Brumadinho: a vida ou o lucro?

Três anos e dois meses após o rompimento da barragem de rejeitos de minérios operada pela Vale/Samarco em Mariana-MG, que soterrou o Rio Doce, assassinou trabalhadoras e trabalhadores, e ainda tem impactos ambientais em curso incalculáveis, uma tragédia similar acontece em Brumadinho, no mesmo estado, pela mesma empresa, deixando ainda mais vítimas, pelo menos uma cidade enterrada em lama, e ameaçando, dessa vez, a bacia hidrográfica do Rio São Francisco. No momento em que esse texto é escrito, a informação é de 171 mortes confirmadas e 139 trabalhadores e trabalhadoras ainda desaparecidos. 

Nos colocamos em solidariedade irrestrita com as trabalhadoras e os trabalhadores atingidos direta ou indiretamente pela tragédia. Assim como em Mariana, não nos resta dúvidas de que ela seria perfeitamente evitável, fossem os interesses humanos ou ambientais de alguma forma fator determinante das ações de qualquer empresa dentro do capitalismo. É necessária, além das ações urgentes de resgate e amparo de todos os afetados, e da implementação imediata de planos de redução de impactos, extensa e rigorosa investigação e responsabilização da Vale, que tire de seus lucros o necessário para a reconstrução das vidas dos que ficam, e para a recuperação ambiental de Brumadinho, de Mariana, do Rio Doce, do Rio Paraopebas. 

Quem é o responsável?

A catástrofe veio apenas três dias depois do presidente Jair Bolsonaro afirmar, em Davos, no Fórum Econômico Mundial, que “somos o país que mais preserva o meio ambiente”. Ele já vinha dizendo que há uma “indústria de multas” no setor ambiental, que as licenças ambientais atrapalham obras, e que é “horrível” ser patrão no Brasil. Após Brumadinho, não oferece nada de diferente: sua resposta foram afirmar que a administração federal não tem nada a ver com a “questão da Vale”, e pedir ajuda tecnológica – inefetiva – ao Estado de Israel, já responsável pelo armamento de boa parte da nossa polícia militarizada.

O governador do estado de Minas Gerais, Romeu Zema, do Partido Novo, afirmou, no sábado após o acidente, que as leis ambientais do Brasil são muito rigorosas, que a princípio não havia questionamentos quanto às licenças e alvarás da empresa, que estava “bastante preocupado” em tentar descobrir e corrigir o que aconteceu. O presidente da Vale, Fábio Schvartsman, que a priori disse não saber se a sirene de alerta tocou antes do rompimento das barragens (não tocou) que a barragem em questão não estava em situação de risco, declarou no dia 14 de fevereiro que “a Vale é uma joia brasileira, que não pode ser condenada por um acidente.”

Não foi um acidente!

Todas as declarações dos responsáveis, seja da empresa ou do poder público, são estonteantes. A realidade é que não foi um acidente! As empresas de mineração, como um todo, são responsáveis por algumas das práticas mais predatórias e termos de exploração humana e dos nossos ecossistemas. Na mesma semana do crime, oito funcionários da Vale foram presos sob a alegação de que teriam conhecimento prévio do risco de rompimento da barragem, e que ocupavam cargos, dentro da empresa, responsáveis por adotar as providências de adequação da estrutura ou evacuação da cidade. 

Isso é muito pouco. Brumadinho não é resultado da postura criminosa de oito funcionários, mas da própria empresa. Mesmo os alvarás da Vale que estejam em dia não significam muito, considerando que muitas de suas minas e usinas estão instaladas em áreas de proteção ambiental permanente, em territórios indígenas, em nascentes de rios, com autorizações especiais dos governos por sua grande importância econômica – ser uma “joia brasileira” significa receber carta branca dos governos e do grande capital.

