PSOL: Entre avanços e riscos de retrocesso
As eleições de 2014 expressaram uma nova etapa da construção do PSOL e um significativo salto no que se refere a sua representação parlamentar. Luciana Genro obteve mais de 1,6 milhões de votos, 1,55%, praticamente dobrando os 0,86% obtidos pela campanha de 2010 liderada por Plínio de Arruda Sampaio. Saltamos de três para cinco a representação de parlamentares federais e, com novos seis parlamentares estaduais, totalizamos 12 em todo o território nacional. Contudo, todo este avanço obtido corre graves riscos se recuarmos em nos diferenciar do governo Dilma, nos transformando em bloco auxiliar do petisco.
O primeiro turno das eleições presidenciais possibilitou ao PSOL se apresentar como alternativa às candidaturas de Dilma, Aécio e Marina, propagandeando um programa claramente alternativo onde pautas polêmicas, como a legalização do aborto, das drogas e a criminalização da homofobia, foram colocadas para o debate de modo bastante claro. Assim como a crítica ao neoliberalismo, mostrando que as alianças e pactos com grandes empreiteiras, bancos e financiadoras das outras três candidaturas evidenciava que se tratava de mais do mesmo.
Destaque no Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte
Além de Luciana, também candidaturas a governador tiveram ótimo desempenho, como Tarcísio Mota no RJ e Robério Paulino no RN, que superaram os 8% dos votos com campanhas de franca diferenciação dos “Cabrais” e dos “coronéis”. No Rio de Janeiro, Marcelo Freixo foi o deputado estadual mais bem votado com 350 mil votos e Jean Wyllys saltou de 13 mil votos para 145 mil, sob uma pauta claramente em defesa dos direitos humanos e dos LGBTs.
Ignorando os dados acima colocados e de modo impressionista, alguns militantes e analistas, recorrem ao erro de identificar que estamos vivenciando uma ofensiva dos conservadores, um giro à direita. Esta leitura desconsidera o fato da esquerda mais combativa e as pautas progressistas terem assumido maior espaço no cenário nacional.
Outro dado importante para análise é a quantidade de votos nulos já no primeiro turno. O tucano Aécio chegou no segundo turno com 34,9 milhões de votos, enquanto que 38,9 milhões votaram branco, nulo ou se abstiveram. Dilma teve 43,3 milhões. Estes votos expressam um descontentamento ou descrença no sistema eleitoral e não devem ser contabilizados de modo direto e mecânico na conta dos conservadores.
Partimos de uma análise de que esta eleição expressou a grande polarização presente na sociedade entre setores mais conservadores de um lado e mais progressistas do outro. Polarização esta provocada pelas grandes manifestações iniciadas em junho de 2013, sendo o PSOL o partido que melhor conseguiu canalizar estas pautas defendidas pelas ruas nas jornadas de junho.
Erro não ter frente de esquerda
Outros partidos, como o PSTU e PCB, tiveram menos exposição e não foram reconhecidos como alternativas no processo eleitoral, não conseguiram representar e expressar mais coletivamente estas pautas. Foi um erro não ter tido uma frente de esquerda nacional nas eleições, pois esta unidade e experiência conjunta poderiam agora nos colocar um salto à frente na organização das lutas que virão.
Devemos ponderar o fato de que não é possível utilizar a mesma régua para medir as lutas, as ruas, e as eleições burguesas. Esta última impõe um limite colocado pela própria institucionalidade e as regras do jogo eleitoral burguês.
Contudo, a votação do PSOL, dos seus parlamentares e candidatos refletiu a nossa maior e melhor intervenção eleitoral, através da eleição de mais parlamentares, do aumento dos votos, obtidos pela defesa acertada de um programa capaz de nos diferenciar e nos colocar como alternativa ao PT, ao PSDB e a farsa da nova política orquestrada por Marina.
Segundo turno e os erros do PSOL
Esta eleição projetou o PSOL como um dos partidos com maior influência nos setores mais progressistas da sociedade. A nossa posição sobre o segundo turno foi muito esperada. A nota da Executiva Nacional, apesar de melhor que as anteriores, ainda apresentou limites: repudiou o voto em Aécio, denunciando as ilusões em Dilma, indicando à militância o voto nulo ou a perspectiva do mal menor, com o voto crítico em Dilma.
