A criminalização dos protestos é um projeto para além da Copa
Faz anos que vemos uma tendência de agravar a criminalização dos movimentos sociais. Apesar da propaganda dos governos Lula e Dilma do Brasil do “crescimento com justiça social”, os governantes e o aparato estatal como um todo, incluindo a polícia e o judiciário, vêm se preparando para mais conflitos sociais.
Os dados econômicos dos últimos anos confirmam que o período de crescimento da última década não era algo duradouro e que por isso devemos contar com uma nova leva de ataques aos direitos dos trabalhadores para garantir os lucros das grandes empresas, independente de quem ganhar as eleições.
Junho foi uma confirmação desse cenário. O aumento de consumo via crédito mais acessível e aumento do salário mínimo ajudou a criar a ilusão de que o país estava no rumo certo. Mas com o esgotamento do modelo de crescimento, as ilusões se chocaram com a situação de barbárie na sociedade: na educação, saúde, transporte, moradia, etc.
Ao se deparar com os protestos de junho e as manifestações contra a Copa, os governantes se preparam para um novo nível de confrontos sociais, como os que vemos ao redor do mundo no contexto da crise mundial do capitalismo, desde a Grécia, Espanha e Portugal, até Turquia, Tailândia, Ucrânia ou Venezuela.
Numa entrevista no dia 19 de fevereiro a presidente Dilma Rousseff afirmou que as Forças Armadas serão utilizadas, “se necessário”, para garantir a Copa. Isso está baseado numa portaria publicada pelo Ministério da Defesa em dezembro, que autoriza o uso das Forças Armadas contra “distúrbios”. A primeira versão da portaria listava tais distúrbios como “bloqueio de vias públicas, distúrbios urbanos, paralisação de atividades produtivas, depredação de patrimônio público e invasão de propriedades”. As “forças oponentes” a serem combativas incluíam “movimentos sociais, entidades, instituições e/ou organizações não-governamentais”. Essas formulações iam longe demais para que a base do PT pudesse engolir e tiveram de ser reformuladas, mas o conteúdo continua o mesmo.
Já comentamos como a lamentável morte do cinegrafista da Band, Santiago Andrade em fevereiro foi utilizada não só contra os manifestantes, mas também contra o PSOL e Marcelo Freixo. Isso por causa do potencial que o PSOL tem de crescer no Rio de Janeiro nas próximas eleições e o papel que o partido joga em apoiar as lutas. Em São Paulo, segundo um levantamento da Secretaria de Segurança Pública estadual, a PM prendeu mais manifestantes nos dois primeiros atos contra a Copa (25 de janeiro e 22 de fevereiro) do que durante todo o ano de 2013! Foram 397 detidos nesses atos, comparado com 374 no ano passado. O Tribunal de Justiça de São Paulo também foi o primeiro do país a implementar o Ceprajud (Centro de Pronto Atendimento Judiciário), conforme orientação do Conselho Nacional de Justiça e do Ministério da Justiça para tratar com rapidez dos detidos em protestos – um verdadeiro tribunal de exceção! Além disso, o governador Alckmin também mandou comprar caminhões equipados com canhões de água para dispersar multidões.
Há claramente uma escalada na repressão, que inclui uma política de criminalização direta. No Rio Grande do Sul, a Polícia Civil indiciou sob suspeita de “formação de milícia privada” sete pessoas, incluindo militantes do PSOL e PSTU. Essa lei foi incluída no Código Penal em 2012 e prevê punição de até oito anos a quem “constituir, organizar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular ou esquadrão”. Aqui não estamos falando de milícias como no Rio, e sim de quem organiza protestos!
O plano é de ampliar o leque de leis disponíveis para punir quem protesta. “O congresso tem fila de projetos para punir atos violentos”, escreveu recentemente a Folha de São Paulo. Há vinte projetos no Congresso e no Senado, proibindo máscaras, tipificando crimes como “terrorismo” e “desordem”.
O governo também prepara um projeto de lei para “regulamentar” as manifestações, articulado pelo ministro da Justiça, Eduardo Cardozo. O projeto deve incluir proibição de uso de máscaras e também se estuda a obrigação de avisar com antecedência qualquer manifestação pública às autoridades. Quer dizer, apesar de ser um direito democrático, se abre para mais repressão contra manifestações “não autorizadas”.
O direito de greve também está sob a mira da criminalização. O judiciário é usado frequentemente para declarar greves como ilegais ou impor um “acordo”, como a intervenção do STF na greve da educação do Rio de Janeiro no final do ano passado.
Em 2014, lembramos os 50 anos do golpe militar, mas ainda estamos vivendo os resquícios do regime ditatorial. Os culpados pela tortura não foram punidos. A polícia militar ainda permanece. E os métodos da ditadura voltam aos poucos à tona. A luta contra a criminalização dos protestos tem que caminhar de mãos dadas à luta contra a criminalização da pobreza e o sistema capitalista que se utiliza da repressão para garantir um sistema podre para manter os lucros de uma pequena elite.