Crise política e luta no Chile
O Chile está vivendo um momento de efervescência política, causada pela crise econômica mundial e por escândalos de corrupção e falta de serviços públicos de qualidade. A desaceleração na economia da China afeta agora os países que exportam produtos primários, como o próprio Chile: a queda do preço de minérios preocupa o governo do país, responsável por 1/3 da produção mundial de cobre.
A presidenta Michele Bachelet foi atingida por um escândalo de corrupção que envolve seu filho, Sebastián Dávalos. Segundo reportagem da revista Qué Pasa, Sebastián e sua esposa conseguiram um empréstimo de US$10 milhões para a compra de um terreno, vendendo pouco tempo depois por US$5 milhões a mais. Eles são acusados de enriquecimento ilícito e uso de informação privilegiada. Por conta do caso, a popularidade da presidenta caiu para 29%.
Outro escândalo de corrupção foi revelado recentemente: é o Caso Penta, que já levou à prisão preventiva importantes empresários e políticos por sonegação e financiamento ilegal de campanhas. O caso ainda corre na justiça, mas já é considerado o maior esquema de corrupção da história do Chile. Esses dois escândalos envolvem os dois maiores conglomerados partidários do Chile: a “Nova Maioria” dos governistas e a “Aliança” da direita. Essa crise já gerou grandes manifestações. No dia 16 de abril, o movimento estudantil convocou uma grande marcha com o tema “que os corruptos não decidam o que o Chile necessita!”
Troca de ministros
Em maio, a presidenta Bachelet surpreendeu a todos ao solicitar a renúncia de todos os 23 ministros do Chile. Durante uma semana manteve segredo, gerando grande expectativa sobre quais ministros seriam mantidos e quais perderiam os cargos. O propósito era criar uma atmosfera de mudança e resgatar a sua popularidade. No final, Bachelet manteve 14 ministros. Mesmo assim, foi uma mudança drástica: a presidenta demitiu os ministros de Interior e da Fazenda.
O novo ministro da Fazenda, Rodrigo Valdés, trabalhou entre 2009 e 2012 no Fundo Monetário Internacional. Isso significa que, em vez de atender aos apelos populares por mudanças estruturais, a presidenta acena mais uma vez aos empresários. Já para ministro do Interior foi indicado Jorge Burgos, ex-ministro da Defesa. Com isso, o partido Democracia Cristã ficou com o principal cargo político do gabinete. Essas mudanças acabam por representar um processo de maior inclinação à direita no governo Bachelet.
Luta pela educação
A direitização do governo representa uma maior dificuldade em pautar grandes mudanças no sistema de educação do Chile, que é hoje majoritariamente privado. Muitos estudantes recebem subsídios do governo para pagar as mensalidades – dinheiro que vai direto para o bolso dos empresários da educação.
O governo defende uma reforma do sistema educacional que não atende às reivindicações do movimento estudantil. A principal bandeira dos estudantes é a defesa da educação 100% pública e gratuita.
O ensino superior é uma grande fonte de lucro para os capitalistas do Chile: mais da metade dos universitários se sustenta com o sistema de crédito estudantil. Os estudantes saem da faculdade com dívidas astronômicas, para as quais vão ter de trabalhar por anos ou até décadas para pagar.
Em 14 de maio, cerca de 150 mil pessoas marcharam na capital, Santiago, e mais 30 mil em outras cidades chilenas. Um forte aparato militar, incluindo blindados, dispersou os manifestantes com jatos d’água e gás lacrimogêneo.
No mesmo dia, na cidade de Valparaíso, os estudantes Diego Guzmán (24 anos) e Ezequiel Borborán (18 anos) foram assassinados por um comerciante durante um protesto. O assassino foi preso, mas os estudantes do Chile não vão esquecer que o discurso que criminaliza manifestantes e a defesa da propriedade privada também são responsáveis pelas mortes!
Em 21 de maio, durante o discurso de Bachelet em Valparaíso, os movimentos sociais também convocaram uma mobilização que contou com cerca de 10 mil pessoas. A repressão policial deu o tom à marcha: cerca de 40 pessoas foram detidas e três ficaram gravemente feridas. Um manifestante segue em coma induzido.
