Como combater a crise econômica – Crise capitalista, consciência das massas e um programa socialista
Como a classe trabalhadora pode combater os efeitos da pior crise econômica desde os anos 30? Demissões em massa já são uma característica dos principais países capitalistas e em todo o mundo. Os patrões e seus governos estão na ofensiva para fazer a classe trabalhadora, e grandes setores das classes médias, pagar pela catástrofe que eles criaram.
O capitalismo mundial está em um beco sem saída e seus representantes sérios não vêem uma saída rápida. Faça as comparações; dos sombrios prognósticos para a economia de Alistair Darling, o ministro de finanças britânico – ‘os piores dos últimos 60 anos’ – a Ed Balls, ministro de educação no governo do Novo Trabalhismo, que diz que essa é a pior em 100 anos! A maioria dos comentaristas capitalistas agora concordam com nossa análise, de que no mínimo essa é a pior crise econômica desde a grande depressão dos anos 30 e pode até mesmo excedê-la.
Em certo sentido, essa crise é potencialmente até mesmo pior que aquela. O tamanho da globalização capitalista, que levou a esse crash, é muito mais amplo e profundo do que o que existia na chamada ‘era dourada’ antes de 1929. Por essa razão, já é a crise econômica mais internacionalizada e generalizada da história. Os EUA, a Europa Ocidental, Japão, Leste Europeu, Rússia, Ásia, Australásia e América Latina; todos foram pegos no redemoinho econômico. Este certamente se desenvolveu a uma velocidade e com uma severidade que excede até mesmo as fases iniciais da depressão dos anos 30.
A crise de então começou nas bolsas de valores, espalhando-se para o setor financeiro e, inexoravelmente, para a chamada ‘economia real’. A crise de hoje foi acionada pelo derretimento financeiro, se espalhou para a indústria, e agora se volta para o setor financeiro. Mas os efeitos totais de 1929 foram sentidos apenas com o tempo – no caso da França, dois ou três anos depois – enquanto essa crise atacou com uma velocidade e severidade que aterrorizou, se não desmoralizou, os representantes do capitalismo mundial. O que levou três anos em 1929 pode agora se desdobrar em um ano.
Essa crise é marcada pela superprodução; um excesso de bens, que os patrões estão tentando resolver através do desemprego em massa da classe trabalhadora. Mas também está levando à ‘superprodução’ mesmo entre setores da classe média, que estão sendo tirados dos locais de trabalho ao lado dos trabalhadores. Em outras palavras, a proletarização das camadas intermediárias, uma característica do capitalismo mesmo durante o boom, está dando um salto qualitativo. Isso por sua vez mina as reservas sociais do capitalismo.
Capitulação das organizações operárias
Os capitalistas estão tremendo com as conseqüências sociais das implosões econômicas a vir. Seu único consolo é que eles não enfrentam nenhum desafio organizado da classe trabalhadora, por causa da decapitação política das antigas organizações operárias, nas mãos de líderes como Tony Blair na Grã-Bretanha e seus primos social-democratas na Europa e outros lugares. Eles passaram de malas e cuias para o lado da burguesia após o colapso do stalinismo e o tsunami ideológico pró-capitalista que o seguiu. O resultado é que a massa da classe trabalhadora está politicamente desarmada diante do maior desafio a seus direitos e condições duramente conquistados em gerações.
Sem direção e organização, quando os capitalistas usaram o disfarce da crise para pôr as garras de fora, a raiva de massas extravasou-se espontaneamente tanto nas fábricas quanto nas ruas. Isso aconteceu na Irlanda, à medida que o governo procurava eliminar os benefícios de saúde pára os idosos. Foi seguido por protestos raivosos, incluindo ocupações ou ameaças disso em Waterford Crystal e Dell, já que o brutal capital fechava fábricas inteiras com tanta facilidade como fechar uma caixa de fósforo. As mesmas cenas ultrajantes foram vistas no fim do turno de fim de semana na fábrica de Mini da BMW em Cowley, Oxford, que provocou protestos sem precedentes, incluindo lutas corporais entre trabalhadores e supervisores. Contudo, para essa revolta elementar da classe trabalhadora levar a um movimento duradouro, exige-se um programa claro, incluindo slogans combativos, e organização.
A capitulação, que também é dos líderes sindicais, realmente ajudou a reforçar a brutal imposição das políticas neoliberais sobre a classe trabalhadora e os pobres no mundo todo. A burguesia, não mais forçada a olhar por sobre seus ombros para uma classe trabalhadora organizada ou temerosa de uma revolta do movimento operário, não teve restrições na sua corrida louca em direção ao capitalismo desregulamentado. Os antigos líderes das organizações operárias provaram ser uma quinta roda na carroça do neoliberalismo. A completa pusilanimidade dos líderes sindicais é evidente na capitulação aos patrões e seus governos quando estes procuram descarregar a responsabilidade por essa crise sobre os ombros da classe trabalhadora e dos pobres.
