Lênin: o ditador original?
Num momento de exaltação quando as tropas americanas conquistaram Bagdá em 10 de abril de 2003, o Secretário de Defesa estadunidense, Donald Rumsfeld, proclamou que “Saddam Hussein agora está no seu verdadeiro lugar, ao lado de Hitler, Stalin, Lênin e Ceausescu no panteão dos brutais ditadores falidos”. Oitenta anos depois da morte de Lênin, a classe dominante global ainda o liga aos mais horríveis ditadores. Vamos examinar as razões por trás destas décadas de calúnia.
VLADIMIR LENIN, o principal líder da Revolução Russa, fez a seguinte observação significativa em meados de 1917: “Durante a vida dos grandes revolucionários, as classes opressoras os perseguiam constantemente, recebiam suas teorias com a malícia mais selvagem, o ódio mais furioso, e as mais inescrupulosas campanhas de mentiras e calúnias. Depois de sua morte, tentativas são feitas para convertê-los em ícones inofensivos, para canonizá-los, por assim dizer, e transformar seus nomes em uma espécie de ‘consolação’ para as classes oprimidas e em um objeto de enganação para elas, ao mesmo tempo em que roubam da teoria revolucionária sua substância, cegando seu fio revolucionário e a vulgarizando”. (O Estado e a Revolução)
Lênin morreu 80 anos atrás, em 21 de janeiro de 1924, mas então ele já estava afastado do trabalho político desde o final de 1922. Desde sua morte, contudo, as classes dominantes em todo o mundo não fizeram nenhuma tentativa de canonização. Seu medo da Revolução Russa, ‘os dez dias que abalaram o mundo’, as levaram a continuar com ‘a malícia mais selvagem, o ódio mais furioso e as mais inescrupulosas campanhas de mentira e calúnia’. Nunca antes ou depois estavam os capitalistas tão perto de perder seus lucros e poder mundialmente do que no período de 1917-20.
Campanhas anti-Lênin são usadas para afugentar os trabalhadores e jovens da idéia e da luta socialistas. Para os socialistas de hoje, é portanto necessário responder às mentiras e calúnias dirigidas contra Lênin e a Revolução Russa.
A imagem de uma linha contínua de Lênin a Joseph Stalin, e então para Leonid Brezhnev e Mikhail Gorbachov, é talvez a maior falsificação da história. Publicações como O Livro Negro do Comunismo: Crimes, Terror, Repressão – por Stephane Courtois, Nicolas Werth, Jean-Louis Panne, Andrzej Paczkowski, Karel Bartosek, Jean-Louis Margolin (Harvard University Press, 1999) – não diz nada sobre as políticas dos Bolcheviques liderados por Lênin ou as decisões tomadas imediatamente após a Revolução de Outubro em 1917. Eles escondem as enormes lutas dos anos 20, começadas pelo próprio Lênin, para parar a ascensão do stalinismo. Não conseguem explicar a guerra civil unilateral conduzida por Stalin nos anos 30 contra qualquer um ligado a Lênin.
Um historiador distinto que faz diferenças entre Lênin e Stalin foi EH Carr, que descreveu como o regime de Lênin encorajou a classe trabalhadora a tomar parte ativa nos negócios do partido e da nação.. Esta posição sobre democracia e direitos dos trabalhadores era completamente oposta à ditadura criada por Stalin. Foram os conselhos operários, os sovietes, que tomaram o poder em outubro de 1917, e eram seus delegados eleitos e revogáveis que apontavam o governo. Os direitos dos trabalhadores, incluindo o de greve, eram garantidos. A criação de comitês de fábrica e barganhas coletivas era encorajada. Os bolcheviques não eram a favor de banir qualquer partido, mesmo os partidos burgueses, desde que eles não participassem da luta armada. No inicio, a única organização banida foram os Cem-Negros, que eram formadas por bandos organizados como um partido proto-fascista especializado em ataques físicos aos radicais e pogroms contra as populações judias.
