Economia mundial: Fim de festa
Especuladores tentam passar a conta aos trabalhadores
“Trata-se de um dos maiores pânicos que já vi em meus 55 anos no setor de serviços financeiros”, disse Angelo Mozilo, presidente da Countrywide Financial, a maior financiadora imobiliária dos EUA, durante a turbulência nos mercados financeiros que começou no fim de julho. “Não vejo a luz no fim do túnel, por enquanto”.
Essa crise não se resume a uma “correção” do mercado financeiro. Ela é um tremor que anuncia um futuro terremoto econômico que vai afetar a vida de todos trabalhadores do mundo. Ela mostra o caráter parasitário, especulativo, explorador e instável do sistema capitalista.
Lula tenta manter a imagem de que o país agora é forte e intocável pela crise e que o crescimento atual vai se manter. Mas o crescimento dos últimos anos no Brasil foi baseado num quadro muito favorável internacional, e que, daqui pra frente, só vai piorar. Para os trabalhadores isto é como ser convidado só para o fim da festa, quando restam apenas migalhas do banquete, e, ainda por cima, serem forçados a cuidar da limpeza. Mesmo assim, quando a crise estava na pior fase, quando a bolsa de valores chegou a cair 8,8% em algumas horas durante 16 de agosto, o ministro da fazenda, Guido Mantega, comentou que “não há possibilidade de sair ileso dessas turbulências”
Setor imobiliário: Estopim da crise
A onda de crise financeira, que começou no dia 24 de julho, era prenunciada por algum tempo. O seu estopim foram os problemas do setor imobiliário dos EUA. OS EUA vivenciaram uma bolha imobiliária desde 1995, que cresceu muito no período entre 2001 e 2005 em razão da política adotada pelo Banco Central estadunidense (“Fed”). Nesse período a taxa básica de juros foi reduzida para 1% na tentativa de impedir uma crise econômica provocada pelo estouro da bolha de ações do setor de informática em março de 2000 e pelas reprcussões dos ataques de 11 de setembro de 2001 em Nova Iorque.
O período de crescimento mundial que se abriu depois de 2001 foi de caráter profundamente parasitário. A classe capitalista e seus representantes implementaram uma onda de ataques aos direitos dos trabalhadores, usando a ameaça de transferência da produção para a China. Dessa maneira, aumentando a exploração dos trabalhadores, os lucros das empresas foram restaurados aos níveis da “era dourada” do capitalismo dos anos 60.
Os trabalhadores nunca tiveram uma porção tão pequena dos lucros num período de crescimento como nesses últimos anos. Um estudo mostra como os salários nos EUA (descontado a inflação) só cresceram 0,3% entre 2001 e 2004, enquanto os lucros cresceram 40%! Os salários dos trabalhadores nos EUA têm a menor porção do PIB do país desde 1947.
Ao mesmo tempo, só uma pequena parte dos lucros foi usada para investir na produção. O nível de investimento em geral (com a principal exceção sendo na China) é só a metade do que era nos anos 60. Para onde vão esses lucros? Grande parte é usada em especulação financeira. As empresas financeiras compõem entre 30% e 40% dos lucros das empresas dos EUA e se forem contados os setores financeiros das empresas industriais e de comércio os lucros financeiros chegam a 50% dos lucros totais. Junto com esses lucros existe a enorme quantidade de crédito super barato em razão das baixas taxas de juros nos EUA (1% por ano). Em casos como o do Japão, com uma taxa básica de 0,5%, os juros chegaram a ser negativos, ou seja, ficando abaixo dos índices de inflação.