É extremamente preocupante que existam cerca de 450 barragens de rejeitos de minérios somente no estado de Minas Gerais, e que não há qualquer possibilidade de garantia para a população – especialmente sob o governo de Bolsonaro – que quaisquer vistorias realizadas assegurem, de fato, a ausência de riscos de repetição da tragédia. A indenização irrisória que a Samarco e a Vale foram desobrigadas de pagar por Mariana já sinalizam que os lucros da empresa se manterão pouco ou nada ameaçados agora. Para os capitalistas mineradores, vale a pena pagar com nossas vidas.

Catástrofe ambiental generalizada em todo o mundo

As catástrofes com a lama suja da Vale são uns dos exemplos mais pungentes da contradição entre o capitalismo e a vida no planeta. A incapacidade de resposta de Bolsonaro é individual; ela é, na realidade, a máscara possível para uma consequência natural das ações do próprio sistema. Bem como o capitalismo explora as forças de trabalho humanas, sem arrefecer até arrancar até a última gota de lucro, sem importar a que custo, assim, também, funciona a exploração irrefreável de todos os bens naturais que possam virar recurso, mercadoria e lucro.

Do aquecimento global às crises hídricas cíclicas, tudo passa pela lógica do capital. Tanto carbono é produzido por combustíveis fósseis que nossas florestas, dizimadas, não podem absorver, e o clima mundial segue exponencialmente afetado. Isso não muda as práticas do agronegócio, baseada no latifúndio, no desmatamento, no uso excessivo e envenenador de agrotóxicos, na extinção de territórios indígenas, da agricultura familiar, do uso não-predatório da água e da terra. A classe trabalhadora morre na Europa, em ondas de calor, na Califórnia, com fumaça tóxica de incêndios florestais, em Porto Rico, vítima de furacões, no Brasil, envenenada pela comida, pela poluição da água e do ar, de sede, soterrada por lama. 

Essa é a lógica da morte do Rio Doce não ter tido quaisquer consequências além das consequências ao povo, com a destruição imediata das vidas de milhares de pessoas, e efeitos incalculáveis a curto, médio e longo prazo, que podem já ter começado com o ressurgimento da febre amarela como questão de saúde pública no último ano. Ao que tudo indica, tudo isso deve tomar proporções exponenciais com essa nova tragédia.

O capitalismo não apresenta saídas!

A posição do capitalismo neoliberal em crise, hoje, não é dúbia: é de arrancar mais, buscar mais, arrasar mais, consumir mais da Terra em sua tentativa de recuperação. Devemos nos preparar para enfrentar com muita luta novos desdobramentos das crises climática, energética, e hídrica, com cada vez mais crimes como o de Brumadinho e Mariana, com o afrouxamento das leis ambientais e trabalhistas associado ao avanço das políticas de austeridade.

É necessário exigir reparação imediata das perdas possíveis de serem reparadas, que a Vale e os diretores responsáveis sejam responsabilizados criminalmente que sejam pagas indenizações plenas aos atingidos, e que o meio ambiente seja recuperado o mais rápido possível. A Vale tem que ser reestatizada, sob o controle e gestão democrática dos trabalhadores. A população local tem que ter direito de vetar projetos como esses, que potencialmente pode devastar a terra onde vivem. Recursos naturais não podem ser deixados nas mãos do capitalismo predatório, e um sistema de reciclagem efetivo tem que ser implementado para minimizar a necessidade de nova extração. Mas é preciso, também, entender os limites desse sistema em garantir qualquer justiça para quaisquer dos afetados, e assumir para nós essa luta.

Ecossocialismo ou barbárie!

O crime de Brumadinho são vários: a morte dos rios e das florestas, o envenenamento dos solos e das águas, a vitimização imediata de milhares de trabalhadores, e indireta de muitos mais. É preciso construir a luta organizada pela sobrevivência do nosso planeta como pauta transversal de todas as lutas dos trabalhadores. Tratar disso é, de fato, tratar da nossa sobrevivência, de quanto valem nossas vidas. O projeto que produz o governo Bolsonaro e seus ataques ao povo trabalhador é o mesmo que produz os desastres de Mariana e de Brumadinho. Uma alternativa ecossocialista é o único caminho!


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