O ódio contra o nordeste é um ódio de classe

Passadas as eleições, com a derrota de Aécio Neves, explodiu nas redes sociais e mesmo em setores da imprensa uma onda de racismo e xenofobia contra as populações do Nordeste/Norte, por terem dado uma votação esmagadora a Dilma Rousseff, o que lhe garantiu uma vitória apertada. Em estados como São Paulo, Paraná e Santa Catarina, Aécio ganhou com folga.

Os argumentos, especialmente contra nordestinos, foram os mais agressivos possíveis, como “ignorantes”, “atrasados”, “burros”, “que votam porque recebem Bolsa Família” etc. A população do Nordeste, particularmente, se sentiu ofendida e as respostas em defesa de seus valores, de suas tradições, de sua contribuição ao país, foram imediatas e compreensíveis.

Divisão social

A eleição mostra um país antes e doravante extremamente dividido, não entre regiões, mas por um imenso muro de desigualdade social, em todo país. Muitos setores beneficiados pelos programas federais de transferência de renda viram em Aécio o risco de perder suas conquistas, ainda que enxerguem equivocadamente em Dilma e no PT a garantia das políticas sociais.

É verdade que o Nordeste e o Norte concentram a maior parte dos beneficiários do Bolsa Família, mas certamente grande parte da população mais pobre em todos os estados do país deve ter votado em Dilma por esse motivo. E não deixa de ser lícito e compreensível esse sentimento de defesa.

Setores elitizados e racistas

A derrota de Aécio impediu o retorno ao poder dos mesmos setores elitizados e racistas que aplicaram um neoliberalismo duro e implacável contra os trabalhadores. Não temos, porém, ilusões em Dilma, que também tinha entre seus aliados parte das elites conservadoras do país e também implementou políticas de cortes, retirada de direitos e privatizações.

O ódio de alguns setores liberais conservadores ou reacionários é contra qualquer tipo de intervenção estatal planejada na questão social. Mesmo que parte dessas políticas sociais tenha sido incorporada ao próprio receituário neoliberal proposto pelo FMI e Banco Mundial, visando atenuar a explosividade dos conflitos sociais. Para esses setores, não se admite qualquer regulamentação dos direitos trabalhistas, como no caso das domésticas, deixando os trabalhadores mais pobres entregues a sua própria sorte.

Além disso, os tucanos e seus aliados demonstraram-se tão corruptos quanto o PT. O voto em Aécio não tem, portanto, nada de “avançado”. Seria mudar para algo ainda pior. Nós propusemos uma mudança para frente, com Luciana Genro, não para trás.

Esse ódio é também contra as mobilizações sociais. São essas as pessoas que, hoje, pedem a criminalização dos movimentos sociais, taxados indiscriminadamente de baderneiros, depredadores do patrimônio e defendem, até mesmo, no caso de uma parcela, a volta da ditadura.

O “Nordeste” em cada favela

A fúria desses setores contra nordestinos que se viu nas redes sociais é na verdade um ódio de classe, contra a expressão e os direitos dos trabalhadores, da periferia, das favelas, de todo país. Até porque existem vários “Nordestes” dentro das maiores cidades brasileiras, incluindo as do sul e sudeste. Basta ver as favelas e a composição de categorias de trabalhadores como a dos garis do Rio de Janeiro, a favela de Heliópolis e a periferia de São Paulo, ou a população carcerária, em sua grande maioria negra.

Infelizmente, como decorrência das políticas equivocadas do PT, do Mensalão, da estagnação da mobilidade social da classe média baixa, fruto da desaceleração da economia, esses setores mais conservadores conseguiram temporariamente ganhar a maioria do setor flutuante da classe média e de parcela da própria classe trabalhadora mais pobre em alguns estados do sul e sudeste. A culpa disso é da adaptação do PT ao sistema político e econômico atual. Reconquistar esse setor será um grande desafio para a esquerda socialista, um desafio que o PT não tem como cumprir.

Nossa crítica aos programas como o Bolsa Família não é sua existência em si, como fazem alguns liberais reacionários, mas sua insuficiência e seu uso eleitoral e clientelista por parte das elites políticas locais, associadas ao governo federal.

É necessário políticas estruturais

A intervenção estatal de transferência de renda para as famílias mais pobres é uma conquista mesmo no capitalismo, que a direita reacionária e neoliberal quer acabar. Nós queremos não menos, mas mais Bolsas Famílias, com valores maiores dos benefícios, etc. Mas queremos também políticas estruturais de avanço social com mais e melhores escolas, hospitais e segurança públicos, ou seja, mais políticas públicas.

Atualmente, essas políticas são muito insuficientes em função das prioridades do PT ao pagamento da dívida pública e sua submissão ao mercado. Ao mesmo tempo, lutamos pelo fim do uso político desses programas.

O racismo contra o Nordeste é na verdade ódio de classe contra todos os trabalhadores brasileiros, contra sua população pobre, contra seus direitos, suas mobilizações, racismo que deve ser prontamente denunciado e enfrentado.

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