Essa combinação criou espaço para bolhas especulativas, como a bolha imobiliária. O rápido aumento dos preços das casas ajudou a manter o crescimento do consumo privado nos EUA, que sustenta dois terços do PIB (Produto Interno Bruto, o total de todas mercadorias e serviços produzidos durante um ano), mesmo sem aumentar os salários. Como resultado da bolha imobiliária, a riqueza aumentou em 5 trilhões de dólares no papel, gerando um “efeito riqueza”. Os proprietários de casas usavam o aumento do valor de seus imóveis para fazerem novos empréstimos usados para consumo. As famílias praticamente usavam seus imóveis como “caixa eletrônico”, fazendo saques de um total de 700 bilhões de dólares anuais nos últimos anos (compare isso com o PAC, que corresponde a 250 bilhões de dólares – durante 4 anos!).
O endividamento das famílias estadunidenses tem aumentado constantemente nas últimas décadas. Passou de 65% da renda disponível em 1985 para mais de 130% hoje em dia. Mais de 14% da renda familiar é usado para pagar as dívidas, algo que agora pode aumentar mais com o aumento dos juros.
O crescimento do setor imobiliário teve um efeito direto na economia estadunidense. Segundo o ex-vice-presidente do Banco Mundial, Joseph Stiglitz, “aproximadamente 80% do aumento no nível de emprego e quase dois terços do aumento do PIB nos últimos anos se originou direta ou indiretamente no setor imobiliário”.
Caçando lucros fáceis
Todos os especuladores e empresas financeiras queriam parte desse bolo que parecia poder crescer infinitamente. “As origens do atual estrangulamento está nas loucuras financeiras dos últimos anos, que foram tão irracionais quanto a bolha da internet. A bolha imobiliária foi apenas uma parte delas; de modo geral, as pessoas começaram a agir como se o risco tivesse desaparecido”, comenta Paulo Krugman, economista, colunista do New York Times. Desde 2002 começam a surgir empréstimos também para pessoas que não têm renda fixa, que têm o nome sujo na praça, etc. Isso, ao mesmo tempo em que Bush faz campanha para que todos sejam donos da sua própria casa e não alugar. Surge o mercado chamado “subprime” e “Alt-A”. Em 2006, 43% das novas hipotecas eram “subprime” ou “Alt-A”. O mercado “subprime” chegou a valer 1,3 trilhões de dólares (ou pouco mais que o PIB brasileiro), de um total de 10 trilhões no mercado de empréstimos imobiliários. Os empréstimos de alto risco eram fatiados e empacotados com outros créditos e vendidos no mercado financeiro como empréstimos seguros, numa tentativa de espalhar os riscos.
A loucura se tornou geral. A revista econômica britânica “The Economist” conta a história de Casay Serin, web-designer de 24 anos que tentou se lançar como corretor. Em 2006 ele comprou 7 casas em 5 meses, mentindo sobre o seu salário e sem precisar pagar nada de sinal. Agora ele tem dívidas que chegam a 2,2 milhões de dólares e perdeu três das casas.
O mercado imobiliário começou a enfraquecer já durante 2006. Em agosto de 2006, o índice de construção de casas tinha caído 40% comparado com os últimos 12 meses. O Fed tinha começado a aumentar os juros para conter a inflação e isso teve efeito nos preços das casas. Em 2007 a crise ficou evidente. Os preços das casas caíram por 4 trimestres seguidos. No segundo trimestre caíram 3,2%, comparando-se com o mesmo período de 2006. Foi a maior queda desde 1987, quando o índice começou a ser computado. Cerca de 20% dos que têm subprime não conseguem pagar mais os empréstimos e um milhão de pessoas já perderam as suas casas. Financiadoras imobiliárias começar a falir, mas também enormes fundos especuladores, como os “fundos hedge” que investiram no mercado “subprime” começaram a ter problemas.
A crise se espalha
A gota d’água que provocou a queda nas bolsas de valores no dia 24 de julho foi quando a Countrywide Financial (a maior financiadora imobiliária) anunciou que seu lucro caiu 33%. As ações perderam 50% do valor desde o começo do ano e no 16 de agosto a empresa teve que fazer um empréstimo emergencial de 11,5 bilhões de dólares. Além de ser a maior financiadora, a Countrywide Financial na verdade tinha uma baixa porção de empréstimos subprime, mostrando que o problema ia além dos empréstimos de maior risco.
