Perspectivas mundiais: sistema capitalista diante de convulsões sociais e políticas
A crise subjacente do capitalismo mundial, como previmos, piorou significativamente desde o último CEI. Na esfera decisiva da economia mundial aproxima-se uma nova crise, cujo momento e caráter ainda não estão certos. Nas relações mundiais, Trump aumentou enormemente as tensões com seu repúdio do acordo nuclear com o Irã e suas consequências políticas, aumentou militar e politicamente o conflito com a China, e agora com a Rússia ao propor uma nova corrida armamentista nuclear das “grandes potências”, nas relações com a UE e praticamente com todo o resto do mundo.
Isso se refletiu na explosão geral de risos e zombarias com que seu discurso foi recebido na recente Assembléia Geral das Nações Unidas, quando ele reafirmou francamente a doutrina unilateralista do imperialismo estadunidense de “fazer a América grande de novo”. Ela foi colocada no lugar da antiga “cooperação” internacional “baseada em regras” – uma forma mais suave do poder e dominação do capitalismo norte-americano. Além disso, seu repúdio ao acordo de Paris sobre mudança climática vai na contramão da crescente preocupação mundial que se reflete nos significativos movimentos de massa e aumento da consciência em alguns dos países e continentes mais imediatamente afetados pelas prováveis terríveis repercussões do aumento da temperatura mundial, que é indiscutível e pode levar a uma catástrofe climática mundial. Ela só pode ser completamente evitada, em ultimo caso, com a substituição do capitalismo descontrolado e ruinoso por um novo mundo socialista democrático. Isso, por sua vez, só é possível através dos métodos da luta revolucionária e socialista pelos quais o CIT se posiciona.
A economia mundial continua central para as perspectivas. Os “experts” capitalistas afirmam que em 2017 houve uma “aceleração econômica sincronizada” – com cada grande economia avançada exceto a Grã-Bretanha em uma “rota de crescimento”, sinalizada por uma queda nos níveis oficiais de desemprego inédita há décadas. Por exemplo, nos EUA oficialmente é a mais baixa em 49 anos. Contudo, a realidade é que esse “boom” é muito desigual – nem todos os países experimentaram isso mesmo em alguns dos países economicamente desenvolvidos. Como dissemos muitas vezes, isso foi baseado em níveis sem precedentes de trabalhos parciais e casuais – que muitas vezes ficam sem salários por semanas e meses – e portanto é muito desequilibrado.
Ele também foi baseado na continuidade de baixos salários e freio salarial generalizado, com poucos benefícios reais e substanciais de longo prazo indo para a classe trabalhadora. Por exemplo, na Grã-Bretanha a estagnação salarial é a pior desde as guerras napoleônicas no início do século 19, enquanto a austeridade ainda continua na Europa e para a maioria da classe trabalhadora nos EUA. O mundo colonial em geral sofreu uma crise severa, com uma contração econômica sem precedentes desde a Segunda Guerra no Brasil e uma piora signficativa das perspectivas econômicas na Argentina, Turquia e África do Sul.
Contudo, mesmo onde houve uma ligeira recuperação econômica em alguns países isso encorajou a classe trabalhadora a se mover para “tomar de volta” parte do que perdeu na “grande recessão” e após. Esse tem sido o caso em vários países da Europa, incluindo o Leste Europeu, onde estão ocorrendo greves de baixa intensidade, mas em especial nos EUA, com uma poderosa ressurgência da classe trabalhadora em uma série de greves, incluindo a militante greve dos professores na Virgínia Ocidental e outros estados. Na UPS tem havido uma revolta das bases contra um contrato negociado pela direção sindical. Essa e outras disputas estão levando ao maior número de ações grevistas desde os anos 1980. Depois que as greves do fastfood popularizaram a ideia de um salário mínimo de $15 por hora, nossos correligionários em Seattle lideraram o caminho para construir o movimento que conquistou a primeira tremenda vitória por essa demanda em uma grande cidade, que depois se espalhou como fogo em palha em todos os EUA, ganhando conquistas concretas para os trabalhadores. Nossos correligionários nos EUA também interviram de forma enérgica nesse processo, com tremendos resultados. Isso por sua vez legou ao início muito benéfico de uma mudança em sua composição social – mais espaço interno para os trabalhadores, sua perspectiva política, ênfase na importância dos sindicatos. Isso nos permitiu cavar raízes mais firmes e iniciar o processo de já criar um polo de atração para alguns dos melhores setores da classe trabalhadora nos EUA.
Esse boom, devemos nos lembrar, se baseia num aumento massivo das dívidas, incluindo dívidas das famílias, que no geral aumentaram nos países industriais avançados. As dívidas governamentais globais dispararam para 60% do produto mundial bruto enquanto que a dívida total aumentaram de US$ 173 trilhões em 2010 para mais de US$ 250 trilhões hoje. Além disso, um aumento colossal e contínuo da desigualdade, junto com fatores geopolíticos intensificados, contribuíram para o caráter altamente instável desse “boom”. Como dizem os franceses: “Quanto mais as coisas mudam, mais continuam as mesmas”.
Promessas de regulamentar os bancos com severidade e cortar as asas da “aristocracia financeira” parasita não foram efetivamente realizadas. Pequenos aumentos na regulamentação bancária foram tentados, mas agora foram descartados nos EUA. Um resultado é a volta da instabilidade financeira, com o sinal vermelho indicando uma crise séria à vista, com o colapso dos preços das ações. Blackrock, o maior gestor de ativos do mundo, tem visto o preço de suas ações cair mais de um quinto em 2018, com quedas significativas das receitas. Embora a próxima crise possa não ser exatamente como a última, que começou no setor financeiro mas se espalhou para a “economia real”, essa próxima crise pode se refletir na economia real muito mais cedo.
Outro resultado dos últimos 10 anos tem sido o aumento colossal da desigualdade: “Bilionários fizeram mais dinheiro em 2017 do que em qualquer ano da história… Os últimos 30 anos viram uma criação de riqueza muito maior do que na ‘Era Dourada’ do final do século 19”, relata o UBS Billionaires Report. Esse período, como vimos, foi um prelúdio ao descontentamento em massa que, entre outros fatores, levaram à Revolução Russa e, depois, à perspectiva da revolução mundial. As consequências dessa ampliação da desigualdade significa que a divisão de classes inelutavelmente cresceu nos países industriais avançados, no Leste Europeu, na China e no mundo neocolonial. Em outras palavras, há um abismo mundial sem precedentes entre as classes, que cresceu enormemente e já está tendo enormes consequências políticas, com a perspectiva de revolução e elementos de contrarrevolução inerentes agora na situação mundial.
