Todo apoio ao João Cândido! – Sem-tetos ocupam terreno em Itapecerica

 Zero hora do sábado, 17 de março. Centenas de sem-teto, organizados pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) entram em um terreno baldio em Itapecerica, na divisa com São Paulo. Militantes do Socialismo Revolucionário, PSOL, PSTU, APEOESP e outros movimentos participam em solidariedade com a ocupação nas primeiras horas críticas, quando o risco de despejo é grande e o acampamento ainda não está consolidado.

Felizmente a chuva tinha passado. Ela deixou poços de água e lama, mas também o chão mole, que facilitou a construção das primeiras barracas provisórias de bambu e lona preta. A única luz mais forte era da escola vizinha, que mantém as luzes acesas a noite inteira para facilitar a segurança. Uma professora que trabalhou nessa escola conta que estamos na “periferia da periferia” de Itapecerica. Quando o caminhão da merenda chega toda semana, tem sempre saques.

Quando as barracas estão erguidas os sem-teto se juntam, alguns cantando ao redor de fogueiras, outros conversando. As duas horas da manhã faço uma entrevista com Helena, uma das organizadoras do MTST.

“Nós trabalhamos em favelas, organizando famílias pobres. São muitos sem moradia digna. Eles moram em áreas precárias, ou pagam aluguel caro, tendo de tirar da boca, ou estão na situação tumultuada de ter de viver em casa de amigos.

Eles não tem como financiar uma casa. Você precisa ter três salários mínimos para entrar no financiamento público. Muitos têm o nome sujo.

Com ações diretas como essa reivindicamos moradia para todos. Não é fácil obter vitórias numa região metropolitana como São Paulo, onde a especulação de terrenos é forte. Muitas vezes o prefeito é o dono da terra. Mas podemos fazer a sociedade discutir o problema, e também conquistar vitórias, se estamos organizados.

Com a nossa ocupação anterior, Chico Mendes, conseguimos inserir as famílias num programa de baixa renda. As casas vão ser construídas via mutirões, com material subsidiado. Foi um exemplo de uma luta vitoriosa.”

Mais de 800 famílias participaram no Chico Mendes, que durou 8 meses e terminou em junho do ano passado. O MTST continua a organizar as famílias que participaram no Chico Mendes. A luta por educação, saúde, cultura, trabalho, infra-estrutura, etc, precisa continuar.

Eu pergunto a Helena por que esse terreno foi escolhido.

“A comunidade reclamava que esse terreno enorme não era utilizado. Ele foi de um frigorífico antes, que acabou acumulando muitas dívidas, não pagava imposto, e foi tomado pelo Banco do Brasil, que leiloou para um grande especulador. Nós queremos resgatar algo que deveria ser nosso. Esse terreno deveria ser público, já que foi expropriado por não pagamento de impostos, e teria que ser usado para o bem público, como moradia.”

Como vocês se organizam?

“Nós fazemos assembléias nas quais todos participam, mas também dividimos o acampamento em núcleos de 50 famílias. Organizamos atividades de educação, formação e cultura para as crianças e também para os adultos. É importante trabalhar para aumentar a consciência. Organizamos também mutirões de limpeza, trabalho com saúde, etc.

A situação dos moradores do acampamento é difícil, morando em barracas precárias. As pessoas dependem muito um do outro. Quando organizamos ciranda coletiva, farmácia, etc, as pessoas percebem que a solução é a organização popular. Usamos isso para discutir os problemas da sociedade e como resolvê-los.

Eu acho que isso é uma das melhores coisas de um acampamento, como as pessoas descobrem o seu poder, um poder que o povo não sabe que tem. Conseguimos fazer uma escola sem um centavo. As pessoas percebem o poder da solidariedade e isso não morre com um despejo. O poder do povo organizado e consciente.”

Quando o dia nasce se pode ver o tamanho do enorme terreno. Ele tem 1,2 milhões de metros quadrados – quinze vez mais que o Chico Mendes!

Depois da primeira assembléia os sem-teto começam a construir barracos mais estáveis e o primeiro barraco coletivo. “O coração de um acampamento é a cozinha”, diz Gabriel, um dos organizadores do MTST.

Desde cedo um carro de com começa a percorrer a vizinhança chamando mais sem-tetos a se juntar ao acampamento. Às sete e meia a polícia militar aparece pela primeira vez. Os policiais são saudados com palavras de ordem, que mostram que os ocupantes são organizados, conscientes e não vão ser despejados facilmente. Um advogado do MTST está preparado e o processo de negociações começa.

Uma nova assembléia decide que o acampamento vai se chamar “João Cândido”, em homenagem ao “Almirante Negro”, líder da Revolta da Chibata no Rio de Janeiro em 1910.

A polícia militar tenta barrar a entrada de pessoas e alimentos no acampamento, para impedir que ele se fortaleça. Mesmo assim o acampamento cresce chegando a mil pessoas depois de alguns dias. Uma tarefa importante agora é tornar o acampamento conhecido e dar todo apoio. Mensagens de apoio poder ser mandadas para mtst@riseup.net. O site do MTST é: www.mtst.info.

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