A Contra-Revolução de Stalin
O governo Bolchevique provou ser o mais progressivo na história em suas primeiras decisões. Estas incluíam novas leis dos direitos das mulheres, o direito ao divórcio e ao aborto. O racismo e o anti-semitismo eram proibidos por lei. As nações oprimidas ganharam o direito de decidir seu destino. Este foi o primeiro estado que tentou criar uma nova ordem socialista, apesar das terríveis condições materiais.
A União Soviética de Lênin e seu programa político foram esmagados pelo stalinismo. A chegada ao poder da burocracia significou uma contra-revolução em cada campo, fora a economia nacionalizada. Os direitos dos trabalhadores, mulheres e nações oprimidas foram postas sob o tacão de ferro. Ao invés do ‘desaparecimento’, que era a perspectiva de Lênin para o aparato do estado operário, ele cresceu até uma opressiva máquina militar-policial de proporções gigantescas. O stalinismo era uma ditadura nacionalista, um organismo parasita que vivia no corpo da economia planificada.
Não era um resultado inevitável da revolução operária, mas foi causado por circunstâncias concretas, o isolamento da revolução – particularmente a derrota da revolução alemã de 1918-23 – e o retrocesso econômico da Rússia. O stalinismo, contudo, não pôde tomar o poder sem resistência. Os expurgos stalinistas e a caça-as-bruxas em 1936-38 não eram ações cegas, mas a resposta da burocracia à crescente oposição ao seu governo. O principal acusado nos processos de Moscou foi o aliado da Lênin em 1917, Leon Trotsky, e seus seguidores, que eram presos e executados aos milhares. Trotsky – que defendeu e desenvolveu o programa de Lênin e dos Bolcheviques – foi expulso da União Soviética em 1929 e assassinado por um assassino de Stalin no México em 1940. Trotsky se tornou o principal inimigo do regime de Stalin porque ele liderou a revolução em 1917 ao lado de Lênin (enquanto Stalin estava hesitante e permanecia nas sombras), analisou e expôs o regime de terror de Stalin em detalhes, e tinha um programa para a derrubada do stalinismo e para a restauração da democracia operária.
Os políticos burgueses e social-democratas no Ocidente também atacaram Trotsky como um líder marxista revolucionário. Eles compreenderam que suas idéias não eram apenas uma ameaça a Stalin mas ao poder capitalista como um todo. Durante os processos de Moscou em 1936, o governo norueguês não permitiu a Trotsky, que estava então na Noruega, a se defender publicamente. Quando Stalin em 1943 dissolveu a Internacional Comunista (criada em 1918 para ligar os grupos revolucionários por todo o mundo), na tentativa de conseguir uma aliança com os EUA e Grã-Bretanha, o New York Times comentou que Stalin finalmente renunciou à ‘idéia de Trotsky da revolução mundial’.
O antigo chefe espião de Stalin, Leopold Trepper, escreveu depois: “Mas quem protestou na época? Quem levantou a voz a este ultraje? Os trotskistas podem reivindicar isso em sua honra. Seguindo o exemplo de seu líder, que era lembrado por sua obstinação de um machado de gelo, eles combateram o stalinismo até a morte e foram os únicos que fizeram isso… Hoje, os trotskistas têm o direito de acusar aqueles que uma vez uivaram com os lobos”. (O Grande Jogo, 1977). Podemos comparar este comentário com o de Winston Churchill, que em 1950 chamou Stalin de um ‘grande homem de estado russo’.
Antes da contra-revolução política stalinista, os líderes sob Lênin e Trotsky não agiram por seus próprios interesses. Princípios guiaram suas ações, acima de tudo levar a luta dos trabalhadores a uma escala mundial. Admitiam quando eram forçados a se retirar ou fazer um compromisso.