Isso antes dos efeitos da incipiente guerra comercial entre os EUA e a China serem sentidos. A União Eupeia e a Ásia também podem ser arrastados para essas “hostilidades econômicas”. Implícito na doutrina de “América primeiro” de Trump está a possibilidade de conflitos mesmo com os “aliados” tradicionais do capitalismo americano e não apenas com seus “inimigos”. Mas agora está claro que o principal foco da política estadunidense é seu conflito com a China. Isso vai além das questões comerciais e é cada vez mais uma estratégia, especialmente no campo das novas tecnologias, para impedir que a China obtenha paridade e ultrapasse os EUA. É até mesmo possível que um acordo possa ser alcançado com a Guerra tarifária de Trump, ou um acordado de trégua, mas é provável que seja uma cessação temporária de hostilidades, com novos choques eclodindo a respeito da importação de tecnologias, o plano de modernização de Xi Jinping ‘Made in China 2025’ e a “estrutura” capitalista de Estado da China, que são o verdadeiro foco dessa disputa. Uma guer e sanções econômicas não podem ser descartadas.
Se isso estourar em uma Guerra comercial total, ela terá severas consequências para o mundo, incluindo seus principais protagonistas, os EUA, China e Europa. A frente comum informal que existia entre México e Canadá contra a truculência de Trump foi rompida, com o México buscando paz, mas com o Canadá aparentemente ainda preso no confronto. Contudo, isso já assustou os mercados financeiros mundiais e as bolsas de valores, com quedas recordes nos preços das ações e títulos e a piora nas perspectivas de crescimento para a economia mundial. Há uma expectativa geral entre a burguesia de que o atual “Mercado touro” (crescimento prolongado nos preços das ações) está chegando a um fim. Isso foi resumido pela manchete de uma reportagem especial da Economist: “A próxima recessão”. Contudo, eles tiram conforto do fato de que o setor financeiro – especialmente os bancos – foi recapitalizado e portanto não haverá uma repetição do grande colapso, mas apenas uma “recessão mediana”.
Mas eles já usaram muitas das medidas para conter mesmo uma contração econômica “mediana”. A massiva injeção de “liquidez” nos EUA – “afrouxamento monetário” – subiu para estimados 20% do PIB. A essa medida se juntaram o Banco Central Europeu e o Banco da Inglaterra. Trump está mais propenso a aumentar o consumo através do corte de impostos, para satisfazer a burguesia e, indiretamente através de aumentos salariais, sua “base”. Contudo, isso já teve um efeito financeiro deletério a curto prazo ao aumentar o déficit governamental para mais de 4% do PIB e, além disso, levou ao perigo de uma onda inflacionária. O aumento gradual das taxas de juros pelo Fed (banco central) ganhou a ira de Trump, mas ele foi forçado a agir assim porque “a economia já está aquecida”.
Os EUA não evitarão o efeito colateral das tarifas que Trump implementou sobre US$250 bilhões de mercadorias chinesas. A China sem dúvida retaliará numa medida maior do que as relativamente moderadas contramedidas atuais se essa “guerra” continuar. Os agricultores do Meio Oeste – uma importante base para Trump – serão seriamente afetados pelas contramedidas às exportações agrícolas estadunidenses, em especial de soja, para a China. A fim de tranquilizar sua base, Trump afirma “que é fácil ganhar uma Guerra comercial”, mas essa não é a experiência dos anos 1930, quando a Lei Smoot Hawley agravou a depressão.
O mundo escapou dela em parte com as políticas de um representante burguês mais perspicaz, Franklin Roosevelt, que representou melhor os interesses de longo prazo dos capitalistas, ao enfrentar sua própria classe e implementar políticas dirigidas a estimular a “demanda”. Mesmo a Economist admite: “Recessões ocorrem não haja suficiente consumo para impedir que os recursos de uma economia fiquem ociosos. Economistas passaram a última década pensando em meios de estimular o consumo e escapar da recessão quando as taxas de juros estão a zero, como elas quase certamente estarão na próxima crise global”. Esse é o argumento que levantamos, de que a atual crise orgânica do capitalismo não se reflete numa crise de “lucratividade”, mas de “demanda”. Roosevelt nos anos 1930 estava até mesmo preparado para se apoiar em parte nos sindicatos – mais precisamente, nos líderes sindicais – para estimular a participação sindical, que por sua vez levou a uma série de greves que aumentaram os salários e tiveram o efeito de estimular a demanda.
Trump é completamente incapaz de adotar tais medidas, e se concentra em estimular os lucros dos capitalistas mais vorazes mas de visão curta, que já abocanharam super-lucros mas têm sido incapazes de restaurar a “antiga prosperidade”. Ele espera que isso leve a um aumento contínuo nos empregos, o que por sua vez aumentaria suas chances de vitória nas eleições presidenciais de 2020.
Um dos fatores que permitiram ao capitalismo Americano escapar da depressão dos anos 1930 foi o incentivo dado pela produção de guerra e depois a reconstrução pós-Segunda Guerra Mundial, o crescimento do comércio mundial e o desenvolvimento e uso de novas tecnologias – entre eles o desenvolvimento dos plásticos, que são agora uma maldição para o meio ambiente e ameaça a vida no planeta. Hoje, não existem tais salvaguardas para o capitalismo Americano hoje. Além disso, embora não esteja posto no imediato, qualquer choque entre as maiores potências seria catastrófico, muito pior para a humanidade do que os horríveis. efeitos das guerras mundiais do século vinte.
Desde 2007, também tem havido uma enorme concentração e centralização do capitalismo através de um grande aumento nas fusões e aquisições. Apesar disso, os estrategistas do capital na verdade são pessimistas com as perspectivas de um crescimento sustentável. O Financial Times especula que quedas de preços em ativos financeiros induziram medo nos mercados. “O quanto os processos atuais podem exacerbar os temores? Bastante, é a resposta”. Além disso, “as avaliações dos ativos arriscados estão, em muitos casos, exageradas, e a vulnerabilidade nos balanços patrimoniais é pandêmica, como o Global Financial Stability Report deixa claro.” Mais claro é sua conclusão: “Os sistemas financeiros e econômicos mundiais são frágeis – ninguém pode saber quão frágeis até que sejam realmente testados. Mas a mais importante fonte de fragilidade é política; um legado tardio da crise financeira. País após país, populistas e nacionalistas chegaram, ou estão perto de chegar ao poder”.
Mais alarmante para a burguesia é são os prováveis efeitos adversos de uma “Guerra comercial com a China sem em vista”. O governo estadunidense parece determinado em travar uma nova “Guerra fria” com a China, conclui o FT. Essa será econômica e militar. Trump, de forma irrealista, está até falando de impedir a economia chinesa de “ficar maior do que nós, os EUA. Mas mesmo que este conflito continue uma Guerra fria e não uma “quente” que resulte em choques militares – o que poderia ser catastrófico para o resto do mundo – a conclusão da burguesia séria é: “A economia mundial aberta pode colapsar. Esses são tempos perigosos – muito mais do que muitos hoje reconhecem. Os alertas do FMI são oportunos mas previsivelmente subestimados”. [Politics puts the skids under the bull market, Martin Wolf, FT 17/10/2018]
Mesmo uma pequena Guerra comercial impactará seriamente os EUA e a China. China passa por uma desaceleração econômica para 6% de crescimento anual, que seria considerado espetacular para os EUA e a Europa, mas significa crescentes problemas para a economia chinesa e, portanto, para o regime. A iniciativa Belt & Road (a “Novo Rota da Seda”– com massivos investimentos principalmente das “estatais” da China, como porta-vozes dos EUA enfatizaram, deve aumentar o alcance econômico internacional da China. Contudo, a China encontra resistência à “Iniciativa” em vários países do mundo neocolonial por causa do caráter imperialista de tais projetos.
