Trabalhadores desafiam Kirchner com greve geral na Argentina

No dia 10 de abril, as maiores cidades da Argentina amanheceram completamente paradas. Uma grande greve geral de 24 horas foi convocada pelos sindicatos contrários ao governo da presidente Cristina Kirchner. O objetivo: exigir melhores salários, aumentos para os aposentados e protestar contra a inflação e a onda de criminalidade que atingem o país. Cerca de um milhão de trabalhadores em toda a Argentina cruzaram os braços.

A adesão dos trabalhadores dos transporte foi fundamental para o sucesso do movimento. Motoristas de ônibus, caminhoneiros, maquinistas dos trens e metrô, controladores de vôo e funcionários dos aeroportos contribuíram para a mobilização ganhar força. Em Buenos Aires, as linhas de transporte público e até mesmo os vôos domésticos e internacionais foram suspensos.

Os trabalhadores da limpeza pública na capital também participaram da greve, assim como professores, servidores públicos e operários de diversas indústrias. Mais da metade dos estabelecimentos comerciais em cidades como Rosário, Mendoza e Santa Cruz não abriu as portas. Em outras cidades, como Santa Fé e San Juan, trabalhadores do setor de saúde também aderiram à greve.

Houve paralisação completa em fábricas como Pepsico, Kraft Foods (indústrias de alimentos), Ford e Volkswagen. Também houve a adesão total dos mais de dez mil trabalhadores do Pólo Industrial de Pilar, paralisando a produção de multinacionais como Unilever e Procter and Gamble.

Muitas estradas também foram fechadas em piquetes. Vários acessos à periferia da capital foram fechados por trabalhadores. Na Rodovia Panamericana, na Grande Buenos Aires, policiais e manifestantes se enfrentaram com balas de borracha e pedras. Pelo menos duas pessoas ficaram feridas.

A paralisação foi convocada por três das cinco grandes centrais sindicais da Argentina, depois que o governo tentou limitar os reajustes salariais discutidos nos acordos coletivos. Isso mesmo depois de a maior parte dos sindicatos já ter acertado com os trabalhadores aumentos em torno de 30%.

Divisão no movimento sindical

Segundo porta-vozes da Central Geral dos Trabalhadores, a adesão chegou a 98% em alguns setores. Entretanto, lideranças de outros sindicatos, como os bancários, não aderiram à greve. O Sindicato dos Empregados do Comércio também não participou.

O motivo é que a direção desses sindicatos é ligada ao Peronismo, o movimento político da presidente Cristina Kirchner. Esses líderes “pelegos” preferem proteger a imagem do governo, ao invés de lutar pelos direitos dos trabalhadores!

Mas, em diversos casos, os trabalhadores conseguiram passar por cima desses obstáculos. Na província de Buenos Aires, por exemplo, os funcionários da educação pública desobedeceram ao sindicato governista e aderiram à greve. O mesmo aconteceu com os sindicatos da indústria: em fábricas como a FATE, principal fabricante de pneus do país, os trabalhadores passaram por cima dos pelegos e até decidiram, em assembleia, estender a greve de 24 para 48 horas.

Os piquetes, que fecharam as estradas em mais de cinquenta pontos ao redor do país, também foram organizados fora das estrutura sindicais. Justamente por isso, em vários casos, os sindicatos governistas fizeram críticas abertas aos piquetes – ou seja, preferiram seguir o discurso do governo Kirchner ao invés de defender a greve geral.

Economia: de mal a pior

Na quarta-feira, um dia antes da greve geral, o Ministério do Trabalho publicou, nos principais jornais do país, um anúncio com o título “a maioria quer trabalhar”. Com esse anúncio, o governo tentou tirar a legitimidade da mobilização. Segundo a maior parte dos trabalhadores, entretanto, o governo argentino ignora a realidade o país.

Os trabalhadores que aderiram à greve reinvidicam reajustes dos salários e redução dos altos impostos, após a grande desvalorização do peso argentino: nos últimos doze meses, a moeda perdeu mais de 35% de seu valor perante o dólar. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a expectativa é de que a Argentina cresça apenas 0,5% em 2014.

A inflação, que chega a mais de 30% ao ano, come boa parte dos ganhos salariais dos trabalhadores. A retirada de subsídios do governo aumentou o preço do gás de cozinha em 500%, o da água em 406% e a tarifa do transporte público em 66%. O preço da conta de luz deve ser o próximo a subir. Com esses reajustes, o dinheiro do trabalhador diminui e a recessão econômica aumenta.

Além desses problemas econômicos, no fim de 2013, diversos blecautes atingiram Buenos Aires, revoltando ainda mais a população. Quase um milhão de pessoas foram afetadas. Também no final do ano, uma greve de policiais em várias províncias do país provocou uma onda de saques e aumento da criminalidade.

De acordo com uma pesquisa da Universidade Católica Argentina, 25% da população está em situação de pobreza, o que representa 10 milhões de pessoas num país com cerca de 40 milhões de habitantes. Como se isso não bastasse, o governo também prepara uma série de cortes nos gastos para 2015, o que trará graves consequências justamente para os trabalhadores pobres.

Como um reflexo deste novo momento, muitos jovens e trabalhadores buscam uma resposta socialista para os problemas do país, seja nas ruas ou nas urnas. A esquerda argentina conseguiu bons resultados nas últimas eleições parlamentares. A FIT – Frente de Esquerda e dos Trabalhadores, uma aliança entre o Partido Obrero, a Esquerda Socialista e o Partido dos Trabalhadores Socialistas, obteve cerca de 1,2 milhão de votos.

Kirchneristas apresentam projeto para proibir piquetes

Apenas no mês de março, segundo o instituto Diretório Político, houveram 658 manifestações que fecharam ruas em todo o país. Depois da greve do dia 10, deputados governistas apresentaram um projeto de lei para restringir o direito de manifestação dos trabalhadores.

Se for aprovada, a nova lei irá determinará que, para realizar um protesto, os manifestantes serão obrigados a notificar a polícia com 48 horas de antecedência. Caso contrário, as manifestações “ilegais” poderão ser dispersadas pelas forças de segurança.

A Argentina corre o sério risco de um colapso econômico e social. A soma de fatores como inflação alta, apagões, aumento da pobreza, alta do custo de vida e um governo alheio às necessidades dos trabalhadores podem levar milhões de argentinos às ruas, como ocorreu em 2001. E, como daquela vez, pode acontecer uma nova queda do governo federal.

Imediatamente, há a oportunidade para a realização de novos grandes atos e mobilizações unitárias, destacando inclusive a necessidade de continuar as lutas com novas paralisações de 36 e de 48 horas. Neste novo cenário, no qual a força das manifestações conseguiu pôr o governo na defensiva e onde a esquerda socialista ganha mais espaço, a unidade de todos os setores da classe trabalhadora se faz cada vez mais necessária para desenvolver e aprofundar a luta contra a política econômica de Cristina Kirchner.

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