As massas estão conscientes sobre quem é o responsável. Na Itália, os estudantes, um barômetro do que se desenvolve sob a superfície, cantaram nas manifestações: “Não vamos pagar por sua crise”. Que contraste com a atitude rastejante dos líderes sindicais enquanto as fábricas são fechadas e tudo o que ouvimos das cúpulas do movimento operário é a necessidade de “dividir os sacrifícios”. Leon Trotsky escreveu nos anos 30 que a crise que enfrenta a classe trabalhadora, de fato toda a humanidade, resumia-se na crise da direção das organizações operárias. A diferença hoje, contudo, é que enfrentamos não apenas uma crise de direção, mas também de organização, ou da falta dela, para a classe trabalhadora, além também de um programa claro.
Nunca na história o abismo – as ‘tesouras’ – entre a situação objetiva do capitalismo em crise e a perspectiva da classe trabalhadora, sua ausência de organização, especialmente de partidos políticos de massas, foi tão evidente. Dadas a avalanche incansável de propaganda, a realidade dos 30 anos de políticas neoliberais e a ausência de uma alternativa política e econômica, é inevitável que ainda haja, apesar da severidade da crise, um consentimento residual ao “mercado”, mesmo entre a classe trabalhadora. Muitos estão aturdidos pelo colapso econômico. Há até mesmo uma vagarosa opinião entre muitos trabalhadores de que a crise atual é temporária, que terminará até o fim do próximo ano, no máximo, e que depois voltaremos às ensolaradas montanhas econômicas.
Perspectiva econômica desoladora
Essas ilusões são alimentadas pela imprensa ‘popular’ e por uma ala dos economistas e comentaristas burgueses. Contudo, outro setor tirou a conclusão de que desta vez a festa realmente acabou. Por exemplo, Sean O’Grady, do The Independent, declarou secamente em janeiro: “O desemprego alto veio para ficar”. Na grande depressão dos EUA, o desemprego não voltou a seus níveis de 1929 senão até 1943, quando a economia dos EUA foi tirada do lodo econômico pela devastadora 2ª Guerra Mundial. Isso coloca em perspectiva os esforços do governo Obama que procura lutar com a avalanche dos cortes e demissões, que estão subindo a 600.000 por mês. O desemprego nos EUA e Grã-Bretanha pode chegar a 10% da força de trabalho no próximo ano ou mais, cujos efeitos no contexto moderno são análogos aos de uma depressão.
A posição é ainda pior em outras partes do mundo, paradoxalmente, especialmente em partes da Europa que supostamente estariam imunes. Os pronunciamentos do Banco Central Europeu de que a eurozona escaparia dos piores efeitos do vírus que emana da economia dos EUA viraram pó. O continente uniu-se à implosão geral do capitalismo mundial, assim como o Japão. As últimas previsões para este último são de que o produto interno bruto poderia cair em quase 10%. A grande máquina voltada para a exportação do Japão está parando, caindo em 3,3% nos últimos três meses de 2008, uma taxa anual de 12,7%. Ao ele se uniu a Alemanha, o motor econômico da Europa, enquanto as potências menores do continente – Irlanda, Espanha, Itália, Grécia, Portugal e Grã-Bretanha – arriscam-se a seguir a Islândia na bancarrota nacional.
Para as massas, é como se em um dia houvesse um dia quente e ensolarado em um dia e um inverno desolador e escuro no outro, sem a transição do outono. O destino na Espanha, que, junto com a Irlanda, foi ainda mais longe numa orgia de boom habitacional e de construção abastecida com endividamentos, é resumido pela história de Zaragoza, retratada no Observer em fevereiro. O colapso do boom de construção significa que o desemprego disparou na cidade, em cerca de 75% em um ano. A Espanha poderia ver o desemprego crescer rapidamente dos já inaceitáveis 14% (3,3 milhões de trabalhadores) para 20% no fim deste ano. A classe trabalhadora está furiosa por carregar esse fardo, com manifestantes saindo às ruas em dezenas de milhares exigindo ‘Greve! Greve! Greve!’
A Espanha é apenas um exemplo do que poderia acontecer em vários países, incluindo a Grã-Bretanha, que com o tempo provocará explosões revolucionárias. Se uma direção consciente não for dada, então podem acontecer motins, com um setor dos jovens até mesmo sendo possivelmente seduzidos para tomar o caminho do terrorismo, que é um completo beco sem saída. Os eventos explosivos na Grécia revelaram que sentimentos anarquistas e terroristas entre um pequeno setor seriam evidentes em uma certa etapa. A ação de massas, livre da influência paralisante dos líderes oportunistas, é a única saída.
