Uma nova etapa para o PSOL: Maioria moderada e resistência da esquerda marcam os Congressos do partido

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) acaba de passar por uma bateria de Congressos em todo o país. O I Congresso nacional do partido aconteceu no Rio de Janeiro entre os dias 07 e 10 de junho. Nos meses de julho, agosto e início de setembro aconteceram os Congressos estaduais.

Embora se mantenha como um passo decisivo no processo de recomposição da esquerda socialista brasileira, principalmente depois da plena integração do PT à ordem neoliberal, o PSOL sai desses encontros com muitas diferenças em relação ao partido fundado em junho de 2004.

O Congresso nacional do partido foi marcado pela constituição de um bloco majoritário moderado reunindo as correntes Movimento Esquerda Socialista (MES), Ação Popular Socialista (APS) e outros agrupamentos menores. A unidade desse bloco baseou-se principalmente em alguns eixos políticos e organizativos que representam um retrocesso em relação às bases de fundação do PSOL.

Recuo político

O PSOL continua oposição de esquerda ao governo Lula e à direita tradicional. Mas, sua postura anti-neoliberal não está claramente vinculada a um programa e estratégia classistas, anti-capitalistas e socialistas, como apontavam os documentos de fundação do partido.
Ainda que o programa adotado na fundação não tenha sido formalmente alterado, a linha política e programática para a conjuntura sofreu um claro recuo.

O Congresso acabou repetindo e consolidando a postura adotada pela direção do partido durante as eleições de 2006, quando a campanha presidencial não apenas ignorou, mas publicamente rejeitou o programa do partido e até mesmo a plataforma votada na Conferência eleitoral. A plataforma defendida nas eleições nacionais não ultrapassou uma visão nacional-desenvolvimentista.

Ao invés de avançar na direção de uma superação política e organizativa da experiência do PT, inclusive do velho PT das origens cujos limites abriram espaço para a degeneração atual, o Congresso acabou dando um novo fôlego a algumas visões e posturas derrotadas neste partido.

Explícita ou implicitamente, o que vingou no Congresso do PSOL foi uma visão baseada na concepção de programa democrático e popular, um programa de reformas dentro do capitalismo defendidas a partir de uma ênfase clara na disputa eleitoral.

Menosprezando as lutas sociais

A resolução política do bloco majoritário explicitamente coloca que o processo eleitoral de 2008 é a prioridade do partido e coloca muito pouco destaque ao processo de lutas aberto com as manifestações de 8 de março desse ano e o grande Encontro Nacional contra as reformas neoliberais de 25 de março.

Enquanto a esquerda socialista nos sindicatos e movimentos sociais luta para fazer com que esse processo continue e se fortaleça no segundo semestre – através da organização do Plebiscito popular, unificando as lutas e greves dos vários setores e construindo a Marcha a Brasília de 24 de outubro – a maioria da direção do PSOL tem jogado pouco peso nesse processo.

Estamos plenamente a favor de construir uma intervenção forte e vigorosa nas eleições de 2008. Mas, isso só será possível se nossos candidatos refletirem o processo real das lutas sociais e as campanhas estiverem a serviço das lutas sociais contra os governos e os patrões e defenderem uma alternativa socialista.

É verdade que os parlamentares do partido têm cavado um razoável espaço em torno da questão da corrupção no Senado em torno do caso Renan, etc. Entendemos que a denúncia da corrupção é parte importante da luta do PSOL, mas isso não pode ser feito de forma desvinculada das lutas dos trabalhadores. Menos ainda sem o claro objetivo de elevar o nível de consciência de amplos setores sobre a relação entre a corrupção e as políticas neoliberais e o regime político da burguesia.

Abrindo mão da independência de classe?

Numa das votações mais importantes, a maioria do Congresso, incluindo também a corrente Enlace, recusou-se a votar uma resolução que impedia o PSOL de realizar alianças com partidos burgueses ou da base governista nas eleições municipais de 2008. A resolução aprovada acabou apenas apontando para uma Conferência eleitoral no próximo ano que decidiria sobre o assunto.

