de uma grande potência imperialista sobre outra potência, embora regional. Apesar das tentativas do Congresso e mesmo de setores militares dos EUA de controlar Trump, assim como da relutância de outras potências em apoiar suas ações agressivas, certamente haverá uma intensificação dos conflitos entre os diferentes lados, embora, nesta fase, não seja provável uma guerra aberta entre as potências. No entanto, estes conflitos podem evoluir para um confronto aberto entre as tropas das diferentes potências – e não apenas entre os EUA e o Irã. A Rússia, por exemplo, abriu agora uma base militar na Síria a pouca distância de uma área supostamente sob proteção dos EUA, enquanto a Turquia está enviando forças para a Líbia.
Existem duas possibilidades. Ou as diferentes potências e senhores da guerra permanecem no controle e a situação degenera ainda mais, deixando a região numa situação de pobreza crescente e de conflito inter-étnico e inter-imperialista continuado, e o mundo em geral sujeito a ainda mais ações terroristas.
Ou a outra força que tem flexionado seus músculos na região nos últimos meses – a classe trabalhadora – pode intervir para impedir que isso aconteça. Os recentes acontecimentos no Iraque, no Irã, no Líbano e noutros lugares demonstraram o potencial que a classe trabalhadora tem se estiver unida e agir com decisão, recusando-se a apoiar-se em qualquer uma das potências imperialistas – sejam os EUA ou o Irã para apresentar a sua própria posição, independente e internacionalista.
Nós defendemos:
- Não à intervenção imperialista no Oriente Médio, pela retirada dos EUA, França, Reino Unido, Rússia e todas as outras tropas estrangeiras da região e pela não intervenção dos governos nacionais nos assuntos dos países vizinhos.
- Pelo pleno apoio aos movimentos de protesto no Iraque, Irã, Líbano e noutros lugares nas suas lutas contra a pobreza, a corrupção e a divisão étnica.
- Construir um movimento antiguerra de massas nos EUA e internacionalmente que seja solidário com as revoltas dos trabalhadores e da juventude na região.
- Pela unidade dos trabalhadores e da juventude na região para derrubar os governos pró-capitalistas, que se baseiam e promovem a divisão étnica e o conflito, e sua substituição por governos de trabalhadores genuinamente democráticos com um programa socialista para acabar com a pobreza, a corrupção e o regime autoritário – por uma Federação Socialista Democrática do Oriente Médio com plenos direitos democráticos e nacionais para todos os povos e minorias.