Isso inevitavelmente resultou num choque com os EUA, em grande parte econômico nesta etapa, mas implícita na situação está a possibilidade de confrontos armados e um conflito entre a China e os EUA com seus aliados, junto com outras potências rivais contestando a soberania do Mar do Sul da China. Isso tem ocorrido depois do que o regime chinês enfatizou que foi um século de “humilhação” nas mãos das potências imperialistas que dividiram a China em “interesses especiais”. Isso tem sido chamado de “uma nova Guerra fria”, embora os protagonistas não se baseiem em sistemas sociais diferentes, mas regimes capitalistas fundamentalmente similares, e o chinês, em grande parte, como analisamos, seja capitalista de Estado.
Contudo, a manutenção de um grande setor estatal – algumas reportagens e estudos o colocam como formalmente maior do que a parte privatizada da economia – dá ao Estado chinês uma margem de manobra muito maior para intervir e influenciar a direção da economia. Isso permite a injeção de uma liquidez massiva para evitar o colapso econômico, que é o que aconteceu nos últimos 10 anos. Há um aspecto “rentista” do modo como o setor capitalista suga os pedaços mais seletos do Estado.
O Estado chinês também afastou a máxima de Deng de “se esconder e esperar”, uma política de construir só lentamente o poder econômico e militar da elite chinesa na era pós-Praça de Tiananmen, pelo que é agora uma nova assertividade imperialista. Isso por sua vez tem conjurado, inevitavelmente, analogias com guerras do passado, especialmente da Grécia antiga: o paradoxo de Tucídides. Ele opôs Esparta (os EUA) contra uma ascendente Atenas (China), o que levou às guerras do Peloponeso. Contudo, como explicamos, as condições – a correlação das forças de classe – para outro conflito direto generalizado envolvendo as grandes potências está descartado no momento, apesar das tensões entre as grandes potências imperialistas sendo atiçadas deliberadamente pelos EUA.
Contudo, como revelaram a Síria e o Oriente Médio, podem ocorrer guerras devastadoras mas localizadas, regionais, envolvendo as grandes potências mundiais, mas travadas “por procuração” com equipamento militar fornecido do exterior. Mas uma confrontação direta, choques pequenos ou mesmo “acidentais” são inerentes à situação, especialmente porque as tensões entre as grandes potências imperialistas, incluindo a Rússia, estão sendo agravadas pelos EUA. A elite chinesa deixou de ser um “parceiro estratégico” potencial para um “rival estratégico”, enquanto a Rússia recebe o mesmo tratamento no front militar.
–A abordagem agressiva de Trump em certo grau empurrou Rússia e China a uma cooperação mais próxima. O comércio bilateral entre os dois países tem crescido 20% ao ano e chegou a US$ 100 bilhões em 2018, e tem havido crescente cooperação militar e de segurança entre as duas potências. Após as manobras militares dos EUA e seus aliados da OTAN nas fronteiras russas contra uma “invasão inimiga” não especificada, a Rússia organizou em setembro suas maiores manobras de treinamento militar no extremo leste do país. Ela afirma que envolveu 300 mil soldados russos e 3 mil chineses, embora analistas militares estimem que tomaram parte não mais do que 50 mil. Contudo, a cooperação pode rapidamente se tornar no seu oposto – a mídia russa noticiou recentes sugestões de um setor da elite chinesa de que a Sibéria é relativamente despovoada e cheia de recursos naturais adequados para a exploração chinesa!
O regime russo carece do poder econômico do chinês e usa sua máquina militar não apenas para desferir golpes significativos nos interesses imperialistas ocidentais na Ucrânia e Síria mas, como demonstrado pelo conflito da República Central Africana, RCA, Sudão e Iemen, cada vez mais também em outras partes do mundo. A Rússia, atrás apenas dos EUA, está exportando agressivamente armamentos e escândalos em torno do uso de “ativos negáveis” – empreiteiros militares – estão se desenrolando. Um grupo de mercenários agora apelou ao Tribunal Criminal Internacional tentando forçar o Kremlin a compensá-los pelo que afirmam ser centenas de mortes na Síria, Ucrânia e outros lugares. Agora o Kremlin volta sua atenção para a Líbia, esperando repetir o sucesso da Síria lá.
Um traço desse período é que forças populistas de direita estão em ascensão em todo o mundo transatlântico, realçado pela eleição de Bolsonaro no Brasil. Elas supostamente “garantiram” o voto a favor do Brexit no Reino Unido, a eleição da Liga e outras forças de direita na Itália, e os populistas autoritários no controle da Hungria e Polônia. O direitista Alternativa pela Alemanha (AfD) está em ascensão. Populistas de direita também estão bem entrincheirados na Áustria, França, Países Baixos e Suécia.
O presidente francês Macron até se voltou ao filósofo alemão Hegel e sua ideia de um “espírito do tempo” para explicar esse fenômeno. Trump encarnaria forças mundiais das quais ele mesmo só compreende em parte, instrumentos de “algo maior”. Napoleão e outras figuras históricas podem ter tido fins desagradáveis, como o exílio do “pequeno cabo”, mas não obstante, segundo Macron, eles agiram como “instrumentos inconscientes do progresso”. Isso sem dúvida é verdade para Napoleão que, apesar de sua ditadura, baseou-se nos ganhos da Revolução Francesa e levou essas ideias – a eliminação do feudalismo – através da força armada por toda a Europa. Mas não há comparação entre Napoleão e o Trump de hoje, um representava a juventude confiante da burguesia e o outro sua decadência senil. Trump, como Macron, atua num período de declínio econômico e estagnação do capitalismo mundial. Trump e os populistas de direita refletem a contrarrevolução em todas as esferas: na economia com políticas que favorecem massivamente os ricos à custa dos pobres, ataques à seguridade social, oposição ao controle de armas que indignou grandes setores dos trabalhadores e jovens nos EUA, nos direitos democráticos e outros.
A ideia de uma nova “Guerra civil” se desenvolvendo nos EUA não está longe da realidade, mas será uma guerra de classes. Esse pode não ser um cenário tão exagerado dado os recentes ataques violentos àqueles que ele vê com seus inimigos. Ele conjura não a revolução, mas a contrarrevolução, encorajando as forças de direita nos EUA e mundialmente; mas também, sem querer, tem dado um enorme impulso à esquerda e às ideias do socialismo, com o DSA crescendo para mais de 50 mil membros e nossa organização continuando a desenvolver sua influência entre trabalhadores e jovens. Oportunidades ainda maiores serão dadas aos marxistas nos EUA nos próximos meses e anos.