No dia 9 de agosto a crise se aprofunda novamente com o anúncio do banco francês BNP Paribas de que ia congelar 3 fundos que investem em subprime, dizendo que era “impossível avaliar alguns ativos corretamente”. Também bancos alemães tiveram problema e precisaram de empréstimos emergenciais, como IKP, Deutsche Postbank, Deutsche Bank e Commerzbank. O pânico se instalou no setor financeiro e principalmente no setor bancário. Ninguém sabia quem que podia estar à beira da falência por causa da crise dos EUA, já que os empréstimos “podres” eram empacotados junto com outros e recebiam avaliação positiva dos “especialistas”.
Houve uma crise especial no mercado de empréstimos entre os bancos. O Banco Central Europeu, BCE, agiu rapidamente liberando crédito aos bancos em “volume ilimitado” e 49 bancos fizeram empréstimos recordes de 94,8 bilhões de euros (130 bilhões de dólares) em um só dia, mais do que os 69 bilhões de euros liberados em 12 de setembro 2001, outro dia de pânico. Em três dias, os bancos centrais da União Européia (BCE), dos EUA (Fed) e Japão (Bank of Japan) injetaram 355 bilhões de dólares no mercado – mais que o PIB da Argentina e Venezuela juntos! Mas esse dinheiro era para salvar os bancos e o sistema capitalista, nada era destinado ao milhão de famílias que perderam suas casas nos EUA.
Efeitos no Brasil
A crise teve efeito também no Brasil. No ponto mais agudo da crise, dia 16 de agosto, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) tinha perdido 23% do seu valor (270 bilhões de reais), o dólar tinha valorizado em 14% e o “risco país” (uma medida de quanto mais o mercado financeiro exige de juros para investir em certos países para cobrir os riscos mais elevados comparados com os EUA) tinha subido 36%.
A Bovespa foi uma das bolsas de valores mais afetada no mundo, depois apenas da bolsa da Indonésia, mostrando a volatilidade do capital especulativo. Ao mesmo tempo a situação no Brasil é bem diferente comparando-se com as crises anteriores, como em 1998 ou 2002, pois a situação é bem mais estável.O Banco Central agora tem grande quantidade de reservas internacionais (160 bilhões de dólares, comparados com 35,5 bilhões em 1999) devido ao superávit comercial e os juros também são bem mais baixos. A taxa básica de juros (Selic) do Banco Central está em 11,5% (só a Turquia tem juros mais altos) comparada com 42% em março 1999.
Mas isso não significa que a situação está tão tranqüila quanto Lula tenta dar a impressão, dizendo: “Quem tem um colchão de 160 bilhões pode ficar tranqüilo… Não estou preocupado, não vamos ser afetados. Isso é problema dos EUA e dos bancos americanos”.
Fuga de capital
Se a crise financeira continua, os efeitos serão mais graves. Já vimos certa fuga de capital, que levou à queda na bolsa e valorização do dólar. Essa fuga se deu principalmente quando especuladores tiveram que vender ativos para cobrir as perdas nos EUA. A Bovespa cresceu rapidamente desde 1998 e tem um peso maior na economia. Em 1998 o valor total das ações da Bovespa era equivalente a 22% do PIB, em 2002 era 33% e agora corresponde a 74%!
Grande parte desse aumento tem a ver com investimentos de especuladores de outros países. Nos últimos dois anos, 70% dos valores negociados em ofertas públicas de ações veio do exterior, segundo Edison Garcia, ex-diretor da CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
Mas o efeito principal virá com a desaceleração da economia mundial, o que vai afetar as exportações brasileiras. A dependência brasileira da exportação de matérias primas e “commodities” (matérias primas importantes que tem própria bolsa de valores e preços no mercado mundial) é grande e pode aumentar ainda mais com os investimentos nos agro-combustíveis como etanol e biodiesel.