O stalinismo, de outro lado, usou as condições dos anos de guerra civil e fome para criar um regime político inteiramente novo. A sociedade stalinista foi descrita como um ideal perfeito, um sonho mundial. Uma ditadura foi introduzida, não apenas na União Soviética, mas em todos os partidos ‘comunistas’ do mundo. Isso continuou mesmo quando as economias dos países stalinistas estavam no auge nos anos 50 e 60. Os debates livres e as tradições do partido Bolchevique foram sepultados nos anos 20 e 30.
O stalinismo em palavras manteve uma conexão com a revolução, Marx e Lênin, e os transformou em ícones religiosos, porque isso ajudou a fortalecer estes regimes. A burocracia queria manter as credencias da revolução, o que era em si mesmo uma prova do seu poder de atração. O resultado final, contudo, foi o descrédito de muitos conceitos do marxismo e do ‘leninismo’ nas mentes dos trabalhadores e do povo oprimido em todo o mundo. ‘Leninismo’ se tornou o slogan de uma ditadura parasita.
Esta falsificação stalinista das idéias de Lênin e do marxismo foi aceita sem questionamentos pela social democracia e das classes governantes internacionalmente. Todos eles têm interesse em esconder as verdadeiras idéias de Lênin. Trotsky e seus apoiadores defenderam o patrimônio político de Lênin, e se opuseram ao culto da personalidade que Stalin construiu. Em contraste à crítica superficial dos políticos do Ocidente, Trotsky tinha um programa científico e classista contra o stalinismo. Ele, por exemplo, alertou contra a coletivização forçada da agricultura sob um estilo militar de Stalin nos anos 1929-33 (embora alguns propagandistas anti-Lênin afirmem que foi Lênin que forçou a coletivização).
No livro A Revolução Traída, escrito em 1936, Trotsky explicou em detalhes como a política de Stalin era a oposta de Lênin: na cultura, na família, agricultura, indústria, direitos nacionais e democráticos, etc. Em todas as questões internacionais, o stalinismo rompeu com o programa e métodos de Lênin, acima de tudo a necessidade de independência da classe trabalhadora: na revolução chinesa de 1925-27, a luta contra o fascismo na Alemanha, a Revolução Espanhola nos anos 30, e em todas as outras lutas decisivas. Os comentaristas anti-Lênin de hoje, enfatizando que a luta revolucionária é ‘irrealista’, portanto acabam no campo de Stalin contra Lênin e Trotsky.
1917: O que foi obtido?
A revolução em fevereiro de 1917 derrubou o regime ditatorial do czar. O governo provisório que substituiu o czar, contudo, continuou as políticas que causaram a revolução. Os horrores da Primeira Guerra Mundial continuaram, a questão agrária permanecia irresolvida, a opressão nacional de fato foi aumentada, a fome nas cidades piorou, não havia nenhuma eleição e uma enorme repressão foi dirigida contra os trabalhadores e camponeses pobres. Estes desenvolvimentos, dificilmente mencionados pelos historiadores burgueses, lançaram as bases para o apoio de massas para os Bolcheviques e a Revolução de Outubro.
Enquanto Rumsfeld e cia. se baseiam em meros sensos comuns, livros como O Livro Negro do Comunismo são uma tentativa de dar uma justificação factual e histórica às calúnias de Rumsfeld. Nicolas Werth, que escreve o capítulo sobre os Bolcheviques, tenta virtualmente evitar falar das políticas do outono de 1917. Ele fala brevemente sobre os decretos sobre a paz e terra acordados no 2º Congresso dos Sovietes, o evento que elegeu o novo governo encabeçado por Lênin.
Foi essa reunião que adotou as políticas exigidas pelos pobres desde fevereiro e que eles próprios já tinham começado a implementar – uma drástica redistribuição da terra. Foram os Bolcheviques que de fato implementaram o slogan do Partido Socialista Revolucionário, ‘terra para os que nela trabalham’ – terra para 100 milhões de camponeses e sem-terras. (Os Socialistas Revolucionários tinham amplo apoio entre o campesinato, mas se dividiram em linhas de classe em 1917. Sua ala esquerda se uniu ao governo Soviético – antes da tentativa de derrubá-lo em 1918.) Trinta mil ricos donos de terra, odiados por todas as camadas do campesinato, perderam suas terras sem compensação.