A ascensão do populismo politicamente nebuloso está enraizado no legado duradouro da crise econômica mundial de 2007-08. Analistas burgueses, incluindo Francis Fukuyama e vários comentaristas, de fato zombam que não foi essa esquerda, mas a direita que mais ganhou com as consequências políticas dessa crise. Isso é distorcer a realidade. Inicialmente, a classe trabalhadora de vários países se voltou para o movimento dos trabalhadores e a esquerda por uma explicação e soluções para a crise. A esquerda poderia ter tido ganhos substanciais dada a severidade da recessão, que levou ao descrédito tanto o capitalismo quanto seus agentes políticos.
Alguns comentaristas descreveram essa crise como pior, em seus efeito econômicos duradouros, do que mesmo a depressão dos anos 1930. Grandes camadas da população, não apenas os trabalhadores mas também setores da classe média, confrontados com a impossibilidade deles e de seus filhos terem mesmo que modestas melhorias, e a extinção, com a austeridade, de habitação, educação e serviços sociais decentes, inicialmente inclinaram-se para a esquerda. O apoio às ideias reformistas e reformistas de esquerda também cresceram nesse período, como visto pelo apoio inicial a Bernie Sanders, Jeremy Corbyn na Grã-Bretanha, e outros.
Contudo, eles enfrentaram principalmente o espetáculo da social-democracia na Europa e outros lugares perseguindo as mesmas políticas de austeridade, tanto como os Democratas nos EUA sob Obama e Hillary Clinton. Seu programa, nas últimas eleições americanas, se limitaram a “mais do mesmo”. Foi isso que abriu a possibilidade de Trump e as várias forças populistas de direita internacionalmente ganharem uma base significativa. Contudo, o crescimento a longo prazo da direita é muito tênue, como vimos na Alemanha. É verdade que a direita e a extrema direita ganharam eleitoralmente, mas também os Verdes nas eleições regionais da Bavária e Hesse. Além disso, como nossos camaradas pontuaram em suas publicações, ao mesmo tempo que a direita se encoraja com esses sucessos, ganhando grande publicidade para suas manifestações, atos ainda maiores da esquerda – por exemplo, um quarto de milhão em Berlim – marcharam contra a extrema direita e os ataques racistas a imigrantes. Assim, o chicote da contrarrevolução já atiçou setores significativos dos trabalhadores, mulheres e jovens à ação.
A presidência de Trump está jogando esse papel nos EUA, de grande professor inconsciente da classe trabalhadora. Ao lado das políticas de Trump, a polarização da riqueza é um germe de novos movimentos “anti-trustes” nos EUA. As eleições de meio mandato desse ano viram um grande comparecimento e uma derrota dos Republicanos, com os Democratas levando mais de 9,6 milhões de votos a mais para o Congresso. Os Republicanos ganharam em torno de 45% dos votos. Mas esse voto foi mais contra Trump do que pelas políticas dos Democratas.
Esse voto anti-Trump indica como ele será minado por essas revoltas, que já estão fermentando há um longo tempo nos EUA e irão crescer. É claro que Trump não é um fascista; as condições para tal regime não existem em lugar algum do mundo no presente momento, seja nos EUA ou mesmo no Brasil com a chegada ao poder de um possível homem forte bonapartista, Bolsonaro. Trump é um expoente da reação “pós-verdade”, conhecida no período anterior como política da “grande mentira”. Ele não fala inverdades ocasionais, mas mente sistematicamente. O Partido Democrata agora é o partido do “crime” que ameaça “transformar os EUA em outra Venezuela”. Com tais métodos ele está preparando o terreno para uma enorme radicalização, acrescentando que “se você não votar em mim virá o socialismo”, o que só pode popularizar ainda mais o socialismo para milhões!
É claro que os políticos burgueses mentem sistematicamente, mas Trump supera todos. Em um comício recente estimou-se que houveram 74 falsidades verificáveis! Com toda a sistemática construção de uma campanha de ódio contra todos os adversários, agora apareceram as primeiras tentativas de terrorismo de direita.
Esse burguês obsceno e mimado, que ficou milionário oficialmente com a idade de 8 anos (!) conseguiu uma vitória eleitoral com 3 milhões de votos a menos que Hillary Clinton por causa do caráter enviesado da constituição estadunidense. Bernie Sanders, se não tivesse sido bloqueado pelo establishment democrata, teria derrotado Trump. Na ausência de um verdadeiro candidato de esquerda Trump foi capaz de posar como o campeão dos “esquecidos”, especialmente nas áreas desindustrializadas, o chamado “cinturão da ferrugem”. Seu ataque ao NAFTA e ao “globalismo” ressoou e ainda ressoa entre os desempregados frustrados com a fuga de indústrias realocadas para outros países com salários menores. Isso deixou os trabalhadores dessas áreas presos da pobreza e do desespero. Mesmo seus ataques à China e outros que supostamente estão “rapinando” a indústria estadunidense, roubando sua tecnologia e mercados, são repetidos por muitos trabalhadores e pessoas da classe média, e nem todos eles estão à direita. Isso se combina com a utópica promessa de Trump de fazer os EUA “grandes novamente”. Essa não é a primeira vez na história, incluindo a estadunidense, que um populista demagogo foi capaz de enganar setores da população por um tempo.
Algo similar existiu na Grã-Bretanha, e ainda persiste quando um terço da classe trabalhadora era regularmente seduzida a apoiar os Tories nas eleições porque eram levados a acreditar que, como “homens de negócio”, eles entendiam melhor o funcionamento do sistema capitalista, e portanto seriam uma aposta melhor do que a “intrometida” liderança trabalhista! Com o declínio do capitalismo britânico e os devastadores golpes resultantes nas condições de vida, essa base eleitoral erodiu em sua maior parte à medida que a realidade da austeridade selvagem afetou todos os setores da classe trabalhadora e da classe media.
Incrivelmente, quando questionado sobre a diferença entre ele e seus apoiadores, o chamado “lixo branco” – palavra pejorativa para trabalhadores brancos – Trump respondeu que “eles são como eu, só que pobres”. Trump herdou US$ 400 milhões de seu pai e é o 259º da lista dos mais ricos da Forbes! O conflito a respeito de seu nomeado para Suprema Corte Kavanaugh abriu colossais divisões sociais, o que alienou muitas mulheres mas também produziu um sentimento de repulsa em todos os EUA.
A indicação seus bajuladores na Suprema Corte é o primeiro passo de Trump para restringir o direito ao aborto nos EUA. A magnífica revolta da classe trabalhadora irlandesa, com nossos camaradas jogando um papel decisivo, contra as relíquias da reação católica feudal e semi-feudal, especialmente no campo social, pode se repetir nos EUA, Espanha e Argentina e ganhar apoio de massas de outros setores da classe trabalhadora. A recente greve de trabalhadoras em Glasgow, Escócia, por pagamento igual, teve o apoio ativo de seus irmãos, trabalhadores sanitários.