Chamar o voto nulo claramente, apontando que ganhe quem ganhar nossa tarefa é organizar a luta, desconstruindo a falsa polarização, teria sido a política mais acertada. A real possibilidade da vitória do PSDB causou uma comoção social, reforçada pela tese da suposta ofensiva conservadora na sociedade. Esta pressão social fez com que boa parte dos votos mais progressistas se voltasse à Dilma, como sendo um voto anti-PSDB, e o PSOL capitulou a esta pressão impressionista e ao discurso de ameaça fascista no Brasil.
Não se tratava de construir uma campanha pelo voto nulo, mas sim de focar na tarefa de organizar as lutas para o próximo período, já que os ataques evidentemente virão. Dialogar com o nível de consciência mais imediato daqueles que tem ilusão na Dilma, de modo não-sectário, não significa, necessariamente, capitular à política do mal menor e ao pragmatismo eleitoral. As diferenças existentes entre PT e PSDB não são suficientes para colocá-los como defensores de projetos distintos.
Esta capitulação levou parlamentares eleitos com grande expressão, como Marcelo Freixo e Jean Wyllys, a não apenas chamar voto na Dilma, mas como também participar da campanha, através dos comícios e programas de TV. O voto crítico se transformou em apoio ativo acrítico, levando estes a fazerem declarações que, na prática, descontruíram a diferenciação de projetos políticos do primeiro turno.
A gravidade destas ações se comparam com as eleições de 2010, quando Lula e Dilma aparecem no programa do nosso candidato a governador do Pará, Edmilson Rodrigues. Vale ressaltar que esta não-diferenciação de projetos contribuiu para a derrota de Edmilson.
A ação destes e outros parlamentares não foram legitimadas pela base do partido, que sequer foi consultada previamente. O descolamento destes camaradas de uma posição mais coletiva se refletiu na ultima plenária do RJ, que deliberou que os vídeos em apoio à Dilma nos programas do PT deveriam ser retirados do ar, evidenciando o descontentamento da base e as diferenças com as posições tocadas pelos parlamentares.
A posição tomada por estes camaradas corroboram para reforçar a ilusão de que o governo Dilma está em disputa. Trata-se de ilusão sem base objetiva, já que a mesma em nenhum momento se propôs a romper com a agenda neoliberal.
Tarefas e perspectivas: PSOL 2015
Apesar da vitória eleitoral do PSOL, os indícios de retrocesso já foram constatados neste segundo turno. A base do PSOL que, a exemplo do RJ, se colocou contrária ao apoio acrítico, necessita se organizar internamente para derrotar o setor do partido que ainda pode ter ilusões no lulismo e recolocar o PSOL nos trilhos da luta e da construção de uma alternativa ao PT e ao PSDB.
Com o crescimento parlamentar, a nova composição abre espaço para parlamentares estaduais e federais mais vinculados à esquerda do partido. Mas a ala direita também cresceu.
O cenário das disputas internas não é nada simples, mas conta com uma conjuntura claramente desfavorável para o governo Dilma. Os ataques a direitos, cortes orçamentários, reformas e privatizações podem fragilizar a possiblidade de manutenção deste discurso pró-Dilma.
PSOL precisa ser alternativa de poder
A posição que concretamente coloca o PSOL como colateral de esquerda do PT, se vitoriosa, significaria o fim do PSOL como alternativa de poder e de modelo de sociedade, um verdadeiro retrocesso às nossas conquistas. Neste cenário que se avizinha, o PSOL precisa estar mais do que nunca num lugar de destaque, capaz de ser identificado como alternativa ao projeto petista. O contrário levará a uma rendição do nosso projeto fundacional.
A votação no PSOL, assim como as abstenções e votos nulos, são indícios que reforçam o caminho das ruas e a organização das lutas como saída. A unidade da esquerda é condição para o fortalecimento e a vitória da luta dos trabalhadores, das trabalhadoras e da juventude, contribuindo para potencializar a desilusão no governo Dilma. Esta é a melhor e mais eficaz forma de superar o lulismo e derrotar a direita expressa pelo PSDB e seus aliados.
O PSOL, mais do que nunca, tem que trazer para as políticas concretas a palavra de ordem muito utilizada no Rio nessa campanha: só a luta muda a vida!