2005: Mais avanços que retrocessos para a esquerda

O ano de 2005 foi um marco para a esquerda brasileira. A perda definitiva do PT como instrumento para as lutas da classe trabalhadora, reconhecida agora por milhões e não apenas uma minoria de militantes, representa o fim de um ciclo histórico da esquerda em nosso país.

Depois de 2005 o PT continuará a ser um dos principais atores políticos do país, mas num marco completamente diferente. O PT continuará a disputar o voto dos trabalhadores e das amplas massas, mas isso não terá mais nada que ver com a luta por transformações sociais ou a representação política dos interesses imediatos e históricos dos trabalhadores.

O PT continuará como mais um partido da ordem que disputará com os outros a administração do aparelho de Estado burguês. Para isso, tentará mostrar que é mais eficiente que os demais.

Ainda utilizará alguns elementos da velha retórica “social”. Também utilizará seu aparelhamento burocrático dos sindicatos e movimentos sociais para tentar contê-los ao máximo. Desenvolverá políticas assistencialistas para manter um curral eleitoral despolitizado e ao mesmo tempo amenizar os terríveis impactos sociais de sua política neoliberal.

Na disputa eleitoral de 2006 pode acenar com mudanças econômicas pontuais e limitadas, uma diminuição mínima nos juros, uma gota a mais de investimentos diante do deserto atual. Pode também tentar reeditar elementos retóricos de uma pseudo polarização esquerda/direita.

Mas, na essência, o PT é hoje e continuará a ser um dos principais instrumentos de aplicação das políticas que interessam ao grande capital, com todas as suas implicações reacionárias.

Alternativa de esquerda

Reconhecer esse papel nefasto do PT e entender que não há como resgatá-lo já é um grande passo. Mas, muitos militantes, dirigentes ou intelectuais que ainda se reivindicam de esquerda recusam-se a aceitar isso. Acabam, como Emir Sader ou Marilena Chauí, de forma muitas vezes até ridícula quando não trágica, a dar um respaldo de “esquerda” a uma política que visa impedir a reconstrução e recomposição da esquerda autêntica. Uma reconstrução que só pode se dar por fora do PT.

Nenhuma das tendências da chamada esquerda petista representa hoje qualquer perspectiva de luta conseqüente capaz de reverter a situação do PT. Num processo que não é de hoje, acabaram adaptando-se à lógica dessa grande máquina eleitoral, onde a disputa do aparato se dá com métodos que nada tem a ver com a participação efetiva de militantes conscientes do que fazem.

O voto em Lula em 2006 é um voto numa das facetas do neoliberalismo em solo nacional e é, portanto, inaceitável. A derrota do neoliberalismo se dará na luta concreta dos trabalhadores e setores oprimidos da sociedade contra a direita tradicional, a aliança tucano-pefelista e sua periferia, mas também contra aqueles que representam o governo atual. Como parte dessa luta, apresentar uma candidatura de esquerda, classista, anti-neoliberal e anti-capitalista, contra a falsa polarização PSDB/PFL e PT é tarefa fundamental.

 

Fundo do poço?

Entre aqueles que corajosamente assumem a tarefa de reconstruir a esquerda brasileira também existe um importante debate sobre o balanço, as perspectivas e as tarefas que se colocam diante de nós.

É muito comum ouvirmos que a crise política de 2005 no Brasil representou a queda do nosso “muro de Berlim” com todos os seus efeitos e que estamos no fundo do poço.

A perda do PT para a classe trabalhadora não deixa de conter um forte elemento de derrota. Há elementos de desmoralização, ceticismo e confusão presentes entre amplos setores. Porém, esse processo de desmoralização e confusão começou muito antes, assim como o processo de degeneração do PT também vem de muito antes.

O verdadeiro muro de Berlim erguido pelo stalinismo caiu em 1989. O colapso dos regimes da antiga União Soviética e do Leste Europeu e a restauração do capitalismo em sua fase mais bruta e sórdida naqueles países abriu espaço para uma forte ofensiva ideológica, política, econômica e militar do grande capital.

Um dos aspectos da nova situação internacional foi o giro profundo à direita e até o aburguesamento dos antigos partidos e organizações tradicionais da classe trabalhadora. A direitização do PT, mais acentuada a partir do início da década de 90, foi parte desse processo.

Desde então, o que vemos é um processo de recomposição da esquerda e dos movimentos sociais. A correlação de forças internacional não é a mesma. O crescimento da resistência em todo o mundo é uma realidade.

Melhor que nos anos 90

Na América Latina, com todos os limites e contradições, levantes de massas, insurreições populares e tentativas de construção de alternativas são a marca fundamental do período. Para comprovar isso, basta comparar a década de 90, marcada pela força e relativa estabilidade de governos como o de Menem, FHC e Fujimori, e o período atual cheio de contradições, instabilidade, lutas e um grande espaço para a recomposição da esquerda.

O governo Bush enfrenta hoje sua pior situação desde sua contra-ofensiva a partir dos ataques de 11 de setembro de 2001. A invasão do Iraque se mostra um beco sem saída para o imperialismo e uma fonte de incontáveis problemas. Acumulam-se as contradições na economia tornando um cenário de crise aguda uma possibilidade cada vez menos improvável.

Vemos também a enorme instabilidade na Europa, melhor refletidos na rebelião dos jovens descendentes de imigrantes nos subúrbios franceses, assim como na vitória do ‘Não’ à constituição européia e também nas greves de massas naquele país.

Neste cenário é preciso ressaltar a verdadeira panela de pressão a ponto de estourar que a China representa, com centenas de milhões de trabalhadores vivendo em condições de super-exploração e que começam, aos poucos, a se mover. Quando esse gigante operário se levantar, as repercussões sobre a situação mundial serão fulminantes.

É claro que o imperialismo ainda mantém uma força decisiva, mas o grande espaço para as lutas dos oprimidos e explorados e a recomposição da esquerda socialista é o grande diferencial do momento atual em relação ao período imediatamente posterior à queda do “muro de Berlim”.

Colapso do PT e a reconstrução da esquerda

O esgotamento e a perda do PT que marcou para muitos o ano de 2005 precisa ser visto neste contexto. Não é algo repentino e abrupto, mas parte de um processo que vinha de muito antes. Num ritmo e com características muito diferentes de outros partidos surgidos da classe trabalhadora em outros países, a direitização e aburguesamento do PT marcou toda a década de 90.

A experiência com o governo Lula, em especial os acontecimento de 2005, serviram para que setores cada vez mais amplos entendessem o verdadeiro caráter do PT e passassem a buscar uma alternativa.

Mais do que um catastrófico cenário de derrota, 2005 foi o ano da ruptura progressiva de amplos setores com o PT e do fortalecimento da construção de uma alternativa de esquerda a esse partido, uma etapa necessária na recomposição da esquerda.

O fortalecimento do PSOL como projeto alternativo, ainda com todos os seus limites, é também parte desse avanço. Cabe a nós agora entender melhor os erros cometidos pelo PT em toda a sua trajetória e trabalhar para que o PSOL avance na direção de uma autêntica ferramenta de luta socialista para os trabalhadores e seus aliados na luta contra o capitalismo. O ano de 2006 será decisivo para isso. 

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