Greve da refinaria de petróleo britânica: confusão e clareza
Uma expressão da indignação estava contida mesmo na eclosão de greves vindas de baixo dos trabalhadores de construção nas refinarias de petróleo e usinas de energia na Grã-Bretanha. Este foi um laboratório para medir a consciência da classe trabalhadora e como as diferentes tendências políticas a confrontam. Dada a noite negra do neoliberalismo, seria inteiramente utópico não esperar que elementos de nacionalismo e mesmo de racismo estivessem presentes na consciência de alguns trabalhadores, em alguns exemplos talvez da maioria. Isso, contudo, não foi o caso nesta disputa, como demonstramos em nosso jornal, The Socialist. Foi, na essência, uma greve contra a “corrida para o fundo do poço” capitalista para impor níveis de trabalho escravo, orquestrada pelos patrões a uma escala européia através da legislação anti-classe trabalhadora, a Diretiva Européia de Destacamento de Trabalho, e da própria União Européia.
Isso nas mentes de alguns trabalhadores pendeu para o nacionalismo, expressado pelo “Empregos britânicos para trabalhadores britânicos”, cunhado originalmente pelo primeiro-ministro Gordon Brown, em um discurso no Congresso do Novo Trabalhismo, numa tentativa de flanquear o ultra-direitista Partido Nacional Britânico (BNP). Sem orientação clara da direção, tal reação inicial dos trabalhadores, não apenas na Grã-Bretanha mas em qualquer lugar, não é surpresa. Mas esse foi uma característica menor da greve, e logo foi superada pela intervenção dos socialistas mais conscientes, especialmente do Partido Socialista, que lutaram pelos mesmos salários, direitos e condições para os trabalhadores imigrantes. Na revolução russa, o estado-maior geral czarista temia a presença de um só bolchevique, que podia agir como um “cristal numa solução saturada”, como disse Trotsky, capaz, numa atmosfera aquecida, de arrastar a maioria para seu lado. Testemunhamos algo similar nesta greve, com os socialistas e marxistas, alguns do Partido Socialista, superando completamente quaisquer elementos de nacionalismo ou racismo. Clara solidariedade foi expressada com os trabalhadores imigrantes, incluindo a impressão de um panfleto em italiano e uma demanda resoluta para que todos os trabalhadores recebessem o mesmo salário.
Previsivelmente, alguns grupos ultra-esquerdistas, sem uma presença real ou mesmo um ouvido nos sentimentos reais dos trabalhadores desta greve, tomaram uma posição completamente falsa. O Socialist Workers Party (SWP), por exemplo, concentrou-se na crítica enfatizando o “Empregos britânicos para trabalhadores britânicos” como a principal característica da greve, deixando de lado o fato de que os membros do BNP que apareceram na linha do piquete foram expulsos pelos trabalhadores. Além disso, a greve conseguiu de forma magnífica um elemento de controle dos trabalhadores e envolvimento sindical na contratação de novos empregos. É claro, uma andorinha não faz verão, mas os trabalhadores nesta indústria e em outras têm agora um exemplo vívido de como lutar em defesa de seus padrões de vida e, ao mesmo tempo, superar divisões nacionais ou raciais em uma situação complicada e assegurar de fato uma vitória para a classe trabalhadora.
Após a greve, o serviço de ‘conciliação’ ACAS concluiu que os trabalhadores estrangeiros não recebiam salários menores que os britânicos. Isso não é verdade, mas o que se esquece inteiramente é que trabalhadores formalmente contratados podem algumas vezes receber formalmente o mesmo que os trabalhadores ‘domésticos’ ou permanentes em seus salários mensais ou semanais. Mas eles não recebem pagamento por interrupções, férias ou as despesas gerais que os patrões mundialmente estão tentando eliminar como um meio de aumentar seus lucros. O mesmo se aplica a essa disputa. Isso foi ocultado pelo ACAS e ignorado pelos funcionários sindicais profissionalizados, que não se cobriram exatamente de glória enquanto a greve continuava, preocupando-se em se distanciarem da ação não-oficial que poderia ser quebrada pelas draconianas leis anti-sindicais da Grã-Bretanha. Essa disputa enfatizou primariamente o resultado positivo e viu os traços secundários do nacionalismo varridos de lado por uma combinação da experiência dos trabalhadores em luta e a intervenção dos socialistas e marxistas.