O decreto do governo Bolchevique sobre a paz foi uma decisão de proporções históricas mundiais, esperado por milhões de soldados e suas famílias por mais de três anos. Este efeito da Revolução Russa e da subseqüente Revolução Alemã um ano depois, em terminar a 1ª Guerra Mundial (em novembro de 1918), é completamente ocultada pelas campanhas de mentiras contra Lênin e a revolução.
Werth, n’O Livro Negro, escreve que os Bolcheviques “pareciam” apelar para os povos não-russos para se libertarem eles mesmos. De fato, o governo declarou todos os povos iguais e soberanos, advogaram o direito de autodeterminação para todos os povos, incluindo o direito de formar seus próprios estados, e a abolição de todos os privilégios nacionais e religiosos.
As decisões de abolir a pena de morte no exército e para banir o racismo, que mostram as verdadeiras intenções do regime operário, não são mencionados em lugar algum n’O Livro Negro. O mesmo para o fato da Rússia Soviética ser o primeiro país a legalizar o direito ao aborto e divórcio. Inteiramente novo, também, foi o direito das organizações operárias e pessoas comuns de usar a imprensa, fazendo da liberdade de imprensa mais do que palavras vazias. O fato de que a crítica podia ser levantada nas ruas é verificada por várias testemunhas oculares. Os reformistas mencheviques e os anarquistas operaram em total liberdade e puderam, por exemplo, organizar manifestações de massa nos funerais de Georgi Plekhanov e do Príncipe Pyotr Kropotkin (em 1918 e 1921, respectivamente).
No 3º Congresso dos Sovietes, o primeiro depois de outubro de 1917, a maioria Bolchevique aumentou ainda mais. O novo comitê executivo eleito neste congresso incluía 160 Bolcheviques e 125 Socialistas Revolucionários de Esquerda. Mas havia também representantes de seis outros partidos, entre eles 2 líderes mencheviques. A democracia Soviética se espalhava para cada região e vila, onde trabalhadores e camponeses pobres criavam novos órgãos de poder, sovietes locais, que derrubavam os velhos governantes. O governo soviético significou que alguns pequenos grupos privilegiados na sociedade não tinham o direito de voto: os que alugavam outros por lucro ou viviam do trabalho de outros, monges e padres, mais criminosos. Isso pode ser comparado com a maioria dos países europeus onde, na época, a maioria dos trabalhadores e todas as mulheres careciam do direito ao voto e direitos sindicais.
Lênin explicou a importância histórica da revolução: “O governo soviético é o 1º no mundo (ou estritamente falando, o segundo, porque a Comuna de Paris [1871] começou a fazer a mesma coisa) a alistar o povo, especialmente os explorados, no trabalho da administração. Os trabalhadores são barrados da participação nos parlamentos burgueses (eles nunca decidem as questões importantes sob a democracia burguesa, que são decididas pelas bolsas de valores e bancos) por milhares de obstáculos, e os trabalhadores sabem e sentem, vêem e percebem perfeitamente bem que os parlamentos burgueses são instituições alienadas deles, instrumentos para a opressão dos trabalhadores pela burguesia, instituições de uma classe hostil, da minoria exploradora”.