Revoluções frequentemente podem começar com o movimento as camadas mais oprimidas, como as mulheres na Revolução Russa. Elas podem agir antes que os batalhões pesados da classe trabalhadora entrem em ação e de fato podem se tornar um farol e catalizador para eles. Nesse sentido os atuais movimentos das mulheres podem ser poderosos precursores para um período de revolução até e especialmente nos EUA. Há uma raiva e frustração reprimidas, acumuladas ao longo de décadas, entre as mulheres, a classe trabalhadora e jovens que estão entrando na luta em torno da questão das dívidas estudantis, da cultura de armas do capitalismo estadunidense e de Trump, dos baixos salários e muitas outras questões sociais. Estamos posicionados para realizar nossos maiores avanços, se mantemos corretas nossas táticas e orientação, nos EUA e outras regiões.
O mundo neocolonial – América Latina, África e Ásia – enfrentarão no próximo período problemas econômicos e sociais ainda mais intensos. Esses surgem a partir do caráter generalizado dessa crise, que não permite que uma única região significativa escape das moléstias do capitalismo. Isso é simbolizado pelo crescimento desesperado de refugiados de todos esses continentes, seja do Oriente Médio e África subsaariana, ou agora dos países tomados pelo narcotráfico na América Latina, com milhões buscando desesperadamente “paz” e uma “vida melhor” para eles e suas famílias. Eles enfrentam o punho pesado do governo Trump, que não se importa em separar crianças de seus pais, às vezes por longos períodos. A esposa de Trump até finge estar “chateada” com a crueldade malevolente da Casa Branca. Deve ser dito que esse processo foi iniciado por Obama, que deportou um número recorde de imigrantes “ilegais” dos EUA!
Após a crise mundial de 2007-08 houve uma certa realocação dos investimentos de capital, do mundo capitalista desenvolvido em crise para os países “emergentes” – agora imergentes – da América Latina, África e Ásia, levantando expectativas de um “salto” econômico substancial, que foram agora dissipadas no mundo neocolonial. A promessa de padrões de vida de “primeiro mundo” agora foram substituídas pelo colapso econômico, com elementos de barbarismo.
Nenhum país exemplifica isso mais do que o Brasil, o maior e mais industrializado país da América Latina. A vitória de Bolsonaro nas recentes eleições presidenciais representa uma nova forma de populismo de direita que claramente pretende governar através de uma forma de bonapartismo parlamentar militarizado. Infelizmente, o terreno para esse regime foi preparado pelo fracasso do PT de Lula, a enorme corrupção que traumatiza a sociedade brasileira e que para significativos setores das massas veio a ser simbolizado pelo regime petista de Lula e Dilma.
Uma medida desse terrível colapso é que o Brasil em 2018 experimentou tantos assassinatos, a maioria relacionada ao tráfico, quanto a média anual da Guerra civil síria. Isso levou à intervenção do exército mesmo antes da eleição, o que depois da eleição legitimou seu possível uso em uma escala mais ampla contra os movimentos de massa. Isso por sua vez levou ao anseio por algum tipo de ordem mesmo de camadas que votaram na esquerda no passado e também no presente, incluindo mulheres e um setor da comunidade LGBTQI. Isso terá seu preço na perseguição e assassinatos que se seguirão, provavelmente através dos esquadrões da morte que já têm sido defendidos pela direita.
Bolsonaro apoiou abertamente a última ditadura militar que durou de 1964 a 1985. Ele elogiou a “tortura” e pretende extirpar o “comunismo” – que ele entende por democracia e direitos dos trabalhadores – incluindo medidas contra os sindicatos. Nossa organização fez o chamado por comitês de resistência de massa contra os elementos abertamente militaristas e fascistas que terão licença de conduzir uma campanha de assassinatos contra a esquerda, membros da comunidade LGBTQI e os trabalhadores militantes. Nossa organização brasileira criticou no passado recente alguns da esquerda que tomaram uma posição abstencionista para com o plano reacionário de remover Dilma de forma antidemocrática do poder em um golpe parlamentar, que foi vitorioso. Nessa situação, defendemos um elemento de frente única onde, nas palavras de Lenin, poderíamos usar o PT como um “apoio” sobre o qual se opor às forças da reação reunidas em torno de Temer e agora de Bolsonaro.
A burguesia tem se voltado melancolicamente para o regime militar que terminou apenas em 1985 no Brasil. Nos últimos anos eles de fato tem testado os limites ao se engajarem num “golpe lento”, em grande parte parlamentar, através de etapas: primeiro, a remoção da presidente Dilma do PT e depois a prisão do próprio Lula, um dos fundadores do partido, por causa da corrupção. Sem desculpar a corrupção do PT, nossos camaradas pontuaram que os acusadores do PT estavam de fato enterrados até o pescoço numa corrupção ainda maior!
As lições do Brasil devem ser incorporadas por nós e todos os quadros revolucionários no Brasil e na América Latina como um todo. Muitos sem dúvida ficarão legitimamente com medo ante a iminência da imposição de um regime militar, e até de algum tipo de “fascismo” no Brasil. Sem dúvida há elementos disso na situação, onde o novo regime pode se apoiar primariamente em medidas extra-parlamentares e militares a fim de atacar e enfraquecer a esquerda. Contudo, por todas as razões que já explicamos antes, esse regime não tem uma base social suficiente – uma classe média que poderia ser mobilizada em massa para atomizar a classe trabalhadora – para a consolidação desse governo ou mesmo de um forte regime militar equivalente à última junta militar, sem falar de fascismo.
Além disso, sua chegada ao poder pode agir como o estalar do trovão para despertar as massas brasileiras – e não apenas elas, mas de toda a América Latina – para o real perigo que enfrentam. Portanto, pode lançar as bases para uma mobilização de massas. Nossas forças devem estar na linha de frente desse processo, utilizando os partidos políticos, em especial o PSOL, e defender o movimento MTST, que Bolsonaro qualificou durante a campanha eleitoral de “organização terrorista”, um sinal para ataques e assassinatos de ativistas do MTST. Eventos no maior e mais importante país da América Latina, o Brasil, serão acompanhados avidamente no resto do continente e internacionalmente. Devemos fazer todo o possível, material e politicamente, para ajudar nossos camaradas nessa luta crucial.
A Argentina não está muito atrás do Brasil em termos de um conflito entre as classes. Em março desse ano pareceu que toda a Argentina tomou as ruas de Buenos Aires e outras cidades, em protesto contra as políticas neoliberais do reacionário governo Macri. Outrora o nono país mais rico do mundo, a Argentina tem passado por um processo de colapso e instabilidade. Macri chegou ao poder como uma solução burguesa à crônica instabilidade que assola o país. Em alguns meses, enfrentou uma greve geral em protesto contra seus cortes, mas ele ainda continua com suas contrarreformas, embora buscando suavizar seu impacto. A qualquer momento pode haver uma explosão social; um indicativo da radicalização no país foi o sucesso eleitoral da FIT (Frente de Izquierda y de los Trabajadores). Essa é uma coalizão de diferentes organizações trotskistas que tem um pequeno número de deputados no parlamento. Tivemos discussões com o PTS, um dos partidos dessa organização, defendendo que eles deveriam tentar se ampliar, envolvendo forças de esquerda dentro do peronismo, que ainda possui apoio entre um setor significativo dos trabalhadores argentinos.