A maioria dos grupos de ultra-esquerda não tem idéia de como um movimento de massas evoluirá, especialmente dado o caráter do último período. Ele não virá de um modo perfeitamente acabado, mas sim, como Oliver Cromwell descreveu a si mesmo, com ‘verrugas e tudo”. Se esses ultra-esquerdistas estivessem presentes no início da revolução russa de 1905, seu ponto de partida seria, sem dúvida, condenar o Padre Gapon, o padre que liderou inicialmente as massas na primeira manifestação sob a bandeira czarista, com uma petição ao “Paizinho”, o czar. Ao contrário, de Vladimir Lenin, que exigia a participação no movimento e até discutiu e colaborou nas fases iniciais da revolução com Gapon, eles teriam exigido que o padre fosse removido da manifestação como uma pré-condição para sua participação! Como eles teriam reagido a James Larkin organizando manifestações de massas de trabalhadores católicos e protestantes em 1907, com bandeiras laranjas e verdes na luta comum contra os patrões?
Enquanto não fazem nenhuma concessão aos preconceitos raciais ou nacionais, é preciso que os socialistas, acima de tudo por causa do período que acabamos de passar, abordem a perspectiva política existente da classe trabalhadora de um modo cuidadoso. Não podemos nos dar ao luxo do sábio russo, que à pergunta “Como eu chego a Moscou?”, respondeu “Eu não começaria daqui se fosse você”. A classe trabalhadora, especialmente após um período de suposta paz social, nunca entra na luta totalmente formada, como Minerva da cabeça de Júpiter.
Amargo ódio de classe
Há uma raiva se acumulando dentro da classe trabalhadora, resumida pelo sentimento semi-insurrecionário na Grécia no ano passado, e as colossais greves anti-Sarkozy que convulsionaram a França em 29 de janeiro. Há não muito tempo, Nicolas Sarkozy zombava que, apesar de seus ataques aos trabalhadores e jovens francês, “onde estão as greves?” Ele recebeu sua resposta na revolta elementar mostrada por estas greves, que excederam de longe, em alcance e presença nas manifestações, o que foi antecipado mesmo pelos organizadores na direção sindical. Mais de dois milhões de trabalhadores inundaram as ruas das cidades francesas. Sarkozy, sentindo o sentimento explosivo subjacente antes das greves, imediatamente fez concessões aos secundaristas como um meio de bloquear o movimento. Isso não impediu que as greves acontecessem, que indicavam um ar de 1968.
Contudo, mesmo na França, que politicamente ainda é a vanguarda do movimento dos trabalhadores na Europa, há importantes diferenças na perspectiva da classe trabalhadora francesa entre 1968 e agora. Paradoxalmente, a situação econômica é muito pior para o capitalismo hoje do que era em 1968, quando a maior greve geral da história aconteceu contra o pano de fundo de um boom continuado. Então, havia uma ampla consciência socialista e mesmo revolucionária entre trabalhadores e estudantes. Com o que foi transpirado nas últimas três décadas, junto, como dissemos, com a capitulação dos líderes das organizações operárias ao capitalismo, o sentimento está muito atrás do que era em 1968. Há uma perspectiva mista e uma certa confusão política.
Sem dúvida, há um amargo ódio de classe generalizado em todos os países capitalistas avançados contra aqueles que são vistos como os principais autores da atual catástrofe econômica, isto é, os financistas e banqueiros. Processos semi-públicos ocorreram no parlamento britânico e no congresso dos EUA. A ira das massas na França expressou-se nas ruas mas, mesmo aqui, ela foi dirigida desde o início contra os banqueiros e a figura de Sarkozy, apesar de suas demagógicas tentativas de se separar dos banqueiros. Se mesmo na França ainda não há uma ampla consciência anti-capitalista, então este talvez é ainda menos o caso em outros países europeus.
Na Grécia, a situação é um tanto diferente, com elementos pronunciados de uma situação pré-revolucionária já presentes. Isso reflete-se na total bancarrota da burguesia grega e seu estado, o desespero da massa da classe trabalhadora e da juventude com suas condições de pobreza e sua disposição de lutar, como mostrados nas três greves gerais até agora. Também refletiu-se na completa incapacidade dos partidos oficiais do capitalismo – Nova Democracia e o ex-socialista PASOK – e a correspondente ascensão de um novo partido dos trabalhadores, o SYRIZA. Isso combina-se com o futuro econômico desolador que a Grécia enfrenta. Tão desesperadora é a situação que sua economia pode ter sua nota de risco rebaixada pela agência de classificação Moody’s, que pode levar a uma recusa dos investidores capitalistas de comprar títulos da dívida do governo. Isso poderia levar ao colapso econômico e, por sua vez, a Grécia poderia se ver deixando ou sendo expulsa da eurozona.