O superávit na conta-corrente, que ajudou a criar a grande reserva internacional, não é algo dado para sempre. Em julho as transações correntes (que além do balanço comercial – exportações menos importações – também inclui transações financeiras) teve o primeiro déficit de 18 meses. Em julho as transações correntes (que além do balanço comercial – exportações menos importações – também inclui transações financeiras) tiveram o primeiro déficit em 18 meses. Em julho de 2006, o superávit era de 3,055 bilhões de reais, em julho 2007 houve um déficit de 717 milhões (o que significa saída de dólares). A remessa de lucros das empresas multinacionais aumentou em 143%, ou seja, de 2,94 bilhões para 4,46 bilhões. As importações cresceram em 35% em comparação com julho 2006. O superávit comercial caiu 8,5% nos 7 primeiros meses do ano.
Crise na economia real
O problema fundamental do capitalismo mundial é o mesmo dos tempos de Marx. O capitalismo é um sistema de exploração no qual a principal razão para que os capitalistas de invistam é gerar lucro. Mas o sistema tem várias contradições embutidas.
A concorrência força os capitalistas a investir em máquinas cada vez mas potentes (o que Marx chama de “capital fixo”) que substitui os trabalhadores (“capital variável”). Isso leva a uma tendência de queda dos lucros, já que é a exploração dos trabalhadores que é a fonte de exploração.
Ao mesmo tempo a capacidade de produção com a tecnologia nova aumenta mais rápido que a capacidade dos trabalhadores de comprar as mercadorias. Os trabalhadores como coletivo não podem comprar todas as mercadorias que produzem, já que o lucro vem do fato que o trabalhador nunca recebe todo valor que ele agrega às mercadorias com seu trabalho.
Isso leva a um aumento da concorrência, o que força os capitalistas a investir em tecnologia mais moderna e expandir seus negócios para se manter na competição, o que acaba levando a um excesso de capacidade de produzir.
O capitalismo tem várias maneiras de tentar frear esse processo. Podem tentar achar outros mercados exportando suas mercadorias ou então aumentar a exploração dos trabalhadores e sustentar o consumo artificialmente através da expansão do crédito ou ainda tentar achar lucros maiores investindo na especulação. Mas nenhum desses métodos pode resolver as contradições, só empurram o problema com a barriga e criam novas contradições.
Vimos como não há mais novos mercados no mundo a ser explorados e que a competição internacional é acirrada. A política neoliberal de privatizações é uma maneira de tentar criar novos mercados na educação, na saúde, etc. O aumento de exploração dos trabalhadores tem um efeito negativo, já que restringe o mercado de consumo. O aumento do crédito é o método que foi usado para tentar conter as crises de 1997-98 e 2000-01. Mas isso aconteceu sob o preço de aumentar os desequilíbrios da economia mundial, criando uma situação potencialmente explosiva.
O principal eixo do crescimento global nos últimos tempos tem sido a China (como produtor) e os EUA (como consumidor). Quase 40% do crescimento mundial em 2006 vinha dos EUA e da China. O capitalismo nas últimas décadas ficou mais e mais parasitário. Já que a produção de mercadorias não garante o mesmo lucro que antes, grande parte do capital é investida em pura especulação.
A super capacidade de produção (não voltada para as necessidades, mas para o que o capitalista podem lucrar) está presente em setores chaves. No começo da década foi calculado que existe tanta capacidade em excesso na indústria automobilística, que mesmo se todas as fábricas de carro dos EUA (onde funcionam quase a metade dos carros do mundo!) fossem fechadas, não faltariam carros. O resto das fábricas do mundo poderia cobrir a demanda. E é só agora que a China está se tornando um grande exportador de carros.
Na área do aço, a situação é semelhante. A China era recentemente o maior importador de aço, importando do mundo inteiro para cobrir as necessidades do grande crescimento da construção civil. Mas nos últimos três anos a capacidade de produção de aço na China duplicou e o país agora está se tornando o maior exportador do mundo. Há estimativas que a China esse ano, poderá, sozinha, cobrir dois terços da demanda mundial.