A eleição de AMLO no México representa um ponto de inflexão histórico. O México é crucial para os eventos em toda América Latina e Central e também para os eventos nos EUA. Ele não está no mesmo ciclo de luta de classes que outros países latino-americanos como Brasil, Venezuela, Equador etc. AMLO moveu-se para a direita e está tentando apaziguar o capitalismo mexicano e o imperialismo estadunidense. Não se pode excluir que, sob o impacto da séria crise econômica e de grandes levantes sociais, AMLO seja forçado a uma direção mais radical em certa etapa e seja obrigado a desferir alguns golpes contra a classe dominante. Isso não é certeza. Contudo, sua eleição abre um novo capítulo de lutas, como já foi demonstrado pelo tremendo movimento dos estudantes da UNAM, em que nossos camaradas fizeram uma importante intervenção. O fracasso dos outros governos de esquerda na Venezuela, Brasil etc. são um alerta para as massas mexicanas. Nossos camaradas no México terão um importante papel e grandes oportunidades no período que agora se abre lá.
Também temos forças influentes no Chile e contatos em todo o continente. Especialmente importante é a atual situação da Venezuela. O país, com as mais ricas reservas de petróleo do mundo, poderia ter trilhado um caminho diferente se um programa socialista audacioso tivesse sido implementado por Hugo Chavez; ele teria recebido o apoio entusiástico das massas no país e em todo o continente. Aqueles que geraram ilusões em Chavez, que continuou dentro da estrutura dos mercados capitalistas venezuelano e mundial, ao invés de defenderem a difusão da revolução pelo continente e internacionalmente, têm alguma responsabilidade pela atual situação. Trump, os britânicos e a burguesia em geral buscam utilizar o atual caos na Venezuela a fim de desacreditar o socialismo: “Corbyn encarna a mesma abordagem que Chavez e irá criar os mesmos resultados desastrosos”, dizem os Tories britânicos. É só trocar “Corbyn” por “Democratas” e se terá a mesma mensagem de Donald Trump.
As mortes de Fidel Castro e Chavez simbolizaram o fim de uma era que testemunhou o avanço das massas cubanas e a criação de um Estado operário em Cuba – embora não fosse diretamente dirigido e controlado por um sistema de democracia dos trabalhadores – mas deu um vislumbre do que era possível em um país subdesenvolvido com base na planificação: o sistema de saúde, grandes melhorias nos padrões de vida dos trabalhadores antes do bloqueio imperialista.
É uma questão aberta se Cuba poderá agora se manter contra as pressões do capitalismo. Na ausência de uma revolução política, as demandas da nova geração de cubanos por “democracia”, liberdade para viajar e acesso a bens de consumo podem ser um poderoso imã para uma geração com apenas poucos laços com as heroicas lutas do passado. Para os socialistas, marxistas e a classe trabalhadora, qualquer movimento definitivo para uma restauração capitalista em Cuba seria um retrocesso. Além disso, as condições de uma nova crise capitalista internacional, com seu aprofundamento na América Latina, seria sentida agudamente e pode deter ou reverter o movimento para a restauração capitalista em Cuba.
De fato, tão aguda é a crise na América Latina e no mundo neocolonial em geral que novas rupturas contra o capitalismo e o latifúndio são possíveis, o que poderia colocar na sombra até mesmo a grande Revolução Cubana. A enorme caravana de refugiados da Guatemala para os EUA é sintomática. Imagine os efeitos de outra recessão, em último caso levaria a convulsões revolucionárias na América Latina e em todo o mundo neocolonial.
O CIT deve tomar o que é positivo da experiência da economia planificada de Cuba e também ao mesmo tempo enfatizar que novas “Cubas” teriam a necessidade crucial de um sistema de democracia dos trabalhadores em todos os níveis como pré-condição para qualquer transição do capitalismo para o início do socialismo. Devemos sempre ligar isso com nossas perspectivas internacionais de uma confederação socialista da América Latina e da confederação socialista mundial.
No Oriente Médio a Guerra síria parece estar nas últimas etapas militares com a esperada derrota sangrenta e expulsão do país das últimas estruturas militares jihadistas consideráveis. Isso à custa da enorme devastação não apenas da Síria mas também dos países vizinhos, que foram inundados com centenas de milhares de refugiados, se não milhões. Uma situação pacífica e estável na região com base no capitalismo está descartada e levará algum tempo para que um mínimo de civilização – incluindo um movimento de trabalhadores atuante – reapareça em alguns países. Contudo, as greves e protestos no Irã no último ano marcam um importante desenvolvimento na reconstrução de um movimento de trabalhadores independente lá. Especialmente significativas são as recentes demandas dos trabalhadores da Haft-Tappeh pela renacionalização de sua empresa sob controle operário.
O governo Trump, com seu repúdio do acordo nuclear com o Irã e com suas sanções contra o país e contra aqueles que se atrevem a comercializar com o ele garante mais um período de crônica instabilidade e envenenamento das relações entre EUA e Irã. Isso irá se espalhar pelo Oriente Médio como um todo. Não irá, como Trump parece acreditar, encorajar a oposição “liberal” – sem falar da classe trabalhadora que também agiu independentemente contra o regime – a intensificar sua luta contra o grupo dirigente enriquecido de mulás e das Guardas Revolucionárias. É mais provável agora que os adversários do regime fiquem relutantes em abrir a porta para Trump, com seu apoio a Israel, Arábia Saudita e o “bloco sunita” em oposição ao Irã predominantemente xiita. O neoconservador militarista e intervencionista John Bolton, secretário nacional de segurança de Trump, revelou que seus verdadeiros planos para o Irã são a mudança do regime e o retrocesso até os tempos do Xá!
O recente e nauseante assassinato e esquartejamento na Turquia de Jamal Khashoggi, que se tornou uma figura de oposição burguesa, pelo ensanguentado regime saudita, ilustra o caráter assassino do regime semifeudal do país. A Arábia Saudita está nas mãos de Mohammad bin Salman (MBS), cujas iniciais, à luz sinistra do assassinato e de suas consequências, agora significa “Mister Bone Saw”! O Primeiro Ministro do Líbano foi sequestrado ano passado e só foi libertado quando se curvou às demandas sauditas! Além disso, o presidente turco, Recip Erdoğan, é um hipócrita que denunciou o regime saudita e seu papel no horrível assassinato, mas ele mesmo prendeu sem julgamento dezenas de milhares de professores, funcionários públicos e jornalistas, por suas supostas ligações com a “tentativa” de golpe em 2016.
Erdoğan está preocupado principalmente em aumentar seu próprio papel como rival à liderança do bloco sunita. Ele não revelou toda a verdade sobre a execução, a fim de impor grandes concessões da Arábia Saudita. Em apenas quarto meses, Riad decapitou 48 pessoas e executou outras 150 enquanto também recorre ao açoite público de adversários do regime. Até os feudais – e burgueses que apoiam o regime – vivem com medo por suas vidas por causa do comportamento errático de MBS e provavelmente saudariam qualquer tentativa de diminuir seu poder. Os EUA, por seu lado, se beneficiam com o petróleo saudita e a venda de enormes quantidades de equipamento militar. Estão fazendo o impossível para fingir não ver as ações da brutal camarilha dirigente, a fim de restabelecer os “negócios de sempre”.
