Notas sobre o filme “O pequeno princípe” (2015)

O livro “Le petit Prince” (“O pequeno príncipe” no Brasil), de 1943, escrita pelo aristocrata francês Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944) – escritor, ilustrador e piloto de avião – pode ser considerada uma das mais belas obras literárias sobre relações humanas que tenha obtido um alcance tão notável (é o terceiro livro mais traduzido no mundo). O núcleo da história é em torno de um aviador perdido no deserto do Saara e o diálogo com uma misteriosa criança habitante de um asteroide chamada B-612. Esta criança relata suas viagens através de outros planetas, além de considerações sobre os adultos e como lidamos com as relações sociais próximas as nós, tudo num espectro filosófico e romântico sobre a vida.

Em adaptação ao livro, é lançado no ano de 2015 a animação que dá o mesmo nome a obra. Sob a direção do americano Mark Osborne (Kung Fu Panda e a série de animação Bob Esponja), o longa apresenta em sua narrativa uma mãe compulsiva em busca da sistematização de tarefas para sua filha, ainda criança. O objetivo de inseri-la num renomado colégio, a induz por construir um planejamento de tarefas engessadas, com muitas horas de estudo e a exclusão da prática do “brincar” ou ter acesso a relações sociais, algo que iria “prejudicar o seu futuro”. A vida da menina muda após estabelecer contato com o seu vizinho, um idoso malquisto pelos moradores do bairro classe média onde morava. O vizinho em questão é o protagonista da obra literária, que narra o encontro com o Pequeno Príncipe, história apresentada paralelamente no estilo stop-motion, o que enriquece plasticamente ainda mais o longa.

Um aspecto bastante interessante do filme é a ênfase que se dá à crítica a sociedade tecnocrata e burocratizada em que vivemos. O apreço pelos números em detrimento da essência é reforçado com a construção de um ambiente cinza, onde os indivíduos andam cabisbaixos e com pressa, diante da tensão de uma vida cronometrada. A alienação do trabalho é explorada no filme, principalmente quando apresenta um pequeno príncipe adulto, que, de forma desajeitada, procura se “adequar” a esse modelo de mundo, mas sempre é demitido por não se incorporar a lógica de exploração do trabalho pelo capital.

Detalhe para o empresário, representado na figura de um sujeito ambicioso acompanhado de seus sócios, incomodados com objetos que incitem a criação, a arte com seu papel libertador. Metaforicamente, a diluição destes objetos por este grupo é sua transformação em clipes de escritório, aspecto interessante que mais uma vez permeia a burocratização do modo de vida da humanidade. Porém, a parte mais chocante é a ânsia pela acumulação de bens do empresário que se apropria de todas as estrelas do céu. Há ainda adereços interessantes no filme, como o guarda que ao prender a menina – naquele contexto onde ser criança era considerado um crime – é aplaudido pela população, o que nos remete aos nossos tempos de espetacularização da barbárie.

A animação foge ao enredo do livro, que se limita a debater as relações sociais numa ótica genérica, e aprofunda a crítica da construção dessas relações em debate com nosso “mundo adulto” contemporâneo, do modo de produção de capitalista. Ao abordar uma discussão ético-política sobre essas relações, há o reconhecimento evidente da frase do escritor da obra que conduz o filme, onde ele afirma que “só se vêm bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos”. Afirmação que emerge a necessidade de transformação da nossa sociedade, determinada no atual contexto a ampliar o individualismo e sua fragmentação, hoje refletida no corroer de caráter, assim como o abandono de sentimento de solidariedade e humanidade.

Diante disso, nos cabe uma reflexão, que um mundo novo é possível a partir do momento em nosso horizonte que estejamos propensos a construção de bons adultos, aqueles que não se distanciaram da responsabilidade de cuidar daquilo que cativam, ou seja, de relações sociais que transbordem a afetividade e tomem a solidariedade de classe.

Você pode gostar...