Isso poderia também pressagiar uma série de bancarrotas nacionais parciais ou mesmo nacionais, como testemunhado nos anos 30 na Europa e em regiões neocoloniais como a América Latina. À Grécia poderiam se unir muito facilmente a Espanha, Portugal e mesmo a Irlanda, se os investidores em títulosentrarem em greve e se recusarem a comprar títulos do governo. Face a essa situação, a classe dominante recorreria sem hesitar mesmo às medidas mais selvagens, atacando os salários e condições da classe trabalhadora. A classe trabalhadora nessa situação de capitalismo decadente é como um homem em uma escada rolante descendo e que corre freneticamente para cima apenas para manter sua posição.
Capitalismo desacreditado
Muito calma e ‘sobriamente’, os ideólogos do capitalismo debatem os méritos da deflação – queda dos preços, cortes na produção e desemprego em massa – versus a inflação – um aumento nos preços – como o melhor meio de preservar sua posição. Deflação e inflação são duas faces da mesma moeda capitalista, e a classe trabalhadora é chamada a pagá-la. Isso foi mostrado por um escritor no Financial Times, que calmamente declarou que as companhias se beneficiarão da inflação, porque uma parte das dividas desaparecerão, beneficiando as empresas com dívidas a juros fixos. De outro lado: “Inflação mais alta permite que mais companhias e trabalhadores concordem com cortes reais de salários do que seria o caso de outro modo. Isso é mais útil para as empresas que atualmente não são competitivas, e preferível para a sociedade [capitalista], pois cortes salariais são mais justos do que o desemprego”. Em outras palavras, a classe trabalhadora deve pagar, os lucros devem ser mantidos, se não aumentados, às custas da classe trabalhadora.
Claramente, o capitalismo, e com ele a classe trabalhadora, entraram em uma nova era brutal. A questão candente é como fechar o fosso entre a situação objetiva subjacente, de crise prolongada do capitalismo, e de fato uma série de crises, e como concretizar o slogan da juventude italiana: “Não iremos pagar por sua crise”. O que está envolvido aqui – como mostram as greves recentes nas refinarias britânicas e na explosão de raiva em Cowley com a demissão sumária de 850 trabalhadores com um prazo de uma hora – é a necessidade de um programa combativo. Obviamente, deve-se defender uma mudança geral do capitalismo ultrapassado para uma nova sociedade socialista.
Essa crise é a prova, se alguma era necessária, de que boom e crise, o ciclo econômico do capitalismo descrito por Karl Marx e assim ridicularizada pela esmagadora maioria da opinião ‘intelectual’ no período passado, reafirmou sua validade. A desigualdade não pode mais ser superada dentro da estrutura do capitalismo mais do que Canuto poderia fazer o mar recuar. A desigualdade é a essência do capitalismo, revelada claramente na relação entre os trabalhadores e os capitalistas. Como Marx apontou, os capitalistas compram a força de trabalho da classe trabalhadora para poderem explorá-la. A classe trabalhadora recebe de volta apenas uma parte do novo valor que criou, o resto sendo trabalho não pago, o lucro apropriado pelos capitalistas. A luta de classes, como Trotsky apontou, não é nada mais senão a luta pela divisão da mais-valia. Quanto mais se luta por essa mais-valia – especialmente quando os lucros estagnam ou caem, como é o caso agora – mais intensa é a luta de classes. O ponto de partida da classe trabalhadora nesta situação deve ser a determinação de resistir à ofensiva do capital, para defender todos os ganhos passados, antes de continuar para fazer novas conquistas.
Ao contrário do que argumentam os ideólogos burgueses, o capitalismo, especialmente em sua fase neoliberal, não é o melhor nem o mais eficiente veículo para maximizar a produção e distribuir produtos de forma eficiente para os povos do mundo. A idéia de que o capitalismo era um sistema sem imperfeições, não sujeito a rupturas abruptas, que prevaleceu especialmente após o colapso do Muro de Berlim, está agora totalmente desacreditada. Protegidos do olhar fixo da classe trabalhadora em sua imprensa “séria”, os defensores do capitalismo admitem isso: “Os conservadores… realmente acreditam no sistema capitalista. Qualquer um que entende o capitalismo sabe que ele está programado a falir de tempos em tempos. Os ensinamentos econômicos conservadores afirmam que recessões são como o inverno. Pode ser possível mitigar seus efeitos, mas é impossível mudar sua natureza”. (Peter Oborne, colunista político de direita para o Daily Mail.)
