Informe da Escola Latino-americana do CIO no Brasil

Entre os dias 14 e 19 de fevereiro o Comitê por uma Internacional Operária realizou em São Paulo sua I Escola Latino-Americana. Cerca de 80 militantes compareceram. Eles vieram de vários lugares do Brasil, do Chile, Bolívia e Venezuela. A Escola contou também com militantes dos EUA, Inglaterra, Bélgica, Suécia, França, Alemanha e África do Sul.

Foi consenso de todos os presentes e expresso em diversas falas que essa Escola representou um passo muito importante para o CIO na América Latina – que é, sem dúvida, a região onde as lutas estão mais avançadas e que pode ser palco de importante desenvolvimentos para a classe trabalhadora no próximo período.

Economia e os EUA

Nesse sentido, a análise sobre a situação mundial, particularmente, o império americano e a economia são fundamentais para analisar os rumos da luta socialista na América Latina. Foi com esse debate que se iniciaram os trabalhos. Tony Saunois, do secretariado internacional do CIO, apresentou um horizonte de recessão nas principais economias, centralmente nos EUA com o estouro da bolha imobiliária.

Saunois argumentou que o capitalismo não encontra caminhos de saída dessa crise. A financeirização e globalização da economia não permitem, simplesmente, que outras economias não sejam atingidas pela crise americana e, assim,sirvam como salvação da economia mundial, ao contrário de que Lula e outros governantes afirmam.

Esse momento econômico chega num período em que há, sem dúvida, um desgaste das políticas neoliberais e sentimento amargo sobre as propostas do capital. Em suma, Saunois apresentou uma perspectiva difícil para o capitalismo mundial, que terá efeito sobre os trabalhadores, que sofrerão mais ataques.

Porém, ao contrário da década de 90, quando existia o trunfo ideológico de que qualquer alternativa ao capitalismo era impossível, renasce a referência do socialismo, seja nas experiências que ocorrem atualmente na Venezuela e Bolívia, seja nas formações de novos partidos da classe trabalhadora.

É essa nova conjuntura que exige um esforço importante dos socialistas revolucionários para agirem diretamente na realidade e estar preparado com um boa análise é uma prática e um método revolucionários.

A análise sobre os EUA foi enriquecida com o depoimento de Greg Beiter, do Socialist Alternative (seção americana do CIO). Greg apresentou a situação política para as eleições presidenciais desse ano nos EUA. Desmascarou a falsa polarização entre os republicanos e os democratas. Ressaltou que Obama e Hillary são ambos financiados pelos grandes capitalistas.

Argumentou que apesar de um sistema eleitoral extremamente asfixiante para qualquer alternativa real dos trabalhadores, há uma grande insastisfação entre a juventude contra a guerra e também entre os trabalhadores em relação à possível crise econômica. Muito da raiva contra o governo americano vem sendo canalizada, de forma oportunista, pela candidatura de Obama. Greg afirmou que no caso de vitória de Obama, esse apoio se tranformará em pressão e podemos ver uma maior mobilização dos trabalhadores nos EUA no próximo período.

O Socialist Alternative apresentou que irá defender uma candidatura independente: a recém confirmada candidatura de Ralph Nader, como alternativa eleitoral para o descontentamento com a guerra no Iraque e a piora na situação dos trabalhadores.

Venezuela pós-referendo

Não é de surpreender que as discussões sobre os processos na Venezuela e na Bolívia foram abrigaram os debates mais intensos. Johan Rivas, sindicalista dos trabalhadores da saúde e do Coletivo Socialismo Revolucionário (seção venezuelana ligada ao CIO), expôs a complexa situação do processo revolucionário venezuelano. A derrota da proposta de reforma constitucional de Chávez representou um passo atrás para a esquerda. Essa derrota chega no momento em que os trabalhadores vêm enfrentando muitas dificuldades, como a alta inflação (22% em 2007) e o desabastecimento de alimentos básicos.

Com a derrota de Chávez no referendo, a direita volta à cena. De outro lado, vai ficando cada vez mais claro que é necessário romper com o grande capital, estatizar empresas e passá-las ao controle dos trabalhadores, para fazer o processo revolucionário avançar. Como nos apresentou os militantes do CSR, a única alternativa é fortalecer uma organização independente dos trabalhadores, que não seja simplesmente um braço político de Chávez.