Os socialistas, embora condenem o assassinato de qualquer adversário do regime saudita, estão mais preocupados com o genocídio muito mais sangrento e repugnante do indefeso povo do Iêmen nãos mãos do grupo dirigente saudita, sedento de sangue. O regime saudita, com seu bombardeio indiscriminado e embargo de alimentos ao país, com 8,5 milhões de pessoas no Iêmen dependentes de fornecimento de comida do exterior para sobreviver, deixa estimados 6,5 milhões de pessoas em risco de morrer de fome. Os protestos de setembro de 2018, em áreas controladas tanto pelo regime apoiado pelos sauditas quanto pelo frequentemente corrupto regime húmus, foram eventos pequenos mas significativos para a construção de um movimento independente dos trabalhadores e pobres, assim como a fundação neste ano de um novo sindicato independente dos trabalhadores do setor de energia, que estiveram engajados em uma longa luta por reposições salariais.
O conflito entre palestinos e o regime israelense, com a negação mesmo dos direitos básicos dos palestinos, continua com explosões sangrentas regulares. Nossa seção em Israel/Palestina tem feito heroicas tentativas de encontrar um caminho para os trabalhadores palestinos oprimidos, mantendo a chama da unidade de classe acesa, o que, em certa etapa, achará seu caminho em Israel, por todas as áreas palestinas e no mundo árabe como um todo. O exemplo da “primavera árabe” de 2011 não está morto, nem as lições desse grande evento que abalou não apenas o mundo árabe mas também os países industriais avançados.
Nigéria e África do Sul são as principais seções do CIT na África. Na Nigéria a eleição de Buhari em 2015 foi a primeira transferência democrática de poder de um partido para outro na história da Nigéria. Ele era visto como algo diferente. Houve ilusões, abastecidas pelos líderes sindicais, de que ele enfrentaria a corrupção endêmica na Nigéria, evidente por todo o continente africano. Agora, ele pode enfrentar sua derrota nas eleições de 2019.
Em 2016 a economia nigeriana oficialmente encolheu pela primeira vez em 25 anos, com a inflação oficial em 18%, mas para muitas pessoas o aumento dos preços dos itens básicos foi muito maior. Como em muitos países do mundo neocolonial e cada vez mais nos países economicamente avançados, muitos trabalhadores, em especial no setor público de mais de 20 estados, sofrem com vários meses de salários atrasados. Essas condições geraram um descontentamento massivo, com os líderes sindicais obrigados a chamar nove greves gerais entre 2000 e 2012. Mas sem nenhum resultado tangível para essa colossal amostra de energia das massas, havia cada vez menos apoio para mais greves gerais sem objetivos claros. Contudo, a crise econômica combinada com o fracasso dos líderes sindicais de mostrar uma saída geraram um aumento nas tensões nacionais e religiosas, especialmente no nordeste, onde o Boko Haram está baseado, e em violentos choques entre pastores árabes e fazendeiros cristãos na Nigéria central. Esse ano viu uma greve geral parcialmente bem sucedida chamada pela questão do aumento do salário mínimo, mas os líderes sindicais a cancelaram simplesmente com base numa promessa de negociações que, até agora, deram em nada.
Uma questão central, como em muitos países da África, é a luta para construir um ponto de referência politico para a classe trabalhadora. Houve tentativas anteriores de criar tal partido organizado, que falharam no todo ou em parte. Por um tempo nos anos 1990 e no início dos anos 2000, o radical Partido da Consciência Nacional (NCP), no qual jogamos um papel central, foi capaz de mobilizar setores da classe trabalhadora e dos pobres no campo eleitoral e da luta. Esse partido colapsou, mas isso não dissuadiu nossos camaradas, dada a recusa dos líderes trabalhistas de construírem o partido que eles mesmos lançaram, de tentar construir pelo menos o esboço de um novo partido dos trabalhadores. O último esforço é a organização do Partido Socialista da Nigéria (SPN), que pode não ganhar muitos votos no início mas, se criar raízes, pode oferecer uma alternativa real à classe trabalhadora nigeriana.
Depois que Zuma foi deposto na África do Sul, Cyril Ramaphosa assumiu como presidente. Mas a “Ramaforia” foi um fenômeno muito limitado. Em última instância, a corrupção da era Zuma foi um sintoma do podre capitalismo sul-africano, e não sua causa subjacente. No fundamental, Ramaphosa está oferecendo a mesma velha dieta neoliberal. A economia continua estagnada e tem havido dezenas de milhares de perdas de emprego desde que ele tomou posse. Ramaphosa também é lembrado como o “açougueiro de Marikana”.
Nossa seção sul-africana construiu uma pequena mas importante base nos sindicatos, atuando na recém-formada Federação Sul-Africana de Sindicatos (Saftu). Jogamos um papel central em assegurar que a criação de um novo partido operário de massas fosse uma discussão principal dentro da nova federação. De forma significativa, a federação, de novo conosco jogando um papel importante, reuniu em torno dela uma camada de organizações comunitárias e de juventude, e outras campanhas, numa Cúpula da Classe trabalhadora (WCS). A Saftu e a WCS aprovaram resoluções em apoio à criação de um novo partido de trabalhadores. Um fator complicador nisso foi a determinação de um setor da direção do sindicato de metalúrgicos NUMSA de seguir em frente com seu próprio projeto politico sectário e stalinista – o Partido Socialista Revolucionário dos Trabalhadores (SRWP). Isso foi feito em isolamento e em contraposição ao processo mais amplo, mais democrático e no geral politicamente mais saudável que se desenrola em torno do Saftu. Há o perigo de que o SRWP pode se tornar um obstáculo à construção da unidade mais ampla da classe trabalhadora, inteiramente possível nessa etapa, o que daria a qualquer nova formação a maior chance de um avanço. Acreditamos que apenas um processo aberto e democrático, construído com base numa estrutura federal, pode convencer outras formações classistas de se unirem sob uma bandeira a tempo para as eleições gerais de 2019.
Na China, o regime de Xi Jinping encontra suas provas mais sérias poucos meses após sua “coroação” como governante vitalício. Eclodiram conflitos de massas, envolvendo dezenas de milhares de veteranos do exército, muçulmanos, vítimas das companhias financeiras falidas e das novas ameaças de poluição. Há uma evidente radicalização política entre os jovens chineses e mais críticas abertas ao regime na internet constantemente censurada. O descontentamento entre a classe média urbana (antes uma importante base para o apoio a Xi) com a diminuição da liberdade é agora generalizado. Mais importante, a onda ascendente de lutas operárias (sem sindicatos) alcançou um novo nível com o surgimento de greves inter-províncias de operadores de guindastes, entregadores, caminhoneiros e outros. Na luta operária da Jasic no sul, nossos camaradas chineses, apoiados por ações solidárias de toda a Internacional, fez uma importante intervenção. Nossas demandas por sindicatos independentes, contra o “sindicato policial” do regime, estão ganhando eco entre o que é uma camada muito significativa de jovens de esquerda, que se identificam como “marxistas” e revolucionários e estão entrando em colisão com o regime.