Uma abordagem transicional
Nenhuma menção de um futuro róseo: se o capitalismo quebrar, nós, a classe trabalhadora, devemos pagar. Essa é a essência do cenário de inverno tempestuoso de Oborne, um mundo em que o estado é o guarda-chuva para o capitalismo, enquanto os trabalhadores recebem uma enxurrada na forma de desemprego em massa. Não iremos pagar e devemos exigir um sistema inteiramente mais humano. O socialismo deve ser a política da classe trabalhadora. Até o Newsweek declarou: “Somos todos socialistas agora”. Infelizmente, esse ainda não é o caso para a esmagadora maioria das vitimas deste sistema, a classe trabalhadora e os pobres. Portanto, enquanto exigimos uma economia democrática e socialista planejada, como a idéia final no programa dos socialistas e marxistas, é preciso apresentar demandas combativas transitórias na atual situação.
Na social-democracia pré-1914, tal abordagem era considerada desnecessária. Seu programa foi dividido entre um programa máximo, a idéia do socialismo, e um programa mínimo do dia a dia. Isso mudou decisivamente com o início da 1ª Guerra Mundial, que levou às explosões revolucionárias na Rússia e às lutas de massas e ondas revolucionárias que explodiram após a revolução de 1917 por toda a Europa e o mundo. Nesta situação diferente, a luta por reformas básicas e mesmo a defesa dos ganhos passados, surgiam diretamente contra os limites do próprio sistema capitalista. Os bolcheviques, portanto, formularam um programa transitório como uma ponte – levando em conta as demandas do dia a dia da classe trabalhadora – do nível de consciência existente para a idéia da revolução socialista. Isso era necessário mesmo durante a revolução russa, por causa das perspectivas diferentes e em mudanças dos diferentes setores da classe trabalhadora. Isso foi resumido na maravilhosa brochura de Lenin, A catástrofe que nos ameaça e como evitá-la.
Seguindo os passos de Lenin, Trotsky formulou para a Quarta Internacional revolucionária o Programa de Transição: A agonia de morte do capitalismo e as tarefas da Quarta Internacional. Ele foi adotado em 1938, às vésperas do que Trotsky corretamente previu que seria uma devastadora guerra mundial. Desta conflagração surgiria uma onda revolucionária e o programa de transição e suas demandas poderiam jogar um papel chave neste processo. Ocorreu uma onda revolucionária, mas a social-democracia e o stalinismo interviram e salvaram o capitalismo na situação do pós-guerra. Isso por sua vez lançou as pré-condições políticas para o boom, o espetacular fogo-de-artifício econômico, que se desenvolveu entre 1950 e 1975. Conseqüentemente, as idéias de Trotsky, que foram moldadas para uma época revolucionária, nunca foram totalmente implementadas neste período.
Alguns, como o SWP (Partido Socialista dos Trabalhadores, a Grã Bretanha), por isso jogaram fora tanto o programa de transição quanto a abordagem transicional. Defendemos o método de Trotsky, mas reconhecemos que era preciso modificar algumas das demandas nas condições diferentes que o boom representava. A situação atual que enfrenta o movimento dos trabalhadores na Grã-Bretanha, Europa e em todo o globo, contudo, significam que essa abordagem, se não todas as demandas de 1938, é vital agora na luta atual. De fato, ela é mais relevante agora do que quando foi escrita em 1938, pois as condições que se desenvolvem são semelhantes ao daquele período. Trotsky exigiu, por exemplo, “trabalho ou manutenção plena” nas garras de um desemprego em massa endêmico. Exigimos hoje “trabalho útil, ou um rendimento decente”. A classe trabalhadora recusa-se a carregar o fardo dessa crise. Que os patrões paguem! Se não podem garantir uma existência máxima para a classe trabalhadora, não podemos suportar seu sistema!
Nacionalização
Também é necessário neste período explosivo se dedicar às demandas parciais da classe trabalhadora, tanto a nível dos salários e condições, mas também que envolvem a ação ou inação governamental. Um caso candente é a raiva acumulada dirigida contra os bancos, não apenas os vigaristas que foram pegos, como Bernard Madoff e Allen Stanford, mas toda a fraternidade que faliram sua própria indústria e ameaçam arrastar toda a sociedade, incluindo a classe trabalhadora, para o abismo. Eles permitiram que o estado intervisse e os resgatasse através de empréstimos massivos. Mas o derrotado candidato presidencial republicano de direita John McCain está longe de ser grato. Ele descreveu o aumento na dívida estatal como um “roubo geracional”. Mas não foi seu guru, o antigo vice-presidente de direita Dick Cheney, que declarou que “Reagan provou que os déficits [do governo dos EUA] não importam”? Isso ainda não impediu McCain, junto com outros republicanos, de considerar a plena nacionalização dos bancos.