Nesse sentido, a criação do PSUV tem um caráter ambíguo. Ao mesmo tempo que se apresenta como a possibilidade de organização política dos trabalhadores, como instrumento de luta pelo socialismo, foi criado de cima para baixo, com grande controle dos antigos partidos chavistas.
Um exemplo foi dado por Johan Rivas. Ele foi eleito delegado pelo PSUV de sua localidade para representá-la no congresso do partido, mas, logo após, foi expulso do núcleo em que fora eleito sem mais explicações.
Ainda assim, o CSR está construindo o PSUV, de forma crítica em relação à direção do partido, trabalhando para fortalecer uma posição no PSUV de defesa de um partido independente dos trabalhadores e que compreenda que a tarefa é construir um partido com democracia interna e com a perspectiva da revolução socialista.

Outro aspecto da intervenção do CSR são os sindicatos e a atuação na UNT. Assim como o PSUV, há fortes elementos de burocratização nos sindicatos. No entanto, como nos disse Sandy, há uma nova camada de jovens dirigentes sindicais críticos à burocracia e com forte espírito revolucionário.

A Escola de Quadros aprovou uma moção contra a demissão do líder sindical Orlando Chirino da empresa petrolífera estatal, PDVSA, um ato de perseguição contra um sindicalista que faz oposição de esquerda aos chavistas.

Bolívia: um ano crucial

A chegada da delegação boliviana à Escola foi fortemente saudada. Depois de 6 dias de viagem, e problemas na fronteira, os companheiros da Alternativa Socialista Revolucionária, jovem grupo ligado ao CIO na Bolívia chegaram e puderam dar uma importante contribuição ao debate sobre América Latina.

Mika apresentou um quadro de acirramento da luta de classes nesse ano. Deve ocorrer ao menos 2 referendos no país esse ano. Um sobre a reforma constitucional aprovada pelo Legislativo e outro sobre autonomia regional. Além disso a um progressivo enfrentamento entre o movimentos dos trabalhadores e indígenas e setores organizados da direita, inclusive fascistas. A ASR está construindo junto com outros grupos e ativistas os comitês de defesa dos trabalhadores em Cochabamba (La Coordinadora de Juventudes Anti-Fascista).

O desafio que está colocado para uma ainda pequena e jovem organização revolucionária na Bolívia é estabelecer um diálogo com amplos setores dos trabalhadores fortalecendo uma posição de independência desses frente ao governo do MAS e exigindo que o governo apóie as lutas e reivindicações do movimento.

O MAS e Evo vêm sofrendo grande pressão dos trabalhadores, porém apresentam uma posição titubeante e, freqüentemente, buscam estabelecer pactos com setores da burguesia.

Os companheiros da ASR afirmaram que apoiarão as reformas constitucionais propostas pelo governo do MAS, mas não deixarão de apontar seus limites e a necessidade do trabalhadores organizarem-se autonomamente para avançar no processo.

Brasil, Chile, México e Argentina

A discussão sobre a situação desses países sem dúvida foi diferente da realizada sobre Venezuela e Bolívia. Apesar de não haver um processo de grande acirramento da luta de classes nesses países, há boas perspectivas para um avanço das lutas dos trabalhadores.

No Brasil o período de ilusões no governo Lula se dissipou. Os trabalhadores iniciam um processo de reorganização independente das velhas estruturas do PT e da CUT. Isso permitirá um maior protagonismo dos trabalhadores.

Foram levantados os exemplos do PSOL, que vem sendo acompanhado com bastante atenção por todas as seções do CIO, já que a construção de novos partidos de trabalhadores é algo posto pelo mundo inteiro, e a experiência brasileira traz lições importantes, além do exemplo da Conlutas no campo sindical e dos movimentos sociais.

A contribuição dos chilenos presentes foi animadora. Depois de um grande período de quase inatividade dos trabalhadores graças ao período da ditadura militar, o Chile voltou a ver grandes manifestações que ensaiam um período melhor para as lutas.

A partir da contribuições de alguns militantes, foi ressaltada a importância desses países, além do México e da Argentina no desenrolar das lutas latino-americanas. Apesar das atenções estarem voltadas para os Andes, serão os rumos das fortes classes trabalhadoras desses países que constituirão um fator central para a construção de uma alternativa realmente socialista para a América Latina.

Trotskismo, história da esquerda latino americana e outros debates

Teve lugar também a discussão sobre os fundamentos do trotskismo, como a idéia de revolução permanente e programa de transição. Foi uma discussão rica e ligada às análises das situação concretas das lutas dos trabalhadores hoje e historicamente. Discutiu-se também a longa e heróica história da esquerda na região.

Além de todos esses temas, ainda houve fôlego para os militantes de vários paises trocarem experiências sobre o trabalho sindical, de juventude, a política de recrutamento, de finanças e de jornal.
A Escola terminou com grande entusiasmo expresso nas falas dos companheiros jovens que afirmaram que sairão muito mais fortalecidos para construir em seus espaços a luta pelo socialismo ao perceberem que há mais pessoas, no mundo todo e na América Latina fazendo o mesmo.