Os déficits dos EUA
Os EUA, apesar da política oficial neoliberal, mantiveram uma política de grandes déficits desde os anos 80. Os grandes cortes nos impostos para os ricos e o aumento de despesas com as forças armadas resultaram em grandes déficits fiscais. Ao mesmo tempo, o déficit comercial bate novos recordes e é agora maior que 800 bilhões de dólares. Essa política de sustentar um aumento do consumo para além dos próprios recursos ajudou a salvar a economia mundial da crise asiática e da crise pós 11 de setembro. Mas ao mesmo tempo, fez com que os EUA, que antes era o maior credor do mundo (o resto do mundo tinha grandes dívidas com os EUA), se traansformasse no maior devedor do mundo, com uma dívida externa líquida de 2,7 trilhões de dólares.
“A crise de hoje, então, é mais do que um sintoma de um sistema financeiro defeituoso. É também um sintoma de uma economia global desequilibrada. A economia mundial talvez não possa mais depender da disponibilidade das famílias dos EUA de gastar mais do que recebem. Quem vai pegar o lugar delas?”, escreve Martin Wolf, comentarista do Financial Times.
Os desequilíbrios ameaçam provocar também uma fuga de capital e uma queda descontrolada do dólar, o que resultaria em uma crise séria. O dólar é a principal moeda das reservas internacionais e por isso todos os países querem evitar uma queda, que diminuiria o valor das suas reservas. Mas se a queda se tornar inevitável, poderemos ver uma corrida para se desfazer dos dólares, com todo o mundo tentando se livrar deles o mais rápido possível para diminuir suas perdas.
Mesmo que boa parte da exportação da China para os EUA venha de empresas estadunidenses, que mudaram sua produção de país para tirar proveito dos baixíssimos salários existentes na China, fica cada vez mais evidente que os EUA estão perdendo seu total domínio econômico. Não só com o fato de que os EUA precisam de um constante fluxo de capital do resto do mundo para cobrir seus grandes buracos financeiros, mas também como poder industrial. A Toyota ultrapassou a General Motors como a maior montadora de carros no mundo e a China agora está produzindo mais carros que os EUA. A Boeing perdeu o primeiro lugar de construtora de aviões para a Airbus (consórcio europeu). A China também ultrapassou os EUA e tomou o segundo lugar, atrás apenas da Alemanha, como país com as maiores exportações.
O retrocesso econômico relativo dos EUA é acompanhado pelos fracassos políticos desde o início da guerra do Iraque em 2003. Mas os EUA ainda é a maior economia do mundo e tem a metade do orçamento militar do mundo. A classe dominante dos EUA não vai simplesmente aceitar que perdeu o trono como maior potência do mundo. O realinhamento das relações de forças do mundo não será algo tranqüilo. Mesmo que seja impossível fazer comparações diretas, temos que relembrar as duas guerras mundiais do século passado, que resultaram da competição entre as novas potências – EUA, Alemanha e Japão – e a antiga superpotência Grã Bretanha.
“Esperem até os russos começarem a comprar as nossas ações”
A razão pela qual os déficits dos EUA não já levaram a uma grande queda do dólar é por que países como China, Japão e Coréia do Sul, que têm um grande superávit no comércio com os EUA, estiveram preparados para cobrir os buracos, usando seu superávit para comprar dólares e títulos americanos. Na verdade, este é um jeito desses países tentarem sustentar seu principal mercado e, também, evitar que as enormes reservas de dólares percam seu valor. No primeiro trimestre desse ano, as reservas internacionais do mundo somaram 5,3 trilhões de dólares, segundo o FMI, um aumento de 20% só em 2006. A metade dessas reservas está na China (1,3 trilhões de dólares), Japão (914 bilhões) e Rússia (406 bilhões).