Os políticos capitalistas podem aceitar o resgate estatal, enquanto este correr completamente em linhas capitalistas e com a perspectiva de retorno das indústrias “nacionalizadas” no futuro aos mesmos interesses privados que os arruinaram em primeiro lugar. Alguns comentaristas na Grã-Bretanha consideram que os bancos poderiam ser nacionalizados e continuarem no setor estatal por talvez nove anos.
A hipocrisia de McCain e sua tocante preocupação pelas futuras gerações são desmentidas pelo gasto colossal na guerra do Iraque, provavelmente $3 trilhões no total, que ele apoiou até o fim. A corrupção de Madoff não é nada perto do dinheiro que vai para o governo, vindo da indústria de construção “privatizada” para “reconstruir o Iraque”. Patrick Cockburn comentou no Independent: “O verdadeiro saque do Iraque depois da invasão veio dos oficiais dos EUA, e não das favelas de Bagdá”. Em um caso, auditores trabalhando para o governo disseram “que $57,8 milhões foram enviados em ‘pilha após pilha de cédulas de centenas de dólares’ para o comandando dos EUA para o centro-sul do Iraque… que fotografou a si mesmo em pé sobre um monte de dinheiro”. Embora a extensão da roubalheira provavelmente nunca seja conhecida, cerca de 125 bilhões de dólares simplesmente desapareceram. Esse é apenas um exemplo do modo como os capitalistas, não apenas os dos EUA, mas de todo o mundo, usam o estado como um colossal fonte de riquezas.
A demanda, na Grã-Bretanha e nos EUA em particular, não é de resgates para os banqueiros, mas para as classes trabalhadora e média. Mesmo a demanda pela nacionalização - por ser dirigida para os banqueiros que são vistos como os responsáveis pela bagunça e que tanto Obama quanto Brown podem ser obrigados a implementar apesar de ser impalatável a eles – não é tão popular quanto nos períodos anteriores. Isso por causa da experiência da nacionalização parcial na Grã-Bretanha e de fato nos EUA que alienou a opinião pública. As direções destas companhias parcialmente nacionalizadas continuam irremediavelmente capitalistas em caráter. Não houve celebrações iguais às que saudaram a tomada das minas em 1948 pelo governo Trabalhista da época, com o tremular de bandeiras vermelhas e grandes esperanças para o futuro da classe trabalhadora. Isso porque, por exemplo, a tomada estatal do Northern Rock foi marcada com o aumento das tomadas de casas, a demissão de 4.000 trabalhadores e, em último caso, pródigos bônus para alguns da turminha capitalista que continuou em seus cargos neste banco. Essa é uma forma de capitalismo de estado, não um passo na direção do socialismo, como defendido mesmo por socialistas reformistas do Partido Trabalhista no passado, quando era um partido operário na base.
A necessidade de planejamento democrático
De outro lado, o “mercado” não oferece alternativa. Na Grã-Bretanha em 1999, por exemplo, dois terços dos empregos criados não foram no muito louvado setor privado “empreendedor”, mas no setor estatal. Isso em si é uma confissão da bancarrota do capitalismo. Além disso, as estruturas da indústria privada não de nenhuma maneira um exemplo da “meritocracia” amada dos defensores do mercado. De fato, tão convulsivos foram os efeitos da crise que mais e mais escritores capitalistas revelaram o caráter real das condições e gestão que são uma parte intrínseca do neoliberalismo. Por exemplo, Simon Caulkin do Observer compara a estrutura dos grandes negócios – incluindo a British Telecom, a quem o governo, como foi vazado, tinha planos de contingência para renacionalizar no caso de seu colapso – mais a uma imagem espelhada do stalinismo do que a um quadro gracioso de uma empresa capitalista ideal. Eles são, de acordo com ele, “como zumbis em sua similaridade estrutural e estratégica” com o stalinismo.
Rudemente, ele declara sobre a gestão: “Com suas faces para [o presidente da empresa] e seus traseiros para o cliente”, a maioria dos diretores estão mais preocupados com as metas de lucros do que em produzir um produto bom. A corporação mais eficiente e convencionalmente administrada do mundo, a General Electric, “gasta 40% – isto é, $60 bilhões – de suas receitas em administração e despesas gerais… Os diretores das grandes corporações ocidentais têm muito mais em comum com os apparatchiks das economias dirigidas do que se reconhece”. Como seria muito mais barato e eficiente tomar essas empresas, estabelecer um sistema de controle e gestão dos trabalhadores e instalar uma economia socialista planejada!