A Ásia tem sido afetada por desastres naturais – causados pela mudança climática – assim como pela desaceleração do crescimento mundial. O Paquistão está numa profunda crise econômica e se voltou para a Arábia Saudita e China por empréstimos e está buscando novas negociações com o Fundo Monetário Internacional – tendo já 13 empréstimos – com as condições inevitavelmente duras que seriam impostas se ele for acordado. Esse é o “presente” – um desesperado cenário econômico – que foi dado ao recentemente eleito primeiro ministro, antigo jogador de críquete Imran Khan, que é amplamente visto como uma fachada para a elite militar que efetivamente governa o Paquistão, principalmente por trás do palco, nos 70 anos de existência do país. Recentemente, o país também se tornou dependente dos projetos de infraestrutura “Belt and Road” da China, com a construção de um enorme porto no sudoeste do país. Grandes levantes são iminentes no Paquistão, o que nos apresentará chances de crescer, especialmente com o desenvolvimento de um novo partido de massas. Ao mesmo tempo, os recentes protestos contra blasfêmia organizados por fundamentalistas de direita em todo o país é um alerta do persistente risco de reação.
A Índia afirma ser a grande economia que cresce mais rápido no mundo com um “governo estável” mas, como comenta o Financial Times, “ela se uniu às fileiras dos mercados emergentes tomando uma surra”. A rúpia indiana perdeu valor em 15% contra o dólar apenas esse ano. Mas a economia indiana e o governo Modi falharam em usar a desvalorização da moeda para aumentar as vendas nos mercados internacionais. Isso reflete a fraqueza do capitalismo indiano, fato que tem sido escondido pelo governo. A promessa de Modi de criar empregos de qualidade é letra morta. Apenas um punhado insignificante de empregos foi criado, e com um número enorme de jovens entrando no mercado de trabalho isso é uma garantia de protestos e levantes. Nossas forças serão apresentadas com novas oportunidades de aumentar nossa força e influência.
A Malásia também enfrenta problemas com as eleições que viram a saída do poder de Najib Razak e do partido UMNO pela primeira vez em 57 anos desde que a independência foi conquistada dos britânicos. O novo governo é liderado pelo antigo primeiro ministro do UMNO, de 93 anos, Mahatir Mohammed. Não existe um partido de trabalhadores de massas e essa demanda é a principal arma de propaganda para nossa seção no país. Também estamos tentando estabelecer uma base firme na Indonésia e outros lugares da Ásia.
Nossos camaradas do Sri Lanka também estão lutando contra grandes dificuldades – o legado da guerra comunal e a difícil situação econômica que está impactando as massas – mas não obstante mantendo uma importante presença. Em outubro o pais mergulhou numa crise constitucional com o presidente “demitindo” o primeiro ministro democraticamente eleito Ranil Wickremasinghe e escolhendo o não eleito e chauvinista cingalês e antigo presidente Rajapaksa. O conflito ainda não está resolvido e pode resultar num confronto sério, até perigoso, incluindo a eclosão de conflitos raciais.
Embora a Austrália geograficamente esteja na Ásia, economicamente é um país de “primeiro mundo”, que desfruta de uma situação “benigna”, um boom, há mais de 25 anos. Contudo, ela recentemente enfrentou grandes manifestações contra baixos salários, com mais de 100 mil pessoas protestando em Melbourne em outubro, o que indica um desenvolvimento econômico desigual, como na Europa, os EUA e o resto do “mundo desenvolvido”. Portanto, o “país de sorte” pode não o ser no futuro à medida que iguala econômica e socialmente com o resto do mundo. A classe trabalhadora enfrentará o mesmo cenário econômico de crescimento atrofiado, baixos salários e ataques às conquistas do passado. Isso junto com a ameaça de mudança climática que atingirá de forma particular a Austrália; agora será possível para nós construir forças substanciais na Austrália e na região como um todo.
Embora Putin, reeleito em maio, espere governar pelo menos até 2024, sua taxa de aprovação caiu agudamente a níveis só vistos no início da crise global. A euforia com a Crimeia está sendo substituída pela percepção de que a economia agora está estagnando. Mais da metade dos trabalhadores ganham menos de 350 euros por mês e mais de 70% da população se opõe ao aumento da idade da aposentadoria. As sanções, a guerra na Ucrânia e os escândalos em torno dos envenenamentos no Reino Unido e as eleições nos EUA foram usados por Putin para aumentar o apoio a ele no passado, mas eles estão começando a se tornar no seu oposto. E embora ele corteje populistas de direita como Salvini, Le Pen e Kneissl na UE, suas ações na Ucrânia alienaram outros líderes autoritários como Lukashenko de Bielorússia.
Nossos camaradas russos previram e se prepararam para os explosivos protestos de jovens que se seguiram às denúncias online de Navalny, um líder da oposição pequeno-burguesa, da corrupção endêmica em torno de Putin e de seu círculo e não foi surpresa o uso por Navalny de demandas mais à esquerda, refletindo os sentimentos desses jovens, que cresceram conhecendo apenas o capitalismo de Putin. Embora apenas uma minoria, o modo destemido como os jovens, alguns de apenas 11 anos, desafiaram os cassetetes policiais e milhares de prisões deu confiança a outras camadas. Os maiores protestos contra a reforma da previdência foram de trabalhadores e jovens. Os partidos oficiais pró-Kremlin, incluindo o Partido “Comunista”, fizeram tudo o que podiam para desarmar os protestos. É essencial que nossa organização russa continue a construir apoio entre trabalhadores jovens e estudantes para criar uma enérgica organização para intervir nas lutas mais amplas da classe que inevitavelmente eclodirão em algum momento.
Agora não existe uma só região do mundo onde levantes sociais ou políticos não estejam ocorrendo ou sejam esperados. Temos sido capazes de obter ganhos enormes em algumas áreas, em especial nos EUA. Contudo, em outras regiões e áreas parece haver uma certa pausa, em especial na tarefa de ganhar e recrutar significativas forças para nossa bandeira. Mas há uma enorme agitação nas fileiras da classe trabalhadora, com milhões buscando por respostas para a multidão de problemas que a crise do capitalismo criou para eles. Devemos estar com eles, com nossas seções compartilhando seus problemas e dificuldades, mas também se preparando para intervir onde quer que um movimento esteja ocorrendo, ou haja uma antecipação de tal movimento. Muitas vezes em nossa história, sem falar daquelas nas grandes internacionais que nos precederam, pequenos grupos de propaganda rapidamente se transformaram em grandes organizações significativas, que podem então formar a base para um pequeno partido e forças de massas numa etapa posterior. Preparar-se para isso no próximo período é uma tarefa urgente para o CIT.