Trata-se de um precedente gravíssimo. Está mais do que claro que setores significativos do partido querem criar condições para a construção de coligações eleitorais com partidos da base do governo Lula ou coisa pior. Se não fosse assim, porque então não quiseram votar que o PSOL, no máximo, faria coligações nos marcos da Frente de Esquerda (PSOL, PSTU, PCB) constituída nas eleições de 2006, como propúnhamos?

O abandono do princípio da independência de classe foi um dos fatores mais importantes que levaram à degeneração do PT. Não podemos aceitar o mesmo processo no PSOL.

Em alguns estados, como no caso do Rio de Janeiro, a pressão da base, aliada a um cenário político regional específico, fez com que os Congressos estaduais rejeitassem alianças com partidos governistas ou burgueses. É preciso construir um forte movimento de militantes para impedir que a Conferência eleitoral de 2008 acabe com a postura em defesa da independência de classe nas eleições de 2006.

Conquistas no Congresso

Apesar da maioria vinculada aos campos mais moderados do partido, foi possível obter algumas conquistas importantes no Congresso. A vitória da resolução que apóia a luta pela legalização do aborto teve uma importância especial.

Durante todo o Congresso houve uma enorme pressão de setores da direção do partido para que essa proposta de resolução não fosse apresentada. Ela foi apresentada mesmo assim e, apesar da defesa contrária da própria presidente do partido Heloísa Helena, a resolução obteve ampla maioria.

Infelizmente essa vitória do partido e do movimento de mulheres fica manchada pela postura pública contra a legalização do aborto adotada por Heloísa em várias ocasiões.

O Congresso também aprovou uma resolução que aponta a necessidade da unidade da Conlutas com a Intersindical e outros setores combativos do movimento sindical para construir uma nova Central independente do governo e dos patrões. Uma Conferência sindical nacional do PSOL deve aprofundar esse debate.

Chapa de esquerda

A principal vitória da esquerda no Congresso foi a constituição de uma chapa unificada que acabou sendo a segunda mais votada.
Apesar dessa representatividade importante, a postura anti-democrática do Bloco majoritário tenta minimizar a participação da esquerda nos rumos do partido. Na composição da executiva nacional, por exemplo, recusaram-se a adotar o mesmo critério mais democrático da proporcionalidade qualificada na divisão das funções que foi adotado em vários estados, como em São Paulo.

A chapa de esquerda foi formada no Congresso apesar das enormes pressões para que se jogassem as diferenças para debaixo do tapete e se fizesse um ‘chapão’ único.

A atuação conjunta do Socialismo Revolucionário (SR), junto com os agrupamentos Alternativa Socialista (AS) e Coletivo Liberdade Socialista (CLS), mesmo sendo minoritários, jogou um papel central para que uma chapa unificada de esquerda, incluindo Plínio de Arruda Sampaio, a CST e o C-SOL, fosse formada.

O SR, a AS e o CLS, juntamente com a Alternativa Revolucionária Socialista (ARS) avançaram na constituição de um Bloco político para continuar a atuar no PSOL e nos movimentos sociais no próximo período. O Bloco dos quatro agrupamentos está presente em vários estados do país e teve intervenção nos Congressos estaduais do PSOL em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pará, Minas Gerais, Goiás, Sergipe, Ceará e Paraná.

Nossas tarefas

O partido sai desse processo de Congressos com uma linha política mais moderada. Sai também com um bloco majoritário moderado claramente estabelecido em sua direção. Mas, apesar disso, o Congresso deixou claro que existe um grande espaço para a atuação de uma esquerda socialista conseqüente no interior do partido. Existem ainda grandes possibilidades para um processo de reagrupamento da esquerda revolucionária dentro do partido.

O Socialismo Revolucionário jogará peso na construção de um processo que leve à unificação dos revolucionários no PSOL. Mas, esse processo não se dará apenas dentro das fronteiras do partido. Ele se dará junto com o processo de recomposição sindical e popular que, apesar de contraditório e incipiente, tem uma importância decisiva.
O PSOL continua sendo uma referência política importante para milhões de trabalhadores e isso não se dá apenas no processo eleitoral. No próximo período nosso papel é o de construir o PSOL nas lutas dos trabalhadores e da juventude e construir uma ala esquerda socialista e revolucionária que dispute os rumos do partido evitando que se rompa o fio de continuidade do projeto original quando fundamos o partido.