O artigo de Caulkin é tanto uma concessão aos argumentos de Marx de que a gestão interna de uma fábrica capitalista – Marx falava sobre as condições do século 19 – era um exemplo de planejamento. O sistema fabril, disse Marx, aplicado à economia e ao mundo como um todo, representaria um planejamento socialista democrático através da eliminação do mercado. Agora, ironicamente, as grandes corporações – monopólios – possuem uma pesada burocracia nas linhas da antiga União Soviética. A solução não está com o stalinismo ou com o “mercado” capitalista, mas com o planejamento socialista democrático. Isso exige a abertura dos livros para inspeção por representantes dos sindicatos e das organizações dos trabalhadores, pequenos homens de negócios etc, para que os trabalhadores se informem sobre qual é a verdadeira situação, como um passo preparatório para realizar tal plano.
Tapando o fosso
A necessidade de um programa transicional nesta era surge por causa da consciência contraditória da classe trabalhadora. Essa consciência será sacudida e transformada pela marcha dos eventos. Mas o desenvolvimento de uma consciência socialista completa, primeiro das camadas mais politicamente desenvolvidas e depois para a massa da classe trabalhadora, também pode ser enormemente facilitado por uma abordagem transicional e um programa transicional – adotando o método de Leon Trotsky atualizado e enriquecido pela experiência da própria classe trabalhadora em luta. Isso fornece a ponte entre a consciência da classe trabalhadora hoje para a idéia da mudança socialista. Os sectários não precisam de tal ponte porque eles não têm intenção de passar dos estudos em suas poltronas na periferia do movimento para se engajarem na classe trabalhadora e, junto com ele, ajudar a mudar a consciência e aumentar a disposição de lutar pelo socialismo.
Entramos em um período inteiramente novo para a classe trabalhadora da Grã-Bretanha, da Europa e de todo o mundo. Mesmo se Obama conseguir colocar uma almofada parcial sob o capitalismo dos EUA, e com isso do mundo, através de programas de estímulos – e isso não é nada certo – a situação que surgirá desta crise será inteiramente diferente daquela antes de sua eclosão. No melhor, a economia mundial experimentará um crescimento anêmico com a manutenção persistente do desemprego em massa. Isso, como tecido gorduroso no corpo, é sintoma de um organismo em declínio. O capitalismo, contudo, não desaparecerá da cena da história automaticamente. É preciso forjar uma poderosa arma de massas, o que será feito elevando-se o nível de compreensão da classe trabalhadora – ajudada por um programa de transição – que pode fornecer a arma que faça esse sistema falido dar lugar ao socialismo.
Sem tal abordagem, há o perigo de que não ficará imediatamente evidente para os trabalhadores, mesmo com a atual catástrofe econômica, qual é a alternativa viável. Na indústria de carros, por exemplo, onde os salários foram cortados devido a demissões em massa, há uma compreensão instintiva dos trabalhadores de que “não há mercado” para seus produtos atuais. Mas, com a alta técnica e habilidades existentes, custaria muito pouco converter a indústria de carros, com seu mercado enfrentando uma superprodução massiva, para a produção de bens úteis, incluindo veículos ambientalmente saudáveis, que são necessários urgentemente para a população mundial, no contexto de um sistema de transportes sustentável e ecologicamente saudável. Tal mudança na produção foi conseguida com a eclosão da 2ª Guerra Mundial, mas é francamente impossível com o caos do capitalismo hoje. Isso, contudo, coloca a demanda por uma sociedade socialista alternativa.
O fosso entre a situação objetiva cada vez pior e a consciência da classe trabalhadora será fechado no próximo período. Os eventos – e eventos explosivos – ajudarão a assegurar isso. Na beira de um abismo, a massa dos trabalhadores irá enfrentar o sistema capitalista – algumas vezes sem uma idéia clara do que pode ser posto em seu lugar. A jornada para uma consciência socialista e revolucionária, contudo, será reduzida consideravelmente, a dor será menor, se a classe trabalhadora abraçar o método de transição e um programa de transição ligando as lutas do dia a dia com a idéia do socialismo.
Que nenhum fardo da crise do capitalismo seja posto nas costas dos trabalhadores! Não ao desemprego em massa, especialmente a assustadora perspectiva de uma nova geração permanentemente na fila do desemprego. Nacionalizar os bancos, mas com formas democráticas e socialistas de organização, incluindo o envolvimento de representantes da classe trabalhadora, sindicatos, pequenos empresários etc. Um setor estatal socialista democrático irá por si mesmo colocar a questão de se ir mais além na nacionalização, abrangendo os setores chaves da economia. Neste caminho, é oferecida uma esperança aos trabalhadores contra o beco sem saída do capitalismo mundial estagnado e decadente.