Mas existe também um outro tipo de reserva estatal, os “fundos soberanos”. Se as reservas internacionais são acumuladas em moeda estrangeira e títulos de governos (com baixa, mas segura, renda), os fundos soberanos aplicam em investimentos de maior risco e rendimento: ações, títulos corporativos, imóveis e investimento estrangeiro direto (FDI). Hoje os fundos soberanos totalizam 2,5 trilhões de dólares. Os maiores fundos se encontram nos Emirados Árabes (875 bilhões de dólares), Cingapura (430 bilhões), Noruega (315 bilhões), Arábia Saudita (300 bilhões) e China (300 bilhões).
Segundo um analista da Morgan Stanley, Stephan Jen, em 2011 os fundos soberanos ultrapassarão as reservas internacionais. Estes fundos começam a preocupar os capitalistas dos EUA que vêem sua posição ameaçada. O colunista Sebastian Mallaby do Washington Post (25/06) escreveu um artigo com o título: “O próximo retrocesso da globalização – Esperem até que o Kremlim comece a comprar nossas ações”.
A administração Bush está pressionando o FMI e o Banco Mundial para examinarem o comportamento dos fundos. Esses fundos já fizeram várias compras de alto perfil. A China comprou recentemente 10% do fundo norte-americano de investimento Blackstone (que por sua vez comprou parte da Deutsche Telekom, a maior empresa de telecominicações da Europa). China e Singapura compraram parte do Barclays Bank (Reino Unido). Na Alemanha, a compra de oleodutos e infra-estrutura energética pela Rússia provocou inquietação. A tentativa de Dubai de assumir a administração de vários portos nos EUA e quando uma petrolífera do governo chinês tentou comprar a petrolífera estadunidense Unocal (abril 2005) causou repúdio e é um episódio que não foi concluído.
Saída do sistema? Mais crise!
Mesmo que a atual turbulência pudesse se acalmar por um certo período, está evidente que a economia mundial passa por um ponto de inflexão. O período de créditos baratos, que proporcionaram o crescimento mundial no mundo desde 2001, está chegando ao fim. É possível que as grandes potências econômicas tentem manter o crescimento por mais um período usando as suas reservas. Mas isso só vai agravar os desequilíbrios.
A única “solução” ao excesso de capital e capacidade de produção que o capitalismo conhece é a crise econômica, com uma massiva destruição de capital. Que dizer, fechamento de fábricas, locais de trabalhos, demissões em massa e miséria para os trabalhadores do mundo.
Existe um outro fator importante por trás do aumento da exploração dos trabalhadores no mundo. Desde o colapso do stalinismo e o processo de re-introdução do capitalismo na China, centenas de milhões de trabalhadores se incorporaram ao mercado mundial, na China, na Índia, na Rússia e no Leste Europeu. Os capitalistas usaram isso para aumentar a exploração, mudando a produção para países onde o custo da mão de obra é muito baixo e a classe trabalhadora não é organizada. Isso, por sua vez, foi usado para pressionar os trabalhadores nos países ricos a aceitar piores condições e salários mais baixos. Dessa maneira os lucros foram recuperados, ainda que temporariamente, já que o poder aquisitivo da classe trabalhadora no Ocidente está sendo reduzido.
Mas a classe trabalhadora da China e outros países não aceitará ser super-explorada para sempre. Na China já acontecem dezenas de milhares de atos de protestos, desde pequenas greves até batalhas com a polícia envolvendo dezenas de milhares de pessoas. Ainda falta bastante para os trabalhadores da China conseguirem construir organizações poderosas que podem desafiar a ditadura burocrática que governa o país e a exploração capitalista crescente. Mas quando isso acontecer, junto com um futuro levante dos trabalhadores dos EUA, vamos vivenciar uma força capaz de acabar com o capitalismo do mundo, se ela também buscar uma alternativa socialista.
A única alternativa para os trabalhadores do mundo é lutar contra esse sistema explorador e caótico, lutar por uma sociedade socialista, onde a produção é feita de acordo com as necessidades do povo e não para os lucros de uma pequena elite.