Ao mesmo tempo, Lênin sempre tinha uma perspectiva internacionalista. Ele até alertou contra o uso da experiência russa como modelo a ser seguido em qualquer lugar: “Democracia Proletária, da qual o governo soviético é uma das formas, levou a um desenvolvimento e expansão da democracia sem precedentes no mundo, para a vasta maioria da população, para o povo oprimido e explorador”. “Deve ser observado que a questão de privar os exploradores do direito de voto é puramente uma questão russa, e não uma questão da ditadura do proletariado em geral”. (A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky, 1918)
Lênin notou que a vitória para a classe trabalhadora “em pelo menos um dos países avançados” poderia mudar o papel da revolução Russa: “A Rússia irá cessar de ser o modelo e uma vez mais se tornará um país atrasado (no sentido ‘soviético’ e socialista)”. (Esquerdismo, doença infantil do Comunismo, 1920)
‘Cruzada’ Anti-soviética
Em Petrogrado, os representantes dos trabalhadores tomaram o poder em outubro quase sem derramamento de sangue. Para falar a verdade, os Bolcheviques foram tão condescendentes com seus inimigos que em Moscou, generais que tentaram parar os trabalhadores com armas não eram presos se prometessem não fazer isso de novo!
Os inimigos da Revolução Russa, de outro lado, agiram de acordo com o moto de que contra os Bolcheviques todos os métodos eram permitidos, notou Victor Serge em seu livro, Ano Um da Revolução Russa (1930). Primeiro eles esperavam que os militares pudessem esmagar o novo governo, diretamente depois de outubro, Quando isso falhou, eles instigaram revoltas e sabotagens, enquanto rearmavam o exército contra-revolucionário ‘Branco’.
As nacionalidades oprimidas – os países Bálticos, Finlândia, Ucrânia, etc – estavam sob governo direto do governo provisório criado em fevereiro de 1917. Dada a possibilidade de auto-determinação nacional depois de outubro, a burguesia nacional se distinguiu, não pelo desejo de independência, mas pelo envio de tropas imperialistas para atacar o governo revolucionário. Na Ucrânia, o exército alemão expressou sua gratidão banindo a mesma ‘rada’ (parlamento) que o chamou. Os direitos nacionais não estavam garantidos na Ucrânia até o poder Soviético sob os Bolcheviques prevalecer.
O autor sueco anti-Lênin, Staffan Skott, sem querer prova o efeito libertador da revolução, e como isso foi depois esmagado por Stalin: “Sob o czar, as línguas ucranianas e bielorussas não eram permitidas. Depois da revolução, a cultura independente de ambos os países se desenvolveu rapidamente, com literatura, teatro, jornais e arte. Stalin, contudo, não queria a ‘independência’ indo tão longe e se tornasse uma independência verdadeira. Depois dos anos 30 não foi deixado muito à literatura ucraniana e bielorussa – quase todos os autores foram assassinados ou enviados para campos de prisão para morrer”.
Depois de outubro, “pessoas da ala esquerda dos Socialistas Revolucionários” eram os únicos cooperando com os Bolcheviques, escreve Werth n’O Livro Negro, para criar uma impressão de isolamento Bolchevique. Mas ele tem que admitir que, no fim de 1917, não havia nenhuma oposição séria capaz de desafiar o governo. A fraqueza da violência contra-revolucionária, neste estágio, também dá um quadro verdadeiro das intenções dos Bolcheviques. Se o objetivo de Lênin era começar uma guerra civil – como afirmam O Livro Negro e outros – porque então a guerra civil não começou até a segunda metade de 1918?
Na primeira metade de 1918, um total de 22 indivíduos foram executados pela lado ‘Vermelho’ – menos do que o Texas sob o governador George W Bush. Políticas pacifistas ainda dominavam. Havia vívidos debates nos sovietes entre os Bolcheviques e outras correntes políticas.
Contudo, a casta de oficiais e a burguesia na Rússia e internacionalmente estavam determinadas a agir militarmente. A guerra civil na Finlândia na primavera de 1918, onde o lado Branco ganhou ao custo de 30.000 trabalhadores e camponeses pobres assassinados, foi um ensaio geral do que aconteceria na Rússia. Com o objetivo de invadir e derrotar a Revolução Russa, uma nova aliança foi rapidamente formada pelos 2 blocos imperialistas que estiveram em guerra um contra o outro por 3 anos (15 milhões morreram na 1ª Guerra Mundial). A propaganda de guerra Britânica contra a Alemanha ignorou totalmente a invasão alemã na Rússia na primavera de 1918.
Foi Churchill que em 1919 cunhou a expressão ‘a cruzada anti-soviética de 14 nações’. Então o governo soviético estava cercado pelos generais Brancos Pyotr Krasnov e Anton Denikin, no Sul, o exército alemão no Oeste, e forças Tchecoslovacas no Leste.
A maioria da invasão ocorreu em 1918. Tropas britânicas chegaram ao porto de Murmansk, Noroeste da Rússia, em junho. Dois meses depois, forças britânicas e francesas tomaram o controle de Arkhangelsk, com os EUA se unindo a elas depois. Os EUA, com 8,000 soldados, e o Japão, com 72.000, invadiram Vladivostok no Extremo-Leste em agosto. Forças alemãs e turcas ocuparam a Geórgia, depois sob controle britânico. A Geórgia se tornou a base para o exército do General Denikin. Entre outros envolvidos estavam Romênia, uma legião de antigos prisioneiros de guerra Tchecos, Polônia, Hungria, Bulgária e os países Bálticos.
Em 30 de agosto de 1918, o líder Bolchevique Moisei Uritsky foi assassinado, e Lênin foi seriamente ferido num atentado à sua vida. Dois meses depois, a ala direita dos Socialistas Revolucionários matou outro Bolchevique, V. Volodarsky, comissário de imprensa para o soviete de Petrogrado. A crescente sede de sangue dos partidos de oposição foi provada de novo em Baku, capital do Azerbaijão. Os Bolcheviques perderam sua maioria no soviete de Baku, onde os Mencheviques e Socialistas Revolucionários chamaram tropas britânicas para ‘estabelecer a democracia’. Ao contrário da mitologia, os líderes Bolcheviques pacificamente renunciaram – mas então foram presos e executados por ordem do general britânico, W Thompson. A realidade da guerra civil triunfou sobre o desejo dos Bolcheviques de oferecer a outros partidos a possibilidade de ganhar a maioria dentro da classe trabalhadora.
O ‘terror vermelho’ proclamado pelos Bolcheviques em setembro de 1918 não tinha nada em comum com o que hoje se chama terrorismo. O ‘terror vermelho’ foi público, acordado pelo poder soviético, e dirigido contra aqueles que declararam guerra contra o governo e os sovietes. Foi em defesa da revolução e da libertação dos oprimidos, contra a exploração imperialista de colônias e escravos.
Os exemplos da Finlândia e Baku mostraram até onde o ‘terror branco’, os generais contra-revolucionários, estava pronto a ir. Até mesmo Werth n’O Livro Negro é obrigado a dizer o sentimento no campo Branco: ‘Abaixo os judeus e os comissários’ foi um dos slogans usados contra Lênin e Grigori Zinoviev, um proeminente Bolchevique (eventualmente incriminado nos processos de Stalin e executado em 1936). A brutalidade da guerra civil na Ucrânia apenas pode ser explicada pelo anti-semitismo da contra-revolução. Os soldados Brancos estavam lutando sob slogans tais como ‘Ucrânia para os ucranianos, sem judeus ou bolcheviques’, ‘Morte à escória judia’. O Exército Vermelho esmagou revoltas cossacas que estavam ligadas às forças do Almirante Aleksandr Kolchak. O Livro Negro afirma que os cossacos eram especialmente perseguidos, mas suas intenções eram claras e inflexíveis: ‘Nós Cossacos… somos contra os comunistas, as comunas (fazendas coletivas) e os judeus’. Werth estima que 150,000 pessoas morreram nos pogroms anti-semitas conduzidos pelas tropas de Denikin em 1919.
Outra Alternativa?
Na Rússia em 1917 e nos anos seguintes não havia possibilidade de uma ‘terceira via’ entre o poder soviético e uma reacionária ditadura policial-militar. Os mencheviques e os Socialistas Revolucionários, em particular, testaram esta via. Já durante a 1ª Guerra Mundial, a maioria da direção menchevique capitulou e se uniu ao campo chauvinista ou patriota, apoiando a Rússia czarista na guerra imperialista. Quando os sovietes dissolveram a Assembléia Constituinte em janeiro de 1918, os dois partidos entraram em negociações com representantes franceses e britânicos. Em cooperação com o burguês Partido Cadete (Constitucional Democratas), eles criaram uma nova assembléia Constituinte em Samara, Sudoeste da Rússia, em junho de 1918, sob proteção tcheca. Esta assembléia dissolveu os sovietes na região. Massacres foram conduzidos contra os Bolcheviques. Mesmo os jornais da própria assembléia se referiam a “uma epidemia de pragas”.
O argumento final da campanha anti-Lênin e anti-revolucionária é que o ‘comunismo’ matou mais de 85 milhões de pessoas – o arqui-anticomunista, RJ Rummel, diz 110 milhões. Mas um exame dos quadros dados n’ O livro Negro mostra que eles igualam o stalinismo e o regime de Lenin. Stephane Courtois afirma que 20 milhões de ‘vitimas do comunismo’ foram mortas na União Soviética. No período de 1918-23, contudo, o número de vitimas é fixado em ‘centenas de milhares’. Este quadro da guerra civil pode ser comparado, por exemplo, aos 600 mil mortos pelo bombardeio americano do Camboja nos anos 70, ou os 2 milhões mortos como resultado do golpe militar na Indonésia nos anos 60. O Livro Negro joga a responsabilidade de todas as vitimas da guerra civil na Rússia, incluindo os 150,000 mortos nos pogroms organizados pelo Exército Branco, sobre Lênin e os Bolcheviques. De acordo com Serge, 6 mil foram executados pelas autoridades soviéticas na metade de 1918, menos do que o número de mortos num só dia na batalha de Verdun na primeira guerra mundial.
Deste período até a morte de Lênin, Courtois também conta 5 milhões de mortos como resultado da fome de 1922. Os comunistas russos e seus apoiadores internacionalmente mostraram como esta catástrofe foi resultado do embargo econômico e consciente política de fome dos poderes ocidentais de 1919 em diante. Exportações e importações da Rússia estavam na prática em zero. A Suécia estava entre os países que bloquearam a Rússia Soviética.
Mesmo na ‘contagem de corpos’, os acadêmicos anti-Lênin terminam recordando que a maioria das mortes “causadas pelo comunismo” listadas n’O Livro Negro do Comunismo ocorreram sob Stalin ou os subseqüentes regimes stalinistas. Isto, contudo, não muda a posição de Courtois ou outros anticomunistas. Eles não querem alertar contra o stalinismo, mas contra “o desejo de mudar o mundo em nome de um ideal”.
O Exército Vermelho prevaleceu na guerra civil devido ao apoio de massas para a revolução social, tanto na Rússia quanto no estrangeiro. Foi a ameaça de revolução em casa que forçou os poderes imperialistas a se retirarem da Rússia. Após 6 meses do lançamento da Internacional Comunista em 1918, um milhão de membros se uniram a ela. Metade deles viviam em países e regiões anteriormente governadas pelo czar russo. Os novos partidos comunistas internacionalmente, contudo, não tinham a experiência dos Bolcheviques, que construíram o partido através de duas décadas de lutas – a revolução de 1905, o apoio de massas dos Bolcheviques em 1913-14, etc. As derrotas da revolução no resto da Europa – acima de tudo na Alemanha – lançou as bases para o stalinismo. Agora é hora para uma nova geração de socialistas aprender das verdadeiras lições de Lênin e dos Bolcheviques, em preparação para os iminentes eventos mundiais.