Os movimentos em luta não cederam à repressão. Todos os dias há alguma mobilização, desde grandes manifestações até a ocupação de escolas e universidades. No dia 28 de maio, uma nova manifestação contra a repressão foi a maior marcha dos últimos anos. Não se tem uma estimativa exata, mas é provável que chegue a 200 mil pessoas.
Entretanto, há fortes limites na atuação deste movimento. A falta de uma perspectiva clara pode enfraquecer as mobilizações no próximo período. É necessário que se entenda a necessidade de unificar as lutas dos estudantes com as lutas dos trabalhadores, mas, nesse sentido, a FECh e a CONFECh (Confederação dos Estudantes do Chile), não têm avançado. Ademais, a palavra de ordem contra a corrupção como principal mote do movimento tende a criar uma confusão entre os setores em luta. A corrupção é inerente ao capitalismo, portanto, sua superação vai se dar na medida em que suplantarmos o sistema de exploração do capital – e isso só vai ocorrer com unidade com os trabalhadores.
Movimentos de trabalhadores e a Reforma Trabalhista
A Central Unitária dos Trabalhadores do Chile (CUT) é um movimento sindical atrelado ao governo e que, por isso, não organiza a base para se defender e contra-atacar quando o governo realiza ataques aos trabalhadores. Atualmente, o que está em discussão é a Reforma Trabalhista.
Essa reforma representa um retrocesso ainda maior nos direitos dos trabalhadores. Ela não legaliza a negociação por ramo de atividade, uma das principais reivindicações dos trabalhadores. Além disso, ela estabelece que, durante uma greve, os sindicatos têm de garantir que o empresário não tenha prejuízo. Isso fere o princípio mais básico das greves, tirando dos trabalhadores o poder de negociação. Ainda há aumento de temas de negociação coletiva, que podem fazer os sindicatos negociarem diretamente com as empresas por salários abaixo do mínimo garantido por lei. E, com sindicatos pelegos, isso pode significar a perda de direitos.
Tudo isso pode gerar mobilizações de trabalhadores. O 1º de maio representou isso: a CUT viu, pela primeira vez em anos, o ato alternativo convocado pela esquerda igualar-se ao seu, ambos com cerca de dez mil pessoas.
O fortalecimento da luta dos trabalhadores deve não apenas se defender das reformas do governo, mas avançar em relação à garantia do direito de mobilização e greve. O governo não dará isso de mão beijada, portanto, é necessário organização da classe e enfrentamento!
Assembleia Constituinte
No discurso da presidenta em 21 de maio, ficou evidente que não há nenhuma intenção em convocar uma assembleia constituinte. As mudanças ficarão, portanto, a cargo das instituições desmoralizadas.
A atual constituição do Chile é fruto da ditadura econômico-militar de Pinochet, momento em que o Chile serviu de laboratório internacional para a aplicação do neoliberalismo. O governo pretende fazer reformas na constituição, mas não é possível fazer isso com uma constituição forjada na ditadura, pois sua base é antidemocrática. Da mesma forma, não se pode, sem espaços democráticos, redigir uma constituição que verdadeiramente corresponda aos anseios dos trabalhadores. O processo de formação da Lei Básica deve ser um amplo processo de discussão na sociedade – não pode, portanto, excluir sua maior parcela, os trabalhadores.
A classe trabalhadora do Chile precisa ter claro que nada nos será dado. Para derrotar o governo, são necessárias ações conjuntas de todos os setores em luta! Por isso, a Socialismo Revolucionário (SR), seção chilena do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores, está convocando trabalhadores e entidades de classe a ações concretas e massivas de desobediência civil que possam convergir em protestos nacionais até uma greve geral!
Apenas essa mobilização pode exigir o fim da institucionalidade herdada da ditadura e consolidada tanto pela “Aliança” quanto pela “Nova Maioria”. A unificação das mobilizações deve organizar um Encontro Nacional com todos os setores em luta, antecipado pela construção de comitês pela Assembleia Constituinte a nível local e regional. Além disso, os militantes da esquerda chilena têm de construir um novo referencial de esquerda, um partido que possa suprir o vazio político